EDUCAÇÃO FAMILIAR
O mundo com suas formas de modernidade
vem passando por transformações profundas e velozes que provocam mudanças no
comportamento do sujeito e da sociedade. Algumas alterações são visíveis como a
precocidade da puberdade, a adoção de novas configurações parentais, mudanças
nos papéis sociais, a dificuldade dos membros da família compartilharem o dia a
dia entre-si, a supremacia da estética sobre a ética, a valorização do relativismo
absoluto, a banalização da sexualidade e da violência, a acentuação da urbanização,
a promoção do afastamento entre as gerações e parentescos, e outras. Tudo isso
ou grande parte desses fatores podem ter influências no que concerne a formação
da família e a educação dos filhos.
Devemos nos lembrar, ainda, que
existem diferentes famílias de variadas realidades sociais e que para se
discutir essas famílias, necessário se faz contextualizá-las diante das
constantes mudanças culturais e sociais.
Não se deve pensar em família enquanto
estruturada/desestruturada, o que remeteria a um padrão e qualquer desvio desse
padrão configuraria numa crise ou desestabilização, o que geraria novas regras
de relacionamento no sistema familiar. A família está sujeita a mudanças
decorrentes do tempo e do espaço, já que sofre influencias políticas,
econômicas e sociais, o que requerem uma reorganização e uma revisão da família
e da sociedade, de suas funções e valores.
A “desacralização” da família deve ser revista e discutida nas
várias circunstancias.
A família é constituída por um grupo
de pessoas vinculadas por relações de afetos e solidariedade, com laços de
parentesco consanguíneo ou não e que procuram manter a continuidade enquanto
grupo e desenvolvam um sentimento de pertencimento. Há de se considerar também
que a família abriga um lugar de conflitos e problemas. Espera-se que os membros da família busquem
reconhecer seus próprios recursos e necessidades, bem como resistam às tensões,
confrontos e conflitos, com o propósito de solucionar as questões que se
apresentam para manter sua configuração. A família serve de apoio e proteção
para o individuo, contribuindo para o seu desenvolvimento emocional e
construção da identidade. É o lugar da aquisição da linguagem e dos valores
sociais.
Ocorre, porém, que diante da crise
social que afeta todo o pais, atribuem-se à família a degradação dos valores, a
delinquência juvenil, o aumento do consumo das drogas, etc.
As regras familiares se organizam
segundo as diferentes sociedades e culturas, ao mesmo tempo que organizam a
sociedade e a cultura. Desta forma, as regras que caracterizam a organização
familiar refletem o sistema social. Definições
do modo que devem ser a proteção e o cuidado de seus membros, principalmente
das crianças e dos jovens, a organização da hierarquia e do poder, as relações
de autoridade, a divisão do trabalho para a manutenção e sobrevivência do
grupo, a vivencia da sexualidade e da afetividade e as relações entre parentes
e outros valores e conceitos são estabelecidos dentro da família. Por outro
lado, a família é atravessada por outras instituições (igreja, estado,
especialistas e outros) que confirmam ou contradizem os valores da sociedade,
produzindo mudanças, apresentando diferenças, acionando a realidade social e
ditando receitas sobre como educar os filhos. A mídia, onipresente, cria modelos a serem
copiados e dita o que se deve transmitir aos filhos, e sabe-se que o incentivo
dos valores e padrões de comportamento não é, neste caso, dos mais
conservadores.
A família detém ainda hoje algum grau
de influencia na formação das futuras gerações e um papel relevante no
nucleamento dos laços sociais. Segundo, Kehel (2003), “a família mudou, mudaram
os papéis familiares, mas não foi substituída por outra forma de organização
molecular”. “Ele é como um pai...” Eles são como irmãos...” - são os termos que
se utilizam para referenciar uma qualidade usando-se como matriz de valores a
família. Apesar de a família ainda ser modelo de agrupamento afetivo, a busca
por grupo de amigos traduz a necessidade do jovem buscar fora de casa o espaço
para afirmar a diferenciação que instrumente a sua autonomia em relação à
geração anterior. No Brasil a procura dos amigos se firma na procura daqueles que compartilham os melhores valores da
sua família. O distanciamento do jovem em relação aos seus vínculos familiares
favorece para que o jovem faça seu caminho a partir daquilo que dos familiares
foi herdado e que agora se atualiza na construção de novos ideais. O jovem se
sente mais “em casa” quando está “fora de casa”.
O filho é produto do seu tempo e do
seu meio social. A autoridade, hoje abrandada pela distribuição igualitária do
poder, inicialmente entre os pais e atualmente também entre pais e filhos. Isso deveu-se, é claro, à emancipação
financeira dos outros membros da família. É interessante notar que à medida que
o “chefe da família” não era mais o único provedor material, a autoridade
desloca-se dessa figura e se organiza numa outra “hierarquia”. Nesse sentido,
mesmo nas organizações empresariais a autoridade está menos “autoritária” e
mais democrática e é com esse modelo de funcionamento que os filhos lidam,
tanto na família como nas instituições sociais.
Outra questão que se coloca é o surgimento
de laços fraternos mais sólidos que os laços paternos, Na aliança entre os
irmãos, a cumplicidade e o afeto ganham mais espaço à medida que os afetos
entre pai e mãe são temporários e situacionais, podendo ser transformandos de
amor em ódio e os laços rompidos a qualquer momento. Os irmãos se unem para não
se sentirem desamparados.
Maior agravo ainda, se dá quando pais,
adultos (para não culpabilizar pais adolescentes), não amadureceram suficientemente
a ponto de serem referencias adultas para seus filhos. Delegam para a escola,
para outros familiares (avós por exemplo) ou para a sociedade (leia-se conselho
tutelar, psicólogos ou outros especialistas), a tarefa de educar seus filhos. São
coniventes, quando não inconvenientes, deixando de orientá-los e servir-lhes de
exemplo no que tange à moral e aos valores, deixando-os de fato, desamparados e
fragilizados. Fugir à responsabilidade de se haver com as decisões que precisam
tomar frente às necessidades ou aos limites que deveriam estabelecer para seus filhos é deixá-los ao abandono moral.
Assim, podemos constatar que
concomitante ao desamparo moral a que vive o jovem brasileiro, também o
desamparo material e simbólico os coloca na condição de delinquentes
impedindo-os de dar conta da crise ética e construir novas referências.
Texto elaborado como suporte para entrevista ao vivo em que a autora se apresentou na TV Assembléia, dia 16/05/2012, programa Panorama.
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