Prevalência
medicamentosa para adolescentes encaminhados com necessidades de melhoras
comportamentais ou cognitivas no âmbito escolar: uma pesquisa quantitativa
RESUMO
As rápidas e radicais transformações
pelas quais a sociedade vem passando tem gerado frequentes conflitos entre os
interesses dos adolescentes e a função e interesses da escola. Espelho da
sociedade, a escola retrata, a seu modo, os valores dessa sociedade cada vez
mais ancorados nos preceitos da alta performance. Nesse contexto, não raro se
terem instituições escolares orientando pais e alunos a buscarem o auxilio de
especialistas, no sentido de potencializarem as competências cognitivas e/ou
sociais de seus alunos, com vistas ao que consideram o sucesso. Esse estudo
pretende examinar a conduta adotada pela equipe interdisciplinar de um
ambulatório em Belo Horizonte diante de adolescentes cujas queixas, dos pais ou
da escola, referem-se à necessidade de melhoras comportamentais ou cognitivas
no âmbito escolar. Frente à constatação do grande número de adolescentes em que
a conduta adotada foi medicamentosa, uma pergunta se faz: a intervenção
medicamentosa responde satisfatoriamente a essa demanda?
Palavras chave: adolescência,
intervenção, performance cognitiva, TDAH, medicalização
Introdução
Tem sido notório o grande número de
indivíduos encaminhados ao ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais (FULIBAN),
em Belo Horizonte, cujas queixas principais se encontram no âmbito da escola.
Partindo deste contexto, esse estudo foi realizado com a finalidade de examinar
a conduta adotada pela equipe interdisciplinar do ambulatório da Fuliban no
atendimento a adolescentes (faixa etária de 10 a 20 anos), no ano de 2011.
Focou-se naqueles adolescentes encaminhados pela família, escola ou outra
instituição, com a queixa de dificuldades comportamentais e/ou cognitivas no
âmbito escolar.
1 A pesquisa
1.1 Algumas Considerações
O estudo foi
realizado com base nos registros dos prontuários dos atendimentos de 1ª
consulta e seus respectivos retornos, no ano de 2011. Nos aspectos éticos, utilizou-se dos
critérios da regulamentação da Norma 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, de
modo a resguardar
a identificação dos adolescentes mantendo-se a confidencialidade das
informações e sem incorrer em qualquer possibilidade de danos à dimensão
física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser
humano.
Utilizou-se
como critérios de inclusão, prontuários de adolescentes na faixa etária de 10
anos completos a 19 anos, 11 meses e 29 dias na data do primeiro atendimento. As
exclusões procederam-se para prontuários de adolescentes acima de 20 anos (considerados
em adolescência prolongada) e abaixo de 10 anos (considerados em pré-adolescência).
Do total de prontuários correspondente a estes critérios, foram selecionados 283 prontuários, com uma perda de 16 prontuários em
que haviam dados incompletos ou com preenchimento duvidoso.
1.2
Metodologia
Foram analisadas o total de 267
prontuários de primeiras consultas, atendidas no ambulatório da Fundação
Libanesa de Minas Gerais (FULIBAN), no ano de 2011 segundo o sexo, a idade,
motivo da consulta, a hipótese diagnóstica, a conduta realizada pela equipe de
saúde daquele ambulatório. Os mesmos prontuários foram analisados quanto aos desdobramentos
em retornos subsequentes à primeira consulta.
1.3
Resultados
Do
total de 267 adolescentes estudados,
62,2% eram do sexo masculino e 37,8% do sexo feminino; 51,3% se encontravam na
adolescência inicial (10 a 13 anos), 30,7% na adolescência média (14 a 16 anos)
e 18,0% na adolescência final (acima de 17 anos).
Quanto
aos motivos da consulta é importante delimitar, para fins deste trabalho, o que
se considerou como “problemas de comportamento e cognitivo no âmbito escolar”. Para
tal, houve a necessidade de se entender a variada nomenclatura utilizada pelos
profissionais, no preenchimento dos prontuários dos adolescentes atendidos no
ano 2011, no campo correspondente ao “motivo da consulta”, quando estes traziam
conteúdos ligados a dificuldades na escola, seja no relacionamento,
aprendizagem ou outras.
