quinta-feira, 18 de outubro de 2012


Prevalência medicamentosa para adolescentes encaminhados com necessidades de melhoras comportamentais ou cognitivas no âmbito escolar: uma pesquisa quantitativa

Olimpio, Eliana[1]; Caetano, Adriana[2]; Zille, José Antônio Baeta[3]; Marcos, Cristina Moreira[4]


RESUMO

As rápidas e radicais transformações pelas quais a sociedade vem passando tem gerado frequentes conflitos entre os interesses dos adolescentes e a função e interesses da escola. Espelho da sociedade, a escola retrata, a seu modo, os valores dessa sociedade cada vez mais ancorados nos preceitos da alta performance. Nesse contexto, não raro se terem instituições escolares orientando pais e alunos a buscarem o auxilio de especialistas, no sentido de potencializarem as competências cognitivas e/ou sociais de seus alunos, com vistas ao que consideram o sucesso. Esse estudo pretende examinar a conduta adotada pela equipe interdisciplinar de um ambulatório em Belo Horizonte diante de adolescentes cujas queixas, dos pais ou da escola, referem-se à necessidade de melhoras comportamentais ou cognitivas no âmbito escolar. Frente à constatação do grande número de adolescentes em que a conduta adotada foi medicamentosa, uma pergunta se faz: a intervenção medicamentosa responde satisfatoriamente a essa demanda?

Palavras chave: adolescência, intervenção, performance cognitiva, TDAH, medicalização


Introdução

Tem sido notório o grande número de indivíduos encaminhados ao ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais (FULIBAN), em Belo Horizonte, cujas queixas principais se encontram no âmbito da escola. Partindo deste contexto, esse estudo foi realizado com a finalidade de examinar a conduta adotada pela equipe interdisciplinar do ambulatório da Fuliban no atendimento a adolescentes (faixa etária de 10 a 20 anos), no ano de 2011. Focou-se naqueles adolescentes encaminhados pela família, escola ou outra instituição, com a queixa de dificuldades comportamentais e/ou cognitivas no âmbito escolar.

1 A pesquisa

 

1.1 Algumas Considerações


O estudo foi realizado com base nos registros dos prontuários dos atendimentos de 1ª consulta e seus respectivos retornos, no ano de 2011.  Nos aspectos éticos, utilizou-se dos critérios da regulamentação da Norma 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de modo a resguardar a identificação dos adolescentes mantendo-se a confidencialidade das informações e sem incorrer em qualquer possibilidade de danos à dimensão física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser humano.

Utilizou-se como critérios de inclusão, prontuários de adolescentes na faixa etária de 10 anos completos a 19 anos, 11 meses e 29 dias na data do primeiro atendimento. As exclusões procederam-se para prontuários de adolescentes acima de 20 anos (considerados em adolescência prolongada) e abaixo de 10 anos (considerados em pré-adolescência). Do total de prontuários correspondente a estes critérios, foram selecionados 283 prontuários, com uma perda de 16 prontuários em que haviam dados incompletos ou com preenchimento duvidoso. 

1.2 Metodologia

Foram analisadas o total de 267 prontuários de primeiras consultas, atendidas no ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais (FULIBAN), no ano de 2011 segundo o sexo, a idade, motivo da consulta, a hipótese diagnóstica, a conduta realizada pela equipe de saúde daquele ambulatório. Os mesmos prontuários foram analisados quanto aos desdobramentos em retornos subsequentes à primeira consulta.

1.3 Resultados

Do total de 267 adolescentes estudados, 62,2% eram do sexo masculino e 37,8% do sexo feminino; 51,3% se encontravam na adolescência inicial (10 a 13 anos), 30,7% na adolescência média (14 a 16 anos) e 18,0% na adolescência final (acima de 17 anos).

Quanto aos motivos da consulta é importante delimitar, para fins deste trabalho, o que se considerou como “problemas de comportamento e cognitivo no âmbito escolar”. Para tal, houve a necessidade de se entender a variada nomenclatura utilizada pelos profissionais, no preenchimento dos prontuários dos adolescentes atendidos no ano 2011, no campo correspondente ao “motivo da consulta”, quando estes traziam conteúdos ligados a dificuldades na escola, seja no relacionamento, aprendizagem ou outras.

