Eliana Olimpio
Psicóloga e psicanalista
quinta-feira, 10 de julho de 2025
PSICOPATIA E PSICANÁLISE
Os temas psicopatia, psicopata, antissociais sempre atiçam a curiosidade das pessoas.
Mas, caracterizar traços psicopaticos e antissociais não é fácil e não deve ser feito de forma leviana.
Necessita cuidado e tempo clínico, de observação e escuta analítica.
A psicopatia é um quadro clínico complexo e multifacetado que se caracteriza pela ausência ou profunda deficiência de empatia, culpa e remorso, além de uma marcante incapacidade de estabelecer vínculos afetivos autênticos com os outros. No âmbito psicanalítico, especialmente em Freud e Lacan, o conceito não é explicitamente tratado sob o termo "psicopatia" como entendemos atualmente, mas pode ser articulado com o que se reconhece como estruturas clínicas mais amplas, notadamente com as estruturas perversas e, em certa medida, com certas modalidades de funcionamento narcísico.
Embora Freud não utilize diretamente o termo "psicopata", ele tratou explicitamente das personalidades antissociais, do narcisismo patológico e das perversões. Em “Introdução ao narcisismo” (1914), Freud descreve indivíduos com extrema dificuldade em investir afetivamente nos outros, permanecendo fortemente presos ao seu próprio ego. O psicopata pode ser pensado psicanaliticamente como um sujeito cujo funcionamento narcísico exacerba uma forma de relação com o outro marcada pelo uso instrumental deste outro, negando a alteridade e ignorando o desejo alheio.
Para Lacan, embora também não empregue o termo “psicopata” em sentido estrito, podemos relacionar certas características da psicopatia à estrutura perversa, na medida em que o perverso reconhece parcialmente a existência da Lei simbólica, mas a desafia sistematicamente, posicionando-se acima dela ou como aquele que pode manipular a ordem simbólica em seu benefício próprio. Lacan enfatiza a dimensão do gozo no perverso, que opera a partir de uma lógica onde o Outro é utilizado apenas como objeto de satisfação pulsional imediata, sem reconhecimento de sua singularidade subjetiva.
Embora psicanaliticamente o conceito seja tratado sob outras terminologias, a psicologia clínica e a psiquiatria apresentam uma descrição mais explícita dos psicopatas, especialmente com base na obra de Robert Hare, autor do famoso instrumento "Psychopathy Checklist Revised" (PCL-R), amplamente utilizado para diagnóstico e avaliação da psicopatia.
Segundo Hare e as pesquisas contemporâneas, algumas características marcantes do psicopata são:
1. Ausência de empatia e remorso
Incapacidade para se colocar no lugar do outro.
Não sentem culpa ou arrependimento por suas ações prejudiciais.
Apresentam frieza emocional.
2. Egocentrismo e Narcisismo exacerbado
Tendência a supervalorizar a si mesmos, com uma autoimagem grandiosa.
Comportamento arrogante e desprezo pelos outros, vistos como inferiores ou instrumentos.
3. Manipulação interpessoal e sedução
Grande habilidade para enganar e manipular pessoas para obter vantagens pessoais.
Uso da sedução e charme superficial como estratégias frequentes.
4. Irresponsabilidade social e impulsividade
Não conseguem manter vínculos afetivos duradouros e estáveis.
Comportamentos impulsivos, falta de planejamento e baixa tolerância à frustração.
Histórico frequente de condutas criminosas, embora nem todos se envolvam em delitos evidentes.
5. Mentira patológica e superficialidade afetiva
Constante mentira, muitas vezes aparentemente sem necessidade, para controle e poder.
Sentimentos demonstrados são superficiais ou falsos, instrumentalizados para alcançar objetivos pessoais.
6. Incapacidade de aprendizado a partir da experiência
Dificuldade em aprender com erros e punições.
Repetição de comportamentos prejudiciais e destrutivos, apesar das consequências negativas.
Sinais comuns que podem indicar psicopatia (aspectos comportamentais observáveis):
Frieza emocional e aparente ausência de emoções autênticas.
Dificuldade extrema em seguir regras e leis sociais.
Constantes manipulações e distorções da realidade.
Comportamento frequentemente irresponsável em ambientes profissionais ou familiares.
Incapacidade de estabelecer vínculos afetivos profundos e duradouros.
