domingo, 3 de maio de 2020

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E PANDEMIA



Estamos vivendo, mundialmente, em isolamento social e a ONU - Organização das Nações Unidas - alerta para o crescimento exacerbado de denúncias de violência doméstica em quase todos os países.

A violência doméstica atinge principalmente mulheres, idosos e crianças. A violência é muito anterior ao isolamento. É muito comum, no atendimento no consultório, ouvirmos relatos de mulheres com relação à agressividade dos companheiros, seja com elas mesmas ou com os filhos.

Parece que nesse tempo de pandemia, o sofrimento dessas mulheres e de outros membros dessas famílias tem aumentado. É fato que a escassez de recursos em famílias de baixa renda potencializa a agressividade. A falta de lazer, os problemas financeiros, o ambiente muito apertado e restrito são estopins para a prática da violência.


Também o confinamento dificulta a vida das mulheres, já que elas precisam conciliar o trabalho doméstico, o cuidado com a família, a escassez de recursos, o cansaço físico e, ainda, a convivência muito intensa com companheiros que, na maioria das vezes, não contribuem com as tarefas domésticas, não contribuem com os cuidados com a família e quando o fazem, são agressivos. Muitos deles não acham que as tarefas domésticas podem ser desempenhadas também por eles, deixando a mulher sobrecarregada e se ela se queixa, ele a enfrenta com agressividade e violência.

É notório que as subnotificações dos casos de violência são devidas ao medo, a vergonha, impotência, falta de recursos financeiros ou ainda, falta de acesso aos canais de denúncia.

Em tempos de pandemia, como que uma mulher acuada em ambiente de confinamento poderá pedir socorro na presença do companheiro que as ameaçam? As vítimas nesse momento de confinamento estão vigiadas e trancadas com seus agressores.

Enquanto o vírus se espalha em países com instituições já fracas, menos informações e dados estarão disponíveis, o que não significa que a vulnerabilidade de mulheres e seus filhos estará menos altas.

Sabemos que nessa época, os profissionais de saúde e os atendentes da polícia estão sobrecarregados; os abrigos que acolhem essas mulheres estão cheios ou fechados; as ONGs estão paralisadas ou com pouco dinheiro disponível. Mas é necessário que a sociedade, de uma forma geral, ajude essas mulheres a romperem com o silêncio. É preciso salvar as vítimas.

É preciso fazer funcionar os serviços de atendimento às mulheres, orientando-as sobre os seus direitos.

Elas precisam saber que há dispositivos funcionando 24 horas, todos os dias, inclusive feriados e que podem ser acionados de qualquer lugar do Brasil. Os mais populares são o LIGUE 180 (Disque denúncia), o DISQUE 100 (Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) e o 190 (Policia Militar), que são canais gratuitos e confidenciais em que as mulheres podem fazer as denúncias. Também tem o aplicativo PenhaS e o site www.mapadoacolhimento.org.br.

Segundo dados do Ministério da Saúde no ano passado, 1 mulher é agredida a cada 4 minutos e  a maioria delas sobrevive. Mas dentre essas, 1 mulher é morta a cada 7 horas. O mapa da violência da Secretaria de Segurança Pública registra apenas os casos de morte, os casos de assassinato. A violência cometida nas sobreviventes não entra nessa estatística.

A relação entre violência contra a mulher e sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente. A violência física, sexual, psicológica e social das mulheres aumenta a probabilidade delas caírem em depressão e adquirirem hábitos de consumo de álcool e drogas. De fato, muitas recorrem ao álcool e drogas como forma de suportar os maus tratos. Os corpos dessas mulheres ficam marcados por lesões corporais decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos. E os maus tratos psicológicos, muito mais sutis, também marcam o  seu psiquismo e sua vida social.

Nestes casos, elas apresentam situações de medo, insegurança, desconfiança, dor, incerteza, frustração, além das lesões físicas.

A violência contra a mulher é uma questão política, cultural, policial, jurídica e de saúde pública.

O chefe da ONU, Antonio Guterrez, instou todos os governos a fazerem da prevenção e da reparação da violência contra as mulheres uma parte essencial de seus planos nacionais em resposta à Covid-19 e destacou várias ações que podem ser tomadas para melhorar a situação.

