terça-feira, 31 de janeiro de 2012


SENTIMENTO DE VERGONHA

Em séculos precedentes, era comum a pessoa “morrer de vergonha” para preservar a honra. Morria-se literalmente, porque a vergonha pela desonra era tanta que o sujeito preferia morrer de fato, e se matava. Qualquer equívoco cotidiano poderia fazer o sujeito sentir-se desonrado e,  portanto, morrer de vergonha.
Atualmente não se morre mais de vergonha. O que seria desonroso, privado, íntimo, coberto de pudor deseja-se que seja escancarado aos olhos dos expectadores e aplaudido por eles. E quanto mais desavergonhado, melhor!  Os índices de audiência aumentam e o sujeito despudorado ganha fama, torna-se herói. É a completa inversão de valores.

Mas, em contrapartida, encontramos pessoas que são tomadas por intensa vergonha:
“Eu não ... porque tenho vergonha!”
 O campo das reticências nessa frase pode ser preenchida com várias palavras: “fui lá”, “me apresentei”, “olhei”, “falei”,  “pedi”, “ofereci”, “comi”, etc. Normalmente os sentimentos que acompanham essa vergonha é desproporcional  à vergonha a que a pessoa se refere.

Há uma vergonha que deve ser preservada: aquela que conduz ao bom comportamento, à educação e a sociabilidade. Essa, preserva o sujeito da imbecilidade, da deselegância e da falta de civilidade.



No seu artigo Luto e Melancolia, Freud (1917), aponta  que a vergonha é um sentimento predominantemente dos neuróticos, geralmente associada à sexualidade e à culpa. É claro que o neurótico necessita atender as demandas do Outro, exigências impostas pelo social em que há de ser perfeito, ter uma performance impecável e, como citou Lacan, “gozar e fazer gozar a qualquer preço”. A impossibilidade de atender essas exigências faz com que o sujeito sinta-se incompetente, advindo daí a vergonha. Assim, atualmente a vergonha não mais está associada a honra, mas à competência. Ainda assim, no nosso século o neurótico adoece, cria sintomas, mas não “morre de vergonha”. Se morre, é só no discurso, na palavra. A morte é simbólica e os sintomas são a  inibição, a timidez exacerbada, a falta de sociabilidade e em última instância, a depressão.

Patologicamente, a vergonha pode tomar proporções gigantescas, uma vez que o sujeito passa a sentir vergonha por algo que está fora do seu controle, muitas vezes ligada a uma distorção da sua auto-imagem ou ligada a uma idéia da crítica que o outro tem de si.  O sujeito, neste caso, possui um código moral bastante rígido, com uma autocrítica severa, bem como uma crítica ao outro também bastante exarcerbada.

Contraditóriamente, o sujeito patologicamente comprometido com a depressão ou melancolia não envergonha-se de se autocriticar, de expor suas próprias deficiências, quando não as exagera de tal forma que não mais estará dizendo de si mesmo, mas de um imaginário inflado pelo sentimento de culpa e de autoacusações. Para ele, a culpa pode ser perdoada ou reparada, à vergonha não cabe perdão ou reparação.

Cabe à clínica psicanalítica escutar sobre a vergonha, apontar para o real da situação e para o imaginário no discurso. Cabe acolher, mas acima de tudo, autorizar ao vergonhoso se posicionar em outro lugar, num outro discurso, num outro olhar sobre si mesmo e sobre os outros.


Nenhum comentário:

Postar um comentário