Quando um sujeito recorre a uma IA como o ChatGPT buscando alívio para seus sofrimentos psíquicos, corre-se o risco de que o sintoma, que na clínica é tratado como formação do inconsciente e convocação de sentido, seja reduzido a um dado a ser eliminado ou normalizado. Há, nesse gesto, uma tentativa de tamponamento da falta, o que pode implicar na intensificação do sofrimento. A IA pode oferecer palavras, mas não escuta; pode simular empatia, mas não se implica; pode acompanhar o discurso, mas não sustentar transferência.
A transferência, aliás, é um dos pontos mais críticos nesse debate. Na clínica psicanalítica, a transferência é o motor do tratamento. O analista, por sua posição de objeto (a) e por sua escuta abstinente, encarna algo do enigma do desejo do Outro, promovendo deslocamentos e rearticulações do discurso do sujeito. Uma IA, por mais sofisticada que seja, não pode ocupar essa posição. Ainda que o sujeito venha a investir afetivamente na máquina, fenômeno que já foi observado, por exemplo, em estudos sobre robôs de companhia ou assistentes virtuais, esse laço permanece no campo do imaginário, sem abertura ao simbólico e ao real do inconsciente.
Outro risco importante é a manutenção de defesas que impedem o sujeito de confrontar-se com o que há de mais enigmático em si. Ao procurar respostas em um chatbot, o sujeito pode permanecer em um circuito de reafirmação de seus próprios significantes mestres, em busca de validação ou conselhos que confirmem suas hipóteses conscientes. A função do analista, ao contrário, é justamente desestabilizar essas certezas, provocar hiatos no saber, abrir espaço para o que insiste como repetição sintomática.
Além disso, o uso reiterado de uma IA no lugar de um processo terapêutico pode retardar a busca por ajuda efetiva em situações de sofrimento psíquico grave, como estados depressivos, crises de ansiedade, ideação suicida ou desestruturação psicótica. O atendimento clínico realizado por profissionais capacitados é pautado por uma escuta ética, pelo manejo transferencial e por uma construção sustentada no tempo, algo que não pode ser comprimido em respostas imediatas ou orientações genéricas. Isso não significa que ferramentas como o ChatGPT não possam ter alguma utilidade no campo da saúde mental, por exemplo, para psicoeducação, apoio a profissionais, acesso a informações sobre sofrimento psíquico, ou como parte de estratégias complementares de cuidado. Contudo, é fundamental que haja uma clara delimitação entre essas funções informativas e o campo clínico propriamente dito.
A psicanálise, ao insistir na opacidade do sujeito e na função do inconsciente, reafirma que o tratamento do sofrimento psíquico não pode ser reduzido a um diálogo com algoritmos. Trata-se de uma experiência encarnada, intersubjetiva, marcada pela transferência, pelo tempo próprio do sujeito e por uma ética que reconhece o desejo como força estruturante. Substituir o analista por uma máquina pode, portanto, não apenas falhar em aliviar o sofrimento, mas também reforçar as defesas que o sustentam, promovendo uma alienação ainda maior da própria verdade subjetiva.
Referências
Freud, S. (1912/1996). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XII. Rio de Janeiro: Imago.
Lacan, J. (1964). O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.
Lacan, J. (1970). O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.
Miller, J.-A. (2000). A direção da cura e os princípios de seu poder. Rio de Janeiro: Zahar.