quinta-feira, 24 de julho de 2025

As consequências do uso de psicoterapia em Chatgpt e outras I.A.

Na contemporaneidade, marcada pela aceleração do tempo, pela lógica do desempenho e pela promessa de soluções rápidas e eficazes, o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial tem se expandido em diversas áreas, incluindo a saúde mental. Entre essas ferramentas, o ChatGPT e outros assistentes conversacionais vêm sendo utilizados por alguns sujeitos como recurso para obtenção de conselhos, esclarecimentos emocionais ou mesmo como substituto de uma escuta clínica. Essa prática levanta questões éticas, técnicas e subjetivas que merecem reflexão aprofundada, sobretudo sob a perspectiva da psicanálise.

A psicanálise,desde Freud, opera a partir de uma escuta singular, em que o discurso do sujeito é acolhido sem o propósito de oferecer respostas prontas ou soluções universais. Diferentemente do que ocorre com inteligências artificiais, que funcionam por meio de algoritmos de predição baseados em grandes bancos de dados, a clínica psicanalítica não trabalha com padrões estatísticos ou respostas generalizáveis. Ao contrário, ela se funda no reconhecimento da singularidade do inconsciente e na irrupção do sujeito na linguagem. Lacan afirmava que o analista é aquele que sustenta um lugar de falta, de não saber, justamente para que o sujeito possa produzir saber sobre seu próprio desejo.

Quando um sujeito recorre a uma IA como o ChatGPT buscando alívio para seus sofrimentos psíquicos, corre-se o risco de que o sintoma, que na clínica é tratado como formação do inconsciente e convocação de sentido, seja reduzido a um dado a ser eliminado ou normalizado. Há, nesse gesto, uma tentativa de tamponamento da falta, o que pode implicar na intensificação do sofrimento. A IA pode oferecer palavras, mas não escuta; pode simular empatia, mas não se implica; pode acompanhar o discurso, mas não sustentar transferência.

A transferência, aliás, é um dos pontos mais críticos nesse debate. Na clínica psicanalítica, a transferência é o motor do tratamento. O analista, por sua posição de objeto (a) e por sua escuta abstinente, encarna algo do enigma do desejo do Outro, promovendo deslocamentos e rearticulações do discurso do sujeito. Uma IA, por mais sofisticada que seja, não pode ocupar essa posição. Ainda que o sujeito venha a investir afetivamente na máquina, fenômeno que já foi observado, por exemplo, em estudos sobre robôs de companhia ou assistentes virtuais, esse laço permanece no campo do imaginário, sem abertura ao simbólico e ao real do inconsciente.

Outro risco importante é a manutenção de defesas que impedem o sujeito de confrontar-se com o que há de mais enigmático em si. Ao procurar respostas em um chatbot, o sujeito pode permanecer em um circuito de reafirmação de seus próprios significantes mestres, em busca de validação ou conselhos que confirmem suas hipóteses conscientes. A função do analista, ao contrário, é justamente desestabilizar essas certezas, provocar hiatos no saber, abrir espaço para o que insiste como repetição sintomática.

Além disso, o uso reiterado de uma IA no lugar de um processo terapêutico pode retardar a busca por ajuda efetiva em situações de sofrimento psíquico grave, como estados depressivos, crises de ansiedade, ideação suicida ou desestruturação psicótica. O atendimento clínico realizado por profissionais capacitados é pautado por uma escuta ética, pelo manejo transferencial e por uma construção sustentada no tempo, algo que não pode ser comprimido em respostas imediatas ou orientações genéricas. Isso não significa que ferramentas como o ChatGPT não possam ter alguma utilidade no campo da saúde mental, por exemplo, para psicoeducação, apoio a profissionais, acesso a informações sobre sofrimento psíquico, ou como parte de estratégias complementares de cuidado. Contudo, é fundamental que haja uma clara delimitação entre essas funções informativas e o campo clínico propriamente dito.

A psicanálise, ao insistir na opacidade do sujeito e na função do inconsciente, reafirma que o tratamento do sofrimento psíquico não pode ser reduzido a um diálogo com algoritmos. Trata-se de uma experiência encarnada, intersubjetiva, marcada pela transferência, pelo tempo próprio do sujeito e por uma ética que reconhece o desejo como força estruturante. Substituir o analista por uma máquina pode, portanto, não apenas falhar em aliviar o sofrimento, mas também reforçar as defesas que o sustentam, promovendo uma alienação ainda maior da própria verdade subjetiva.

Referências

Freud, S. (1912/1996). Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XII. Rio de Janeiro: Imago.

Lacan, J. (1964). O Seminário, Livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

Lacan, J. (1970). O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.

Miller, J.-A. (2000). A direção da cura e os princípios de seu poder. Rio de Janeiro: Zahar.