Solicita-se adoção de protocolos interdisciplinares de atendimento às vitimas que chegam através dos enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicólogos, agentes da polícia e outros, com foco na prevenção dos agravos e na recuperação da saúde. Protocolos corretamente preenchidos e que relatem as lesões, suspeitas de lesões e violências servem para combater a impunidade e salvar vidas.

No Brasil, a OAB constatou o aumento das estatísticas da violência e propôs aumentar o número de abrigos para as vítimas; criar maneiras seguras para que estas procurem apoio; evitar liberar prisioneiros com recorrências de violência contra mulheres; ampliar campanhas de conscientização pública.

Do lado da psicologia, o que se sabe é que o termo VIOLÊNCIA deriva do latin vis, que significa força. Refere-se ao constrangimento e ao uso da superioridade física sobre o outro.

Neste caso, o mais comum é a violência de gênero, exercida pelos homens contra as mulheres, que impõem a força física, mantendo o controle e o domínio simplesmente porque são mais fortes e porque o outro é mulher. Neste caso, inclui-se mais atos de violência contra as meninas do que contra os meninos. No seio da família, ainda, encontra-se a violência dos adultos sobre os idosos e as crianças. Crianças que presenciam violência na família tem probabilidades de desenvolver ansiedade, depressão, transtorno de conduta e atrasos no seu desenvolvimento cognitivo. Poderão, ainda, se converter em vítimas de maus-tratos ou futuros agressores.

A história da violência contra a mulher remonta a tempos antigos, desde quando as religiões pregavam a supremacia do macho sobre as fêmeas. Os homens tinham o direito de corrigir a mulher que teria cometido uma transgressão com uso de castigos físicos.

Na sociedade patriarcal, aos meninos sempre foi incentivado expressarem a raiva, a agressividade, a expressão de ciúmes, o controle e sempre lhes foi dado licença para atos violentos. Para os meninos, ser cruel é sinônimo de força, virilidade, poder e status. É se impor como homem.

Às mulheres cabem resistir, fugir ou render-se às exigências do homem como estratégia de sobrevivência.

Muitas mulheres permanecem no relacionamento abusivo e violento e dão como razão:
- medo de represálias por parte do homem,
- medo da perda do suporte financeiro,
- preocupação com os filhos,
- dependência emocional,
- falta de suporte da família e de amigos,
- esperança de que “ele vai mudar um dia”,
- não aceitar voltar a ficar sozinha.

Muitas passam pelas fases de
- Negação – negam que o que o companheiro faz com elas sejam atos de violência;
-  Culpa – se responsabilizam e se culpabilizam pelo ato de violência que o companheiro lhe infringiu, alegando que foram elas quem o provocaram;
- Submissão – se submetem à violência porque não encontram saídas.

Muitas abandonam o companheiro e depois retornam ao relacionamento várias vezes antes de finalmente deixá-los de forma definitiva. Outras, retiram as queixas por medo, insegurança, ou outras dificuldades que as impedem de sustentar as suas decisões e ações iniciadas no momento da denúncia das agressões.

Quando as mulheres têm autoridade e poder fora da família, os índices de abuso parecem ser mais baixos nos relacionamentos íntimos. Quando ela exerce uma profissão, convive com pessoas fora do círculo familiar, tem o apoio da família e dos amigos, isso inibe o companheiro para atos abusivos.

Por outro lado, quando o que ocorre na família é considerado “assunto privado” e o casal não permite o escrutínio público do convívio familiar, parece que os índices de abuso conjugal são mais elevados. Por isso, em violência doméstica, em briga de marido e mulher se mete a colher.

É importante refletir que “Tapinhas de amor doem sim” e se são tapas, não são de amor.  É importante analisar nossa cultura, a mídia e as expressões que aparecem nas músicas, romances televisivos e outros em que a mulher é submetida a maus-tratos e ninguém questiona. Tem músicas que até incentivam as brigas “Se de dia a gente briga, a noite a gente se ama” e que deveriam ser banidas da nossa cultura, porque não representa arte e sim a legitimação da violência.


Texto elaborado para a discussão em Live no Instagram em 29/04/2020 com Eliana Olimpio e a convidada Camila Messeder.

Camila Messeder é formada em psicologia pela UFMG, com especialização em Direitos Humanos pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, em parceria com a UEMG. Camila também é servidora do estado de Minas e trabalha atualmente no acolhimento de vitimas de violência doméstica, na Delegacia de Mulheres em Belo Horizonte.

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