Nesse sentido podem-se listar as seguintes nomenclaturas: agitação motora, agressividade na escola, atraso no desenvolvimento físico e mental, bagunça na escola, baixo rendimento  escolar,  bateu no professor, briga na escola, bullying, comportamento desafiador, conflitos na escola, déficit cognitivo, desatenção, desestimulado, desinteresse, desmotivação, desobediência, desvio de comportamento, dificuldade de aprendizagem, dificuldade de concentração,  dificuldade de relacionamento,  dificuldade de socialização, dificuldade para  escrever, dificuldade para ler, dificuldade de  rendimento escolar,  discalculia, dislexia,  dispersão, distraído, expulso da escola,  falta de atenção,  falta de concentração,  falta de limites,  faltas à aula, indisciplina,  inquieto, mal comportamento,  não expressa sentimentos, não faz atividades escolares,  não gosta de estudar,  não respeita regras,  não sabe ler e escrever, nervosismo,  notas ruins, perda do interesse nos estudos,  preguiça,  problemas na escola,  rebeldia, baixo desempenho  escolar,  reclamação dos professores,  recusa ir à escola, repetências sucessivas,  retardo mental,  sem compromisso, sem limites, TDAH,  timidez,  transtorno de conduta e, finalmente,  vai mal na escola. Muitas dessas queixas aparecem juntamente com outras ligadas à saúde, no âmbito orgânico, como por exemplo, acne, obesidade, cefaleia, anorexia, problemas ginecológicos e outras.

Este contexto foi traduzido pelos profissionais em seus diagnósticos feitos que apresentam 88,9% de transtornos de ordem psicossociológica (dentre eles, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH) e 11,1% para questões de ordem orgânica (com predominância para cefaleia 85,3%).

Não foi possível, dentro desta pesquisa, precisar os níveis de dificuldade dos adolescentes que apresentavam características condizentes com uma sintomatologia orgânica, comportamental ou psicológica. Também não se estabeleceu cruzamento de dados destas dificuldades com variáveis como oportunidades sociais, presença ou não de conflitos familiares, capacidades intelectuais normais, abaixo ou acima do normal etc.

Frente aos diagnósticos de TDAH, a conduta foi medicamentosa, por vezes associada ao encaminhamento psicoteraterapeutico e orientação à família.

Dos 267 prontuários, 154 puderam ser analisados quanto aos registros de retornos, com anotações que expressavam a fala de familiares e/ou adolescentes. Destes, 137 tiveram indicação medicamentosa dos quais, 85,1% indicam melhoria dos sintomas iniciais, dos quais 55,0%  correspondem aos que tinham o diagnóstico de TDAH.

2 Discussão

Este estado de coisas conduziu a uma atenção maior às condutas adotadas para os casos que se enquadravam no universo de diagnósticos de transtornos de ordem psicosociológicos e os respectivos desdobramentos. Nesse sentido, ao se constatar o grande número de adolescentes em que a conduta adotada foi medicamentosa, uma pergunta surgiu: a intervenção medicamentosa responde satisfatoriamente a essa demanda? Assim, surgiu a necessidade de buscar se entender, um pouco mais, algumas das características dos adolescentes atendidos na Fuliban, bem como encontrar subsídios na literatura que justificasse e explicasse os procedimentos adotados.

