Estamos vivendo, mundialmente, em
isolamento social e a ONU - Organização das Nações Unidas - alerta para o
crescimento exacerbado de denúncias de violência doméstica em quase todos os
países.
A violência doméstica atinge
principalmente mulheres, idosos e crianças. A violência é muito anterior ao
isolamento. É muito comum, no atendimento no consultório, ouvirmos relatos de
mulheres com relação à agressividade dos companheiros, seja com elas mesmas ou
com os filhos.
Parece que nesse tempo de
pandemia, o sofrimento dessas mulheres e de outros membros dessas famílias tem
aumentado. É fato que a escassez de recursos em famílias de baixa renda
potencializa a agressividade. A falta de lazer, os problemas financeiros, o
ambiente muito apertado e restrito são estopins para a prática da violência.
Também o confinamento dificulta a
vida das mulheres, já que elas precisam conciliar o trabalho doméstico, o
cuidado com a família, a escassez de recursos, o cansaço físico e, ainda, a
convivência muito intensa com companheiros que, na maioria das vezes, não
contribuem com as tarefas domésticas, não contribuem com os cuidados com a
família e quando o fazem, são agressivos. Muitos deles não acham que as tarefas
domésticas podem ser desempenhadas também por eles, deixando a mulher
sobrecarregada e se ela se queixa, ele a enfrenta com agressividade e violência.
É notório que as subnotificações dos casos de
violência são devidas ao medo, a vergonha, impotência, falta de recursos
financeiros ou ainda, falta de acesso aos canais de denúncia.
Em tempos de pandemia, como que
uma mulher acuada em ambiente de confinamento poderá pedir socorro na presença
do companheiro que as ameaçam? As vítimas nesse momento de confinamento estão
vigiadas e trancadas com seus agressores.
Enquanto o vírus se espalha em
países com instituições já fracas, menos informações e dados estarão
disponíveis, o que não significa que a vulnerabilidade de mulheres e seus
filhos estará menos altas.
Sabemos que nessa época, os
profissionais de saúde e os atendentes da polícia estão sobrecarregados; os
abrigos que acolhem essas mulheres estão cheios ou fechados; as ONGs estão
paralisadas ou com pouco dinheiro disponível. Mas é necessário que a sociedade,
de uma forma geral, ajude essas mulheres a romperem com o silêncio. É preciso
salvar as vítimas.
É preciso fazer funcionar os
serviços de atendimento às mulheres, orientando-as sobre os seus direitos.
Elas precisam saber que há
dispositivos funcionando 24 horas, todos os dias, inclusive feriados e que podem
ser acionados de qualquer lugar do Brasil. Os mais populares são o LIGUE 180
(Disque denúncia), o DISQUE 100 (Ministério da Mulher, da Família e dos
Direitos Humanos) e o 190 (Policia Militar), que são canais gratuitos e
confidenciais em que as mulheres podem fazer as denúncias. Também tem o
aplicativo PenhaS e o site www.mapadoacolhimento.org.br.
Segundo dados do Ministério da
Saúde no ano passado, 1 mulher é agredida a cada 4 minutos e a maioria delas sobrevive. Mas
dentre essas, 1 mulher é morta a cada 7 horas. O mapa da violência da
Secretaria de Segurança Pública registra apenas os casos de morte, os casos de
assassinato. A violência cometida nas sobreviventes não entra nessa
estatística.
A relação entre violência contra
a mulher e sua saúde tem se tornado cada vez mais evidente. A violência física,
sexual, psicológica e social das mulheres aumenta a probabilidade delas caírem
em depressão e adquirirem hábitos de consumo de álcool e drogas. De fato,
muitas recorrem ao álcool e drogas como forma de suportar os maus tratos. Os
corpos dessas mulheres ficam marcados por lesões corporais decorrentes de
socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e
estrangulamentos. E os maus tratos psicológicos, muito mais sutis, também marcam o seu psiquismo e sua vida social.
Nestes casos, elas apresentam
situações de medo, insegurança, desconfiança, dor, incerteza, frustração, além
das lesões físicas.
A violência contra a mulher é uma
questão política, cultural, policial, jurídica e de saúde pública.
O chefe da ONU, Antonio Guterrez,
instou todos os governos a fazerem da prevenção e da reparação da violência
contra as mulheres uma parte essencial de seus planos nacionais em resposta à
Covid-19 e destacou várias ações que podem ser tomadas para melhorar a
situação.