Desconsideração constante dos direitos, sentimentos e necessidades alheias.
Ausência aparente de medo ou ansiedade diante de situações perigosas ou ameaçadoras.
Comportamentos de risco frequentes e tendência à busca incessante por estimulação.
Distinções importantes:
A psicopatia não é um diagnóstico oficialmente listado no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição), sendo englobada dentro do Transtorno da Personalidade Antissocial (TPAS). Porém, nem todos os indivíduos com TPAS preenchem os critérios específicos da psicopatia, que enfatiza especialmente a dimensão afetiva e interpessoal deficitária.
A psicanálise, ao abordar pacientes que poderiam ser identificados como psicopatas, depara-se com desafios clínicos e éticos consideráveis. A falta de transferência genuína, as manipulações constantes e a ausência de angústia subjetiva tornam o tratamento analítico bastante complicado. Lacan mesmo indica que certos sujeitos estruturados perversamente têm uma dificuldade muito particular em estabelecer uma transferência autêntica, pois o outro é reduzido a objeto de gozo, e não a um semelhante reconhecido como sujeito desejante.
Assim, do ponto de vista clínico, é fundamental avaliar cuidadosamente as condições de possibilidade da análise com sujeitos identificados com traços psicopáticos, mantendo-se atento à dinâmica transferencial e às implicações éticas que surgem nesse cenário, sobretudo considerando a perspectiva lacaniana em que a ética psicanalítica está diretamente associada à responsabilidade do sujeito diante de seu desejo e do desejo do Outro.
Portanto, a psicopatia pode ser compreendida como um fenômeno complexo que transcende definições estritamente psiquiátricas, sendo interpretada psicanaliticamente como uma modalidade de organização subjetiva peculiar, caracterizada principalmente pela instrumentalização do outro, pelo funcionamento narcísico extremo e pela incapacidade de sustentação genuína do laço social. O reconhecimento de tais sinais e características auxilia profissionais a identificarem melhor esse funcionamento subjetivo e a refletirem sobre as possibilidades e limites de intervenção clínica e social.
quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
domingo, 27 de outubro de 2024
O manejo da transferência em análise
Quando se fala em “Transferência”, poucos profissionais da área psí sabem do que se trata. E olha que a transfêrencia, além de estar presente em todas as relações humanas, ela é essencial para o tratamento do sujeito. Tratamento em qualquer âmbito: seja médico, psicológico, de nutrição e outros… Ela está presente na relação professor-aluno, o que significa que ela está presente também entre o treinador da academia e o seu aluno; está presente entre o chefe e o subordinado, entre o padre e o devoto, entre os pares amorosos...
Para o tratamento psicanalítico, a transferência é imprescindível. Jacques-Alain Miller, no seu livro “O Percurso de Lacan: uma introdução” afirma que a transferência é “o modus operandi da psicanálise, a mola mestra da cura, seu motor terapêutico e o princípio de seu poder”.
(MILLER, 1994, p.55)
O que ele quer dizer com isso? Que sem a transferência, não há análise possível.
Mas, afinal de contas o que é a transferência?
A transferência é um conceito que foi utilizado por Freud para designar os afetos que a criança, na sua primeira infância desenvolve por seus pais e cuidadores e que mais tarde irá transferir para as pessoas com as quais ela convive. Dai decorre as suas neuroses, as suas repetições, os seus sintomas e é através da transferência que o analista ou os terapeutas, de um modo geral, podem lidar com seus clientes com o objetivo de alcançar o êxito do tratamento.
No dia 11/11 eu vou fazer um evento gratuito e online chamado o Manejo da Transferência na atualidade, onde vou te mostrar a oportunidade e a importância de trabalhar corretamente o manejo na clínica.
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domingo, 5 de novembro de 2023
Amor
Tanto se fala em amor! O amor é cantado em versos e prosa e foi tema da mais famosa obra de Platão, O Banquete, em que cada convidado apresenta o seu ponto de vista sobre o amor, inclusive Sócrates, um dos convidados do Banquete. E não só na filosofia, na literatura, nas artes... o amor também é tema de estudo na neurociências, na sociologia, na antropologia e na psicologia.
E para a psicanálise? Como Freud vê o amor? Freud, afirma que a sexualidade e o amor estão intimamente ligados e que as experiências afetivas e eróticas da infância são crucias para o desenvolvimento emocional e psicológico do indivíduo. Dependendo de como a criança se sente amada, ela estabelecerá relações afetivas no futuro.