2.1 Perfil do ambulatório onde foi realizada a pesquisa

A Fuliban é uma entidade sem fins lucrativos que funciona como ambulatório para a população, estando focado no público adolescente. Este ambulatório funciona há mais de 30 anos e constitui-se, também, como espaço de formação para acadêmicos de cursos de medicina e para a prática de estágio para diversos cursos universitários da região metropolitana de Belo Horizonte. Coordenado pela Dra. Marília de Freitas Maakaroun, com formação em pediatria, psiquiatria e hebiatria, o ambulatório disponibiliza uma média de 400 consultas por mês para adolescentes que buscam atendimentos em quaisquer circunstâncias de saúde e doença. O atendimento é gratuito e universalizado, utilizando de uma abordagem integral e interdisciplinar que envolve práticas curativas e, com especial ênfase, às ações preventivas e educativas para os jovens e para os seus familiares. (MAAKAROUN, 2001)[5]

Segundo RIBEIRO (2004) o ambulatório possui algumas características, se comparados a outros ambulatórios do país, que atendem indivíduos dessa faixa etária, que conduzem a uma ligeira predominância no número de atendimentos aos adolescentes do sexo masculino, frente aos do sexo feminino. Seriam elas: a participação de profissionais do sexo masculino, no atendimento por equipe interdisciplinar; as estratégias de ações implantadas para atrair essa clientela; a participação maior de adolescentes na fase da adolescência inicial (10 a 13 anos) que concordam em serem acompanhados pelos pais e a presença de adolescentes masculinos que já se conheciam previamente ao atendimento.

De fato, na maior parte dos serviços de atenção integral ao adolescente, nas diversas regiões do país, considerando-se a freqüência por sexo, relata-se  um percentual maior de adolescentes femininos. A questão é reconhecida pelo Ministério da Saúde, Área de Saúde do Adolescente e do Jovem – ASAJ, que tem estimulado estratégias priorizando programas e ações buscando uma maior participação do adolescente masculino nos ambulatórios destinados a essa faixa etária.  (RIBEIRO, 2004, p.100)

Estas condições também fazem com que as Secretarias dos Estados, Prefeituras, Conselhos Tutelares e outras instituições que lidam com adolescentes carentes façam para lá os seus encaminhamentos. Neste sentido, são numerosos os casos de adolescentes com transtornos de conduta, déficit de atenção e hiperatividade ou outros sintomas que caracterizam aspectos que levam a um comprometimento no funcionamento acadêmico e social do sujeito adolescente, serem encaminhados para este ambulatório, no intuito a buscarem ajuda dos especialistas. Assim, esperam obterem intervenções psicológicas e/ou medicamentosas que favoreçam o comportamento e a aprendizagem, considerados satisfatórios.

3. 2  Especificidade da adolescência

Nas últimas décadas, no Brasil, bem como em outros países, grupos de especialistas de diversos segmentos têm se reunido para discussões acerca do processo educativo, especialmente no que tange aos adolescentes. Muito se tem falado sobre comportamentos desviantes que se apresentam como falta de limites, desrespeito às autoridades, conflitos e violência, baixo rendimento escolar, falta de atenção e hiperatividade e outros comportamentos que vêm comprometendo o sucesso acadêmico do adolescente. Reflexo deste contexto é uma aparente sensação de fracasso que se apodera de todos envolvidos: família, grupos de amigos, educadores, outros profissionais e, inclusive, do próprio adolescente que, não raro, se vê estigmatizado, isolado e excluído.

Há de se considerar que a adolescência compreende o momento em que há um aumento significativo de problemas na escola, se comparado com outras faixas etárias. Ocorre que na adolescência as transformações pubertárias associadas à consolidação da identidade, às mudanças psicológicas e à reafirmação da sexualidade fazem com que os adolescentes manifestem um comportamento de independência e autonomia. Tais comportamentos, muitas vezes, se traduzem em atitudes sociais reivindicatórias que, frequentemente, são confundidas com comportamentos de rebeldia. Além disso, a adolescência é momento de ampliação dos interesses sociais e de lazer em detrimento dos estudos. Aspectos que poderiam justificar os problemas na escola, principalmente na faixa inicial da adolescência (10 a 13 anos). Segundo Knobel (1992), no início da adolescência, observa-se que os interesses e preocupações desses jovens são canalizados para as novas questões que a puberdade os conduzem, em detrimento das atividades e do rendimento escolar. No entanto, apesar de se considerar tais aspectos, o número de casos com estas características vêm aumentando perceptivelmente (49,0% em 2001 e 78,3% em 2011)[6].

