SENTIMENTO DE VERGONHA
Em séculos precedentes, era comum
a pessoa “morrer de vergonha” para preservar a honra. Morria-se literalmente,
porque a vergonha pela desonra era tanta que o sujeito preferia morrer de fato,
e se matava. Qualquer equívoco cotidiano poderia fazer o sujeito sentir-se
desonrado e, portanto, morrer de
vergonha.
Atualmente não se morre mais de
vergonha. O que seria desonroso, privado, íntimo, coberto de pudor deseja-se
que seja escancarado aos olhos dos expectadores e aplaudido por eles. E quanto mais
desavergonhado, melhor! Os índices de
audiência aumentam e o sujeito despudorado ganha fama, torna-se herói. É a
completa inversão de valores.
Mas, em contrapartida,
encontramos pessoas que são tomadas por intensa vergonha:
“Eu não ... porque tenho vergonha!”
O campo das reticências nessa frase pode ser
preenchida com várias palavras: “fui lá”, “me apresentei”, “olhei”, “falei”, “pedi”, “ofereci”, “comi”, etc. Normalmente os
sentimentos que acompanham essa vergonha é desproporcional à vergonha a que a pessoa se refere.
Há uma vergonha que deve ser
preservada: aquela que conduz ao bom comportamento, à educação e a
sociabilidade. Essa, preserva o sujeito da imbecilidade, da deselegância e da
falta de civilidade.
No seu artigo Luto e Melancolia,
Freud (1917), aponta que a vergonha é um
sentimento predominantemente dos neuróticos, geralmente associada à sexualidade
e à culpa. É claro que o neurótico necessita atender as demandas do Outro, exigências
impostas pelo social em que há de ser perfeito, ter uma performance impecável
e, como citou Lacan, “gozar e fazer gozar a qualquer preço”. A impossibilidade
de atender essas exigências faz com que o sujeito sinta-se incompetente,
advindo daí a vergonha. Assim, atualmente a vergonha não mais está associada a
honra, mas à competência. Ainda assim, no nosso século o neurótico adoece, cria
sintomas, mas não “morre de vergonha”. Se morre, é só no discurso, na palavra.
A morte é simbólica e os sintomas são a
inibição, a timidez exacerbada, a falta de sociabilidade e em última
instância, a depressão.
Patologicamente, a vergonha pode
tomar proporções gigantescas, uma vez que o sujeito passa a sentir vergonha por
algo que está fora do seu controle, muitas vezes ligada a uma distorção da sua
auto-imagem ou ligada a uma idéia da crítica que o outro tem de si. O sujeito, neste caso, possui um código moral
bastante rígido, com uma autocrítica severa, bem como uma crítica ao outro
também bastante exarcerbada.
Contraditóriamente, o sujeito patologicamente comprometido com a depressão ou melancolia não envergonha-se de se autocriticar, de expor suas próprias deficiências, quando não as exagera de tal forma que não mais estará dizendo de si mesmo, mas de um imaginário inflado pelo sentimento de culpa e de autoacusações. Para ele, a culpa pode ser perdoada ou reparada, à vergonha não cabe perdão ou reparação.
Contraditóriamente, o sujeito patologicamente comprometido com a depressão ou melancolia não envergonha-se de se autocriticar, de expor suas próprias deficiências, quando não as exagera de tal forma que não mais estará dizendo de si mesmo, mas de um imaginário inflado pelo sentimento de culpa e de autoacusações. Para ele, a culpa pode ser perdoada ou reparada, à vergonha não cabe perdão ou reparação.
Cabe à clínica psicanalítica
escutar sobre a vergonha, apontar para o real da situação e para o imaginário
no discurso. Cabe acolher, mas acima de tudo, autorizar ao vergonhoso se posicionar
em outro lugar, num outro discurso, num outro olhar sobre si mesmo e sobre os
outros.
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