É com base nos afetos infantis, internalizados pela criança que ela vai projetar sentimentos e desejos nas figuras das suas relações, inclusive com o psicanalista.
Assim, na vida adulta o sujeito escolhe seu amado de duas formas: pelo que Freud chamou de escolha anaclítica, em que o sujeito busca no parceiro/a amoroso os cuidados maternos e paternos, como a proteção, o aconchego. A outra escolha, chamada narcísica, o sujeito ama no outro uma imagem idealizada de si mesmo. Nas palavras de Freud, o sujeito ama o que se é, o que se foi, o que se gostaria de ser ou, então, uma pessoa que foi parte da própria pessoa. Nesse sentido, Freud quer dizer que na escolha narcísica o sujeito ama uma imagem idealizada de si mesmo. É claro que essas escolhas não são excludentes e se complementam, mas um tipo de escolha se sobrepõe à outra.
Então, para Freud o amor é a repetição do amor da infância, quando éramos amados por nossos pais, quando eles nos conferiam cuidados ou quando eles nos idealizavam como os pequenos deuses, cheios de qualidades e nenhum defeito. É isso que amamos no outro.
Mas, ainda não tá claro: o que é o amor para Freud? Para Freud o amor é libidinal: uma energia que impulsiona o sujeito para a vida, para a criação, para produção.
Num texto intitulado “Mal estar na civilização”, Freud vai dizer que um sujeito bem sucedido é aquele capaz de trabalhar e amar. Trabalhar nos dias de hoje não é assim tão fácil, e amar, mais difícil ainda. Isso foi dito porque um sujeito quando está pronto para o trabalho se sente útil e quando está pronto para o amor está resolvido. O amor é essa energia que impulsiona o sujeito para o trabalho, para a produção, e para o exercício sexual, é claro. Estou citando o exercício sexual, por causa da síndrome de Bournot em que o sujeito não consegue trabalhar nem amar. O sujeito está adoecido. Não consegue ter prazer em nada. Para Freud o sujeito é saudável se trabalhar e amar.
Lacan foi influenciado pela psicanalise freudiana, mas trouxe sua própria perspectiva para o campo. Ele destacou a importância do objeto a, como um objeto que representa o objeto perdido, inatingível e que é buscado por todo ser humano para preencher um vazio emocional. Mas essa busca é sempre frustrada, pois o objeto do desejo nunca pode ser alcançado de forma plena. Nesse sentido, o amor seria representado por esse objeto, como uma busca constante por completude e satisfação.
Pensando nessa insatisfação, Lacan introduziu o conceito de “amor cortês” ou “amor romântico”, no qual o desejo se mantém vivo através da distância e da inacessibilidade do objeto desejado. O gozo seria a representação do prazer, excessivamente satisfeito, que no seu fim levaria à dor. Então, o amor envolve uma luta entre o desejo e o gozo, onde o desejo está sempre ligado à falta e à incompletude e o gozo à morte.
Lacan coloca o amor como uma ficção, pois amar é dar o que não se tem a alguém que não se interessa em recebe-lo. Sim, porque se a essência do sujeito é a insatisfação, se o sujeito é um ser de falta-a-ser ele não receberá o amor porque precisa permanecer insatisfeito. Aquele também que oferece o amor não o tem para dar, pois o amor só pode ser concebido numa relação simbólica, mediada pela palavra que é incompleta e que não diz tudo. Você diz que ama, é apenas um dizer. Por mais que você preencha o outro de carinhos, presentes e palavras ele nunca terá certeza se isso é amor. O amor não é tangível.
Me lembrei do livro de Gustav Flaubert, chamado Madame Bovary. Conta a história de uma jovem que casou com um médico um pouco mais velho que ela. Ele tinha seus afazeres, mas cuidava dela e lhe oferecia tudo o que ela pedia. Mas ela queria mais e não se sentia amada. Então ela sonhava com outros amores e idealizava ser amada. E não vou dar spoiler, mas vou adiantar para vocês que ela nunca se satisfez buscando o amor. É porque somos insatisfeitos e achamos que o amor vai nos preencher. O trabalho da análise é levar a cada um de nós nos havermos com essa insatisfação, com esse vazio, com o buraco existencial para dar possibilidade do amor circular pela nossa vida, sem a pretensão de que ele nos preencha no todo.