3.3 Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade foi descrito por Heinrique Hoffmann, um pediatra alemão, em 1845 e tem como sintomatologia principal a desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Inicia-se na infância e é diagnosticado, normalmente, quando a criança ingressa na escola, onde o comprometimento se torna mais evidente e, frente às características desse contexto, torna-se mais fácil notar a frequência na desatenção, distrações e esquecimentos, dificultando a realização das tarefas. Associado ao déficit de atenção, a hiperatividade se apresenta como inquietude com os braços e pernas, dificuldade em se manter assentada, interrupções frequentes, descontrole dos impulsos e irritação.

A Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (Organização Mundial de Saúde, 1998), o Manual Estatístico em Saúde Mental (DSM-IV-R), da Associação Americana de Psiquiatria (APA) são convergentes nos critérios estabelecidos para os sintomas e afirmam que indivíduos com TDAH apresentam simultaneamente co-morbidades, como

[...] transtorno desafiador opositivo e transtorno de conduta (40 a 90% dos indivíduos com TDAH), transtornos de humor (15 a 20% ), sobretudo depressão, transtornos de ansiedade (25%), transtorno de aprendizagem (20%) e tiques (17%), podendo chegar até mesmo à doença de Gilles de La Tourette. (OSWALD; KÄPPLER; ROHDE, 2009, p.211)

O TDAH não tem uma etiologia esclarecida, mas estudos sugerem que fatores genéticos e ambientais contribuem para o seu desenvolvimento.

Segundo Biederman e Faraone (2004) o TDAH tem uma maior frequência em meninos do que em meninas, mas alerta que os sintomas do TDAH são, em meninas, menos disruptivos do que em meninos, fazendo com que a probabilidade das meninas serem encaminhadas a serviços de atendimento seja menor.

O TDAH tende a persistir pela vida adulta e compromete as funcionalidades acadêmicas, profissionais e os relacionamentos interpessoais. Assim, pode impedir, desde a infância e a adolescência, que o portador desse transtorno adquira habilidades essenciais para o seu desenvolvimento, favorecendo a exclusão social. Dessa forma, o TDAH aparece com grande frequência na prática clínica determinando marcado prejuízo no funcionamento acadêmico e social de crianças e adolescentes afetados.

O professor está numa posição privilegiada para a detecção precoce de sintomática que conduz ao entendimento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade. No contexto escolar, determinados comportamentos são requeridos a crianças e adolescentes que, muitas vezes, não são atendidos por estes sujeitos. Assim, são frequentes as orientações, por parte de  profissionais ligados às escolas, para que as famílias encaminhem as crianças e os adolescentes para um especialista que possa diagnosticar e tratar os sintomas apresentados.

Entretanto, de modo geral, a maioria dos médicos, em função de sua formação voltada exclusivamente para problemas de ordem física, não está preparado para lidar com esse tipo de queixa nos casos mais complexos. Assim, torna-se necessário muitas vezes, uma abordagem interdisciplinar e a presença de um profissional especializado no assunto. É nesse sentido que o ambulatório da Fuliban tem recebido com frequência esse tipo de encaminhamento.

3.4 Conduta para tratamento do TDAH

A abordagem inter e multidisciplinar adotada pelo ambulatório da Fuliban facilita o diagnóstico e favorece uma convergência de opiniões quanto à conduta indicada para o tratamento do portador do TDAH, que deve envolver o indivíduo, a família e a escola. Busca-se, para o sucesso do tratamento, a combinação do uso de medicação e psicoterapia, incluindo a modalidade de treinamento familiar e orientação aos professores.

Segundo Oswald, Käppler e Rohde (2009) a medicação mais estudada para o tratamento do TDAH são os estimulantes, sendo que o metilfenidato é a mais utilizada.