Solicita-se adoção de protocolos
interdisciplinares de atendimento às vitimas que chegam através dos
enfermeiros, médicos, assistentes sociais, psicólogos, agentes da polícia e
outros, com foco na prevenção dos agravos e na recuperação da saúde. Protocolos
corretamente preenchidos e que relatem as lesões, suspeitas de lesões e
violências servem para combater a impunidade e salvar vidas.
No Brasil, a OAB constatou o
aumento das estatísticas da violência e propôs aumentar o número de abrigos
para as vítimas; criar maneiras seguras para que estas procurem apoio; evitar
liberar prisioneiros com recorrências de violência contra mulheres; ampliar
campanhas de conscientização pública.
Do lado da psicologia, o que se
sabe é que o termo VIOLÊNCIA deriva do latin vis, que significa força. Refere-se ao constrangimento e ao uso da
superioridade física sobre o outro.
Neste caso, o mais comum é a
violência de gênero, exercida pelos homens contra as mulheres, que impõem a
força física, mantendo o controle e o domínio simplesmente porque são mais
fortes e porque o outro é mulher. Neste caso, inclui-se mais atos de violência
contra as meninas do que contra os meninos. No seio da família, ainda,
encontra-se a violência dos adultos sobre os idosos e as crianças. Crianças que
presenciam violência na família tem probabilidades de desenvolver ansiedade,
depressão, transtorno de conduta e atrasos no seu desenvolvimento cognitivo.
Poderão, ainda, se converter em vítimas de maus-tratos ou futuros agressores.
A história da violência contra a
mulher remonta a tempos antigos, desde quando as religiões pregavam a
supremacia do macho sobre as fêmeas. Os homens tinham o direito de corrigir a
mulher que teria cometido uma transgressão com uso de castigos físicos.
Na sociedade patriarcal, aos
meninos sempre foi incentivado expressarem a raiva, a agressividade, a
expressão de ciúmes, o controle e sempre lhes foi dado licença para atos
violentos. Para os meninos, ser cruel é sinônimo de força, virilidade, poder e
status. É se impor como homem.
Às mulheres cabem resistir, fugir
ou render-se às exigências do homem como estratégia de sobrevivência.
Muitas mulheres permanecem no relacionamento
abusivo e violento e dão como razão:
- medo de represálias por parte do homem,
- medo da perda do suporte financeiro,
- preocupação com os filhos,
- dependência emocional,
- falta de suporte da família e de amigos,
- esperança de que “ele vai mudar um dia”,
- não aceitar voltar a ficar sozinha.
Muitas passam pelas fases de
- Negação – negam que o que o companheiro faz com
elas sejam atos de violência;
- Culpa – se
responsabilizam e se culpabilizam pelo ato de violência que o companheiro lhe infringiu,
alegando que foram elas quem o provocaram;
- Submissão – se submetem à violência porque não
encontram saídas.
Muitas abandonam o companheiro e
depois retornam ao relacionamento várias vezes antes de finalmente deixá-los de
forma definitiva. Outras, retiram as queixas por medo, insegurança, ou outras
dificuldades que as impedem de sustentar as suas decisões e ações iniciadas no
momento da denúncia das agressões.
Quando as mulheres têm autoridade
e poder fora da família, os índices de abuso parecem ser mais baixos nos
relacionamentos íntimos. Quando ela exerce uma profissão, convive com pessoas
fora do círculo familiar, tem o apoio da família e dos amigos, isso inibe o
companheiro para atos abusivos.
Por outro lado, quando o que
ocorre na família é considerado “assunto privado” e o casal não permite o
escrutínio público do convívio familiar, parece que os índices de abuso
conjugal são mais elevados. Por isso, em violência doméstica, em briga de
marido e mulher se mete a colher.
É importante refletir que
“Tapinhas de amor doem sim” e se são tapas, não são de amor. É importante analisar nossa cultura, a mídia
e as expressões que aparecem nas músicas, romances televisivos e outros em que
a mulher é submetida a maus-tratos e ninguém questiona. Tem músicas que até
incentivam as brigas “Se de dia a gente briga, a noite a gente se ama” e que
deveriam ser banidas da nossa cultura, porque não representa arte e sim a
legitimação da violência.
Texto elaborado para a discussão em Live no Instagram em 29/04/2020 com Eliana Olimpio e a convidada Camila Messeder.
Camila Messeder é formada em psicologia pela UFMG, com
especialização em Direitos Humanos pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento
Social, em parceria com a UEMG. Camila também é servidora do estado de Minas e
trabalha atualmente no acolhimento de vitimas de violência doméstica, na
Delegacia de Mulheres em Belo Horizonte.
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