Cada teoria com a sua verdade, mas em um ponto todas se convergem: é o amor o que favorece ao todos os seres humanos aspirarem uma vida mais elevada e transcendente.
terça-feira, 4 de abril de 2023
Conteúdos através de pequenos vídeos!
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quinta-feira, 29 de dezembro de 2022
Novo ano em novos tempos: manter a atualização profissional
Novo ano em novos tempos!
A pandemia acelerou a incorporação tecnológica ao nosso cotidiano provocando mudanças nos nossos padrões de comportamento, alterou nossa subjetividade e produziu consequências benéficas e maléficas.
Isso remete à que, qualquer profissional, mas principalmente aqueles voltados para as àreas humanas e de saúde necessitam atualizar seus estudos levando em conta essas consequências e exige o profissional se empenhe em se aprimorar para oferecer o que há melhor para o seu cliente.
Vamos criar, então, para os nossos planos para 2023, independente da nossa área de atuação, estratégias de investimento de tempo, dinheiro e dedicação à nossa reciclagem ou atualização profissional. Muitos cursos são oferecidos, e hoje temos a vantagem de podermos fazê-los à distancia, no conforto da nossa casa, sem as despesas de deslocamento.
Freud, há mais de 100 anos já recomendava que os analistas permanecessem em constante atualização dos estudos em psicanálise, bem como a supervisão dos casos com outro profissional experiente e mantivessem a sua análise pessoal. É uma prática a que devemos estar atentos.
E feliz 2023 com muito estudo e dedicação.
sexta-feira, 24 de junho de 2022
O que é a felicidade?
O progresso material garante felicidade? A resposta é controversa.
Para Aristóteles o ser humano é feliz na medida em que realiza a obra da sua vida. É necessário que a pessoa tenha atingido certa etapa na vida para poder começar a considerar se é feliz ou não.
Na perspectiva estóica, a sabedoria consiste em não desejar o que não está ao seu próprio alcance e assim ser feliz.
Já para a concepção eudemonica, o nível sócioeconomico correlaciona-se com a felicidade independente da idade, porém, em pesquisa recente constatou-se que o nível de bem estar subjetivo de uma população em relação à renda (PIB) sustenta-se apenas até determinado patamar, acima do qual a renda deixa de acrescentar à felicidade.
Duas parecem ser as ordens de fatores que influenciam as percepções de felicidade:
a) fatores subjetivos, determinados tanto pela constituição genética quanto pela experiência individual,
b) fatores objetivos, relacionados principalmente às circunstancias externas, como o bem estar material.
Logo, cada indivíduo possui um nível ótimo de bem-estar, o qual pode ser, ao menos parcialmente, geneticamente determinado, mas que se mantêm regulado à medida em que pode lançar mão de mecanismos moderadores para compensar os efeitos de situações danosas.
Há também os mecanismos neurobiológicos que implementam as experiências de felicidade no cérebro. Por exemplo, um modelo contemporâneo sugere que os dispositivos de prazer estão relacionados à ativação dopaminérgica de um circuito límbico com epicentro na medula (core) do núcleo accumbens (NAc), de forma que a felicidade pode depender do desenvolvimento de circuitos pré-frontais que amadurecem lentamente até a terceira década de vida e que são desenvolvimentos relativamente recentes na árvore evolutiva das espécies.
Ora, a busca pela felicidade constitui ao mesmo tempo uma obsessão motivacional entre os humanos e uma armadilha evolutiva. A ideologia iluminista sugeriu que seria possível concretizar um estado de bem-aventurança na Terra por meio do progresso material e social. Mas, as diversas engenharias sociais, socialistas e capitalistas não conduzem forçosamente à felicidade ou à infelicidade. Teorias humanistas apontam para a satisfação subjetiva, enquanto teorias cerebrais encontram respostas nos mecanismos neurobiológicos proximais.
O desafio, porém, que se lança aos indivíduos, para além das questões cerebrais, é maximizar e simultaneamente, compartilhar com as gerações, sua aptidão para a felicidade no longo prazo. Infelizmente, os seres humanos, na maioria das vezes, não se comportam como agentes racionais e a experiência acumulada não se transmite automaticamente entre gerações sucessivas. Cada geração e cada indivíduo precisam encontrar por si próprios a solução para o paradoxo da felicidade.
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