O cloridrato de metilfenidato é uma substancia química psicoestimulante, derivado de piperidina e relacionada com a anfetamina. Atua no sistema nervoso central inibindo a recaptação de dopamina e norepinefrina e bloqueando a captura das catecolaminas pelos neurônios sinápticos, em particular, do sistema reticular ativador ascendente. Age de forma eficaz estimulando a concentração a curto prazo e provocando a redução da agitação motora excessiva, ao mesmo tempo que eleva o nível de alerta do sistema nervoso central. É indicado, não só para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, como também da narcolepsia, depressões refratárias e hipersonia idiopática do sistema nervoso central. Sua ação é de curto prazo (duração média de 3 horas após a administração), pode ser ingerido duas a três vezes ao dia e é recomendado que seja administrado antes das atividades acadêmicas ou laborais que exijam concentração. A metabolização se dá pelo sistema hepático e é excretado pela urina e fezes. Pode ter outras interações medicamentosas (CORDIOLI, 2000).

Não deve ser administrado em portadores de doenças cardiovasculares, hipertensão,  ansiedade, parksonismo, psicose, depressão grave, síndrome de Tourette, tiques motores, histórico de abuso de drogas, álcool, epilepsia, diabetes e outras. Deve-se ter cuidados especiais quanto ao risco de gravidez e amamentação.

As reações mais comuns são dores gastrointestinais, insônia, enxaqueca, irritação e falta de apetite. O medicamento pode provocar a diminuição temporária do crescimento em crianças. Assim, para o caso do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o paciente deve ter, preferencialmente, mais de seis anos de idade, embora, dependo da intensidade, o tratamento possa ser instituído em crianças menores.

Considerações Finais

É notável a velocidade com que a sociedade tem mudado os seus valores e o seu modo de funcionamento, principalmente, no último século. Inovações tecnológicas acompanham as mudanças econômicas e sociais, proporcionando o surgimento de produtos e ideias cada vez mais aprimorados. As sociedades ocidentais vêm se apresentando, em sua maioria, com um perfil violento e competitivo, o que, de certa forma, contribui para a agitação, a turbulência e inquietação das pessoas, seja no presente, seja diante do futuro.

As novas gerações absorvem as mudanças e se apresentam no mundo com um novo modo de ser, fruto do funcionamento da sociedade no seu todo. Dentro deste contexto, o adolescente vem dando mostras da capacidade de sua adaptação ao turbilhão de informações e sua velocidade vertiginosa, à efemeridade dos conceitos e a valoração que se dá a aparência em detrimento da essência. Dessa forma, os adolescentes transitam simultaneamente por espaços físicos e virtuais numa velocidade acelerada, se relacionam através de redes sociais com lógica e regras próprias, vivenciam a fluidez e a permeabilidade dos valores morais. Imersos neste contexto, adotam uma consciência e uma postura inovadora em relação ao ambiente e ao planeta, ao mesmo tempo em que vivenciam a fragmentação da cultura, as ambivalências e o egocentrismo que impera nos relacionamentos sociais, nas hierarquias, na distribuição de bens e serviços. Esses são apenas alguns dos tantos exemplos que se pode utilizar para demonstrar que torna-se, no mínimo delicado, comparar e tratar os jovens atuais como os jovens do passado.

Por sua vez, ainda que sejam muitos os estímulos para que os sujeitos se transformem, dentro de um contexto social, não se pode “permitir” desajustamentos que atrapalhem o funcionamento da vida do indivíduo, do coletivo e das relações entre ambos.

Assim, muitos são os estudos que tratam das dificuldades da escola e dos educadores diante de alunos considerados “problema”. Problemas estes que se devem ao fato do aluno não atender a princípios de convivência, adotar comportamento inquieto, tomar atitudes impulsivas ou ainda, apresentar dificuldades para aprender e desempenhar as tarefas escolares da forma que lhes são apresentados.

As propostas pedagógicas incentivam o enfrentamento destas situações, mas não raro, depara-se com educadores que se sentem paralisados, recuam ou fogem diante de circunstancias desfavoráveis. Fogem diante de situações que, segundo ela, a escola, não serem propícias ao desenvolvimento “devido” do aluno. Assim, na melhor das hipóteses, as escolas procuram a família e solicitam-lhe encaminhar o filho para atendimento especializado.