quinta-feira, 10 de julho de 2025

PSICOPATIA E PSICANÁLISE
Os temas psicopatia, psicopata, antissociais sempre atiçam a curiosidade das pessoas. Mas, caracterizar traços psicopaticos e antissociais não é fácil e não deve ser feito de forma leviana. Necessita cuidado e tempo clínico, de observação e escuta analítica. A psicopatia é um quadro clínico complexo e multifacetado que se caracteriza pela ausência ou profunda deficiência de empatia, culpa e remorso, além de uma marcante incapacidade de estabelecer vínculos afetivos autênticos com os outros. No âmbito psicanalítico, especialmente em Freud e Lacan, o conceito não é explicitamente tratado sob o termo "psicopatia" como entendemos atualmente, mas pode ser articulado com o que se reconhece como estruturas clínicas mais amplas, notadamente com as estruturas perversas e, em certa medida, com certas modalidades de funcionamento narcísico. Embora Freud não utilize diretamente o termo "psicopata", ele tratou explicitamente das personalidades antissociais, do narcisismo patológico e das perversões. Em “Introdução ao narcisismo” (1914), Freud descreve indivíduos com extrema dificuldade em investir afetivamente nos outros, permanecendo fortemente presos ao seu próprio ego. O psicopata pode ser pensado psicanaliticamente como um sujeito cujo funcionamento narcísico exacerba uma forma de relação com o outro marcada pelo uso instrumental deste outro, negando a alteridade e ignorando o desejo alheio. Para Lacan, embora também não empregue o termo “psicopata” em sentido estrito, podemos relacionar certas características da psicopatia à estrutura perversa, na medida em que o perverso reconhece parcialmente a existência da Lei simbólica, mas a desafia sistematicamente, posicionando-se acima dela ou como aquele que pode manipular a ordem simbólica em seu benefício próprio. Lacan enfatiza a dimensão do gozo no perverso, que opera a partir de uma lógica onde o Outro é utilizado apenas como objeto de satisfação pulsional imediata, sem reconhecimento de sua singularidade subjetiva. Embora psicanaliticamente o conceito seja tratado sob outras terminologias, a psicologia clínica e a psiquiatria apresentam uma descrição mais explícita dos psicopatas, especialmente com base na obra de Robert Hare, autor do famoso instrumento "Psychopathy Checklist Revised" (PCL-R), amplamente utilizado para diagnóstico e avaliação da psicopatia. Segundo Hare e as pesquisas contemporâneas, algumas características marcantes do psicopata são: 1. Ausência de empatia e remorso Incapacidade para se colocar no lugar do outro. Não sentem culpa ou arrependimento por suas ações prejudiciais. Apresentam frieza emocional. 2. Egocentrismo e Narcisismo exacerbado Tendência a supervalorizar a si mesmos, com uma autoimagem grandiosa. Comportamento arrogante e desprezo pelos outros, vistos como inferiores ou instrumentos. 3. Manipulação interpessoal e sedução Grande habilidade para enganar e manipular pessoas para obter vantagens pessoais. Uso da sedução e charme superficial como estratégias frequentes. 4. Irresponsabilidade social e impulsividade Não conseguem manter vínculos afetivos duradouros e estáveis. Comportamentos impulsivos, falta de planejamento e baixa tolerância à frustração. Histórico frequente de condutas criminosas, embora nem todos se envolvam em delitos evidentes. 5. Mentira patológica e superficialidade afetiva Constante mentira, muitas vezes aparentemente sem necessidade, para controle e poder. Sentimentos demonstrados são superficiais ou falsos, instrumentalizados para alcançar objetivos pessoais. 6. Incapacidade de aprendizado a partir da experiência Dificuldade em aprender com erros e punições. Repetição de comportamentos prejudiciais e destrutivos, apesar das consequências negativas. Sinais comuns que podem indicar psicopatia (aspectos comportamentais observáveis): Frieza emocional e aparente ausência de emoções autênticas. Dificuldade extrema em seguir regras e leis sociais. Constantes manipulações e distorções da realidade. Comportamento frequentemente irresponsável em ambientes profissionais ou familiares. Incapacidade de estabelecer vínculos afetivos profundos e duradouros. Desconsideração constante dos direitos, sentimentos e necessidades alheias. Ausência aparente de medo ou ansiedade diante de situações perigosas ou ameaçadoras. Comportamentos de risco frequentes e tendência à busca incessante por estimulação. Distinções importantes: A psicopatia não é um diagnóstico oficialmente listado no DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 5ª edição), sendo englobada dentro do Transtorno da Personalidade Antissocial (TPAS). Porém, nem todos os indivíduos com TPAS preenchem os critérios específicos da psicopatia, que enfatiza especialmente a dimensão afetiva e interpessoal deficitária. A psicanálise, ao abordar pacientes que poderiam ser identificados como psicopatas, depara-se com desafios clínicos e éticos consideráveis. A falta de transferência genuína, as manipulações constantes e a ausência de angústia subjetiva tornam o tratamento analítico bastante complicado. Lacan mesmo indica que certos sujeitos estruturados perversamente têm uma dificuldade muito particular em estabelecer uma transferência autêntica, pois o outro é reduzido a objeto de gozo, e não a um semelhante reconhecido como sujeito desejante. Assim, do ponto de vista clínico, é fundamental avaliar cuidadosamente as condições de possibilidade da análise com sujeitos identificados com traços psicopáticos, mantendo-se atento à dinâmica transferencial e às implicações éticas que surgem nesse cenário, sobretudo considerando a perspectiva lacaniana em que a ética psicanalítica está diretamente associada à responsabilidade do sujeito diante de seu desejo e do desejo do Outro. Portanto, a psicopatia pode ser compreendida como um fenômeno complexo que transcende definições estritamente psiquiátricas, sendo interpretada psicanaliticamente como uma modalidade de organização subjetiva peculiar, caracterizada principalmente pela instrumentalização do outro, pelo funcionamento narcísico extremo e pela incapacidade de sustentação genuína do laço social. O reconhecimento de tais sinais e características auxilia profissionais a identificarem melhor esse funcionamento subjetivo e a refletirem sobre as possibilidades e limites de intervenção clínica e social.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

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