domingo, 5 de novembro de 2023

Amor

Tanto se fala em amor! O amor é cantado em versos e prosa e foi tema da mais famosa obra de Platão, O Banquete, em que cada convidado apresenta o seu ponto de vista sobre o amor, inclusive Sócrates, um dos convidados do Banquete. E não só na filosofia, na literatura, nas artes... o amor também é tema de estudo na neurociências, na sociologia, na antropologia e na psicologia. E para a psicanálise? Como Freud vê o amor? Freud, afirma que a sexualidade e o amor estão intimamente ligados e que as experiências afetivas e eróticas da infância são crucias para o desenvolvimento emocional e psicológico do indivíduo. Dependendo de como a criança se sente amada, ela estabelecerá relações afetivas no futuro. É com base nos afetos infantis, internalizados pela criança que ela vai projetar sentimentos e desejos nas figuras das suas relações, inclusive com o psicanalista. Assim, na vida adulta o sujeito escolhe seu amado de duas formas: pelo que Freud chamou de escolha anaclítica, em que o sujeito busca no parceiro/a amoroso os cuidados maternos e paternos, como a proteção, o aconchego. A outra escolha, chamada narcísica, o sujeito ama no outro uma imagem idealizada de si mesmo. Nas palavras de Freud, o sujeito ama o que se é, o que se foi, o que se gostaria de ser ou, então, uma pessoa que foi parte da própria pessoa. Nesse sentido, Freud quer dizer que na escolha narcísica o sujeito ama uma imagem idealizada de si mesmo. É claro que essas escolhas não são excludentes e se complementam, mas um tipo de escolha se sobrepõe à outra. Então, para Freud o amor é a repetição do amor da infância, quando éramos amados por nossos pais, quando eles nos conferiam cuidados ou quando eles nos idealizavam como os pequenos deuses, cheios de qualidades e nenhum defeito. É isso que amamos no outro. Mas, ainda não tá claro: o que é o amor para Freud? Para Freud o amor é libidinal: uma energia que impulsiona o sujeito para a vida, para a criação, para produção. Num texto intitulado “Mal estar na civilização”, Freud vai dizer que um sujeito bem sucedido é aquele capaz de trabalhar e amar. Trabalhar nos dias de hoje não é assim tão fácil, e amar, mais difícil ainda. Isso foi dito porque um sujeito quando está pronto para o trabalho se sente útil e quando está pronto para o amor está resolvido. O amor é essa energia que impulsiona o sujeito para o trabalho, para a produção, e para o exercício sexual, é claro. Estou citando o exercício sexual, por causa da síndrome de Bournot em que o sujeito não consegue trabalhar nem amar. O sujeito está adoecido. Não consegue ter prazer em nada. Para Freud o sujeito é saudável se trabalhar e amar. Lacan foi influenciado pela psicanalise freudiana, mas trouxe sua própria perspectiva para o campo. Ele destacou a importância do objeto a, como um objeto que representa o objeto perdido, inatingível e que é buscado por todo ser humano para preencher um vazio emocional. Mas essa busca é sempre frustrada, pois o objeto do desejo nunca pode ser alcançado de forma plena. Nesse sentido, o amor seria representado por esse objeto, como uma busca constante por completude e satisfação. Pensando nessa insatisfação, Lacan introduziu o conceito de “amor cortês” ou “amor romântico”, no qual o desejo se mantém vivo através da distância e da inacessibilidade do objeto desejado. O gozo seria a representação do prazer, excessivamente satisfeito, que no seu fim levaria à dor. Então, o amor envolve uma luta entre o desejo e o gozo, onde o desejo está sempre ligado à falta e à incompletude e o gozo à morte. Lacan coloca o amor como uma ficção, pois amar é dar o que não se tem a alguém que não se interessa em recebe-lo. Sim, porque se a essência do sujeito é a insatisfação, se o sujeito é um ser de falta-a-ser ele não receberá o amor porque precisa permanecer insatisfeito. Aquele também que oferece o amor não o tem para dar, pois o amor só pode ser concebido numa relação simbólica, mediada pela palavra que é incompleta e que não diz tudo. Você diz que ama, é apenas um dizer. Por mais que você preencha o outro de carinhos, presentes e palavras ele nunca terá certeza se isso é amor. O amor não é tangível. Me lembrei do livro de Gustav Flaubert, chamado Madame Bovary. Conta a história de uma jovem que casou com um médico um pouco mais velho que ela. Ele tinha seus afazeres, mas cuidava dela e lhe oferecia tudo o que ela pedia. Mas ela queria mais e não se sentia amada. Então ela sonhava com outros amores e idealizava ser amada. E não vou dar spoiler, mas vou adiantar para vocês que ela nunca se satisfez buscando o amor. É porque somos insatisfeitos e achamos que o amor vai nos preencher. O trabalho da análise é levar a cada um de nós nos havermos com essa insatisfação, com esse vazio, com o buraco existencial para dar possibilidade do amor circular pela nossa vida, sem a pretensão de que ele nos preencha no todo. Cada teoria com a sua verdade, mas em um ponto todas se convergem: é o amor o que favorece ao todos os seres humanos aspirarem uma vida mais elevada e transcendente.