A ideia é se valer de artifícios que vá de encontro com o desejo imediato para se atingir o que se considera sucesso. Posto que, espelho da sociedade, a escola retrata, a seu modo, os valores dessa sociedade cada vez mais ancorados nos preceitos da alta performance.

Melman (2011), afirma que as modificações culturais que proporcionaram a pós-modernidade trouxeram consigo, uma nova forma de pensar, de julgar, de ser e de viver em que as necessidades de prazer e de satisfação são imperiosas. Afirma ainda que a partir do momento em que há no sujeito um tipo de desejo, ele se torna legítimo, e é legítimo esse indivíduo encontrar sua satisfação.

 É claro que o sujeito contemporâneo se vê às voltas com o vazio e a depressão, sintomas dos novos tempos. A tecnologia tenta tamponar essa falta, criando os objetos e recursos que visam suprir as perdas na economia psíquica e a ciência é convocada a criar os arsenais que se não puderem eliminar o mal-estar, pelo menos se solicita que o adie, empurrando-o para um futuro distante.

Nesse sentido, procura-se desenvolver, para cada sintoma, um produto farmacêutico. Para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, prevalência de diagnósticos dessa pesquisa, não foi de outra forma. Nestes casos, um especialista é chamado a responder, de forma que se “readapte” o sujeito ao que se tem como aceitável no contexto social amplo e da escola. Nesse sentido, a medicação é um dos recursos tecnológicos usados para este fim.

O especialista é preparado para ouvir a queixa, estabelecer o diagnóstico, adotar a conduta mais apropriada e fazer os encaminhamentos necessários. A decisão pelo uso de medicação é baseada no diagnóstico e na gravidade dos sinais e sintomas. Os sintomas devem ser persistentes e causar alteração funcional em casa, na escola, no trabalho ou no convívio social como um todo.

Pôde-se constatar que, no ambulatório da Fuliban, as medicações utilizadas no tratamento da TDAH pertencem à classe dos estimulantes do sistema nervoso central (metilfenidato, dextroanfetamina e pemoline) e dos antidepressivos tricíclicos (imipramina, nortriptilina e desipramina).  Notou-se também, que a duração do tratamento tem sido variável, com alguns pacientes necessitando de medicação inclusive na vida adulta.

Dentre os procedimentos, descontinuações anuais, por períodos breves, são indicadas para reafirmar, ou não, a necessidade da continuidade da terapia medicamentosa. Observou-se ainda, que alguns pacientes podem “funcionar” adequadamente sem a medicação nos finais de semana, nos feriados e nas férias escolares, porém outros necessitam de tratamento contínuo.

Concomitantemente, há um estímulo às práticas esportivas, à socialização e a atividades que requeiram um gasto energético e motor do adolescente. Como tratamento coadjuvante, o especialista normalmente sugere a promoção de práticas educativas orientando a família e a escola quanto a formas de minimizar os sintomas. A participação familiar e dos professores, apesar de importante, não é algo que está no domínio e controle do ambulatório quanto as suas participações. Sobre este aspecto, cabe aos profissionais da Fuliban registrar o que lhes são apresentados por familiares e adolescentes.

Concluindo, dos resultados obtidos neste estudo, ações e estratégias preventivas, fruto desta pesquisa, são algumas das intervenções possíveis. O diagnóstico, a conduta medicamentosa, incluindo a orientação aos educadores e pais no acompanhamento em relação a esses pacientes, pode evitar uma série de dificuldades apresentadas na adolescência, o que mostra a importância desses profissionais.

A Fuliban é um Centro de Referência no estado de Minas Gerais, para o qual são conduzidos uma grande quantidade de adolescentes que vem sendo encaminhados devido aos frequentes conflitos entre os interesses dos adolescentes e a função e interesses da escola. O que se observou é que dentro desse contexto, a resposta positiva quanto à melhora dos sintomas encontrada nas consultas de retornos, indicam que a conduta medicamentosa adotada pelos profissionais de saúde para a maioria dessas problemáticas foi adequada.

Por sua vez, há de se considerar que a adolescência é fase propicia à ocorrência da Síndrome da Adolescência Normal, que comporta certa dose de rebeldia, o que poderia justificar os problemas na escola. Porém, aqui está se tratando de um ambulatório para o qual são encaminhados casos considerados complexos pelos Conselhos Tutelares, escolas e famílias, legítimos representantes da sociedade. Tal situação sugere ser um reflexo de um contexto social maior, que vai além do limite das escolas. Ou seja, pode-se estar tratando de um sintoma advindo de um contexto que dita uma demanda específica, calcada na alta performance por um lado, mas que, por outro, apresenta-se como um contexto social que não está adequado para lidar com um possível sujeito distinto do que vinha lidando. Um sujeito com um tipo de atitude frente às informações e conhecimentos diferenciado de até então, que sob esta perspectiva, poder-se-á estar tratando de um sintoma que emerge no contexto cultural ocidental contemporâneo. Esta é uma hipótese que, com certeza, aponta a necessidade de estudos específicos sobre a questão.

Referências

American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders. 4th ed. Washington: American Psychiatric Association; 1994.  

CORDIOLI, Aristides Volpato. Psicofármacos: conduta rápida. 2ª.ed. Porto Alegre: Artmed Editora, 2000.

JORGE, Miguel R. (Coord.). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-IV-TR texto revisado. 4. ed. Porto Alegre: ArtMed, 2002.

KNOBEL, M. A síndrome da adolescência normal. In: ABERASTURY, A., KNOBEL, M. Adolescência normal. 10.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. Cap. 2, p. 24-62.
MAAKAROUN. Marília de Freitas. Projeto do Centro de Atenção à Saúde do Adolescente – CASA. Belo Horizonte: Fundação Libanesa de Minas Gerais, 2001. (Material de posse da Fuliban).

MELMAN, Charles. A era do prazer. Isto É. São Paulo, 2004. No. 1824, 22 set. 2004. Entrevista concedida a Celina Côrtes.

OSWALD, Sylvia Hiromi; KÄPPLER, Karl Cristoph de Oliveira; ROHDE, Luis Augusto Paim. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade – TDAH. In Haase, Vitor Geraldi; Ferreira, Fernanda de Oliveira; Penna, Francisco José (org) Aspectos biopsicossociais na infância e na adolescência. Belo Horizonte: Coopmed, 2009. 656p.

RIBEIRO, Paulo César Pinho. Características biológicas, sociais, demográficas e hábitos de vida de adolescentes em Belo Horizonte: ao primeiro atendimento por equipe interdisciplinar. 174 f. Dissertação (Mestrado em Medicina) – Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2004.

ZILLE, José Antônio Baêta et all. Perfil dos adolescentes atendidos no ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais – Fuliban -, em convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, em 2001. In: II Congresso de Adolescência do CONE SUL. 15 a 17 de ago. 2002, Londrina. Anais do II Congresso de Adolescência do CONE SUL  Londrina: ASBRA, 2002.





[1] Psicóloga, Mestranda do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[2] Mestre, Professora da Escola Estadual Melo Viana em Belo Horizonte - MG
[3] Doutor, Professor da Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG
[4] Doutora, Professora do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
[5] Projeto do Centro Docente-Assistencial de Atenção à Saúde do Adolescente – CASA elaborado pela autora a ser apresentado à Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais em parceria com o Ministério da Saúde, tendo como proponente a Fundação Libanesa de Minas Gerais. Não editado.
[6] ZILLE, José Antônio Baêta et all. Perfil dos adolescentes atendidos no ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais – Fuliban -, em convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, em 2001. In: II Congresso de Adolescência do CONE SUL. 15 a 17 de ago. 2002, Londrina. Anais do II Congresso de Adolescência do CONE SUL.  Londrina: ASBRA, 2002.


Trabalho apresentado no
Seminário Internacional Brasil & Portugal: Jovens, Subjetividades e Novos Horizonte
25 a 27 de setembro de 2012, Rio de Janeiro, RJ
Grupo de Trabalho: GT5 - Juventude, Subjetividade e Performance
Coordenação: João Freire Filho (Eco/Ufrj)

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