Nesse
sentido podem-se listar as seguintes nomenclaturas: agitação motora,
agressividade na escola, atraso no desenvolvimento físico e mental, bagunça na
escola, baixo rendimento escolar, bateu no professor, briga na escola,
bullying, comportamento desafiador, conflitos na escola, déficit cognitivo,
desatenção, desestimulado, desinteresse, desmotivação, desobediência, desvio de
comportamento, dificuldade de aprendizagem, dificuldade de concentração, dificuldade de relacionamento, dificuldade de socialização, dificuldade
para escrever, dificuldade para ler,
dificuldade de rendimento escolar, discalculia, dislexia, dispersão, distraído, expulso da escola, falta de atenção, falta de concentração, falta de limites, faltas à aula, indisciplina, inquieto, mal comportamento, não expressa sentimentos, não faz atividades
escolares, não gosta de estudar, não respeita regras, não sabe ler e escrever, nervosismo, notas ruins, perda do interesse nos
estudos, preguiça, problemas na escola, rebeldia, baixo desempenho escolar,
reclamação dos professores,
recusa ir à escola, repetências sucessivas, retardo mental, sem compromisso, sem limites, TDAH, timidez,
transtorno de conduta e, finalmente,
vai mal na escola. Muitas dessas queixas aparecem juntamente com outras
ligadas à saúde, no âmbito orgânico, como por exemplo, acne, obesidade, cefaleia,
anorexia, problemas ginecológicos e outras.
Este contexto foi traduzido pelos
profissionais em seus diagnósticos feitos que apresentam 88,9% de transtornos
de ordem psicossociológica (dentre eles, o Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade – TDAH) e 11,1% para questões de ordem orgânica (com
predominância para cefaleia 85,3%).
Não
foi possível, dentro desta pesquisa, precisar os níveis de dificuldade dos
adolescentes que apresentavam características condizentes com uma
sintomatologia orgânica, comportamental ou psicológica. Também não se
estabeleceu cruzamento de dados destas dificuldades com variáveis como
oportunidades sociais, presença ou não de conflitos familiares, capacidades
intelectuais normais, abaixo ou acima do normal etc.
Frente
aos diagnósticos de TDAH, a conduta foi
medicamentosa, por vezes associada ao encaminhamento psicoteraterapeutico e
orientação à família.
Dos 267
prontuários, 154 puderam ser analisados quanto aos registros de retornos, com
anotações que expressavam a fala de familiares e/ou adolescentes. Destes, 137 tiveram
indicação medicamentosa dos quais, 85,1% indicam melhoria dos sintomas
iniciais, dos quais 55,0% correspondem
aos que tinham o diagnóstico de TDAH.
2
Discussão
Este estado de coisas conduziu a uma
atenção maior às condutas adotadas para os casos que se enquadravam no universo
de diagnósticos de transtornos de ordem psicosociológicos e os respectivos
desdobramentos. Nesse sentido, ao se constatar o grande número de adolescentes
em que a conduta adotada foi medicamentosa, uma pergunta surgiu: a intervenção
medicamentosa responde satisfatoriamente a essa demanda? Assim, surgiu a
necessidade de buscar se entender, um pouco mais, algumas das características
dos adolescentes atendidos na Fuliban, bem como encontrar subsídios na
literatura que justificasse e explicasse os procedimentos adotados.
2.1 Perfil do
ambulatório onde foi realizada a pesquisa
A
Fuliban é uma entidade sem fins lucrativos que funciona como ambulatório para a
população, estando focado no público adolescente. Este ambulatório funciona há
mais de 30 anos e constitui-se, também, como espaço de formação para acadêmicos
de cursos de medicina e para a prática de estágio para diversos cursos
universitários da região metropolitana de Belo Horizonte. Coordenado pela Dra.
Marília de Freitas Maakaroun, com formação em pediatria, psiquiatria e
hebiatria, o ambulatório disponibiliza uma média de 400 consultas por mês para
adolescentes que buscam atendimentos em quaisquer circunstâncias de saúde e
doença. O atendimento é gratuito e universalizado, utilizando de uma abordagem
integral e interdisciplinar que envolve práticas curativas e, com especial
ênfase, às ações preventivas e educativas para os jovens e para os seus
familiares. (MAAKAROUN, 2001)[5]
Segundo RIBEIRO (2004) o ambulatório
possui algumas características, se comparados a outros ambulatórios do país,
que atendem indivíduos dessa faixa etária, que conduzem a uma ligeira
predominância no número de atendimentos aos adolescentes do sexo masculino,
frente aos do sexo feminino. Seriam elas: a participação de profissionais do
sexo masculino, no atendimento por equipe interdisciplinar; as estratégias de
ações implantadas para atrair essa clientela; a participação maior de
adolescentes na fase da adolescência inicial (10 a 13 anos) que concordam em
serem acompanhados pelos pais e a presença de adolescentes masculinos que já se
conheciam previamente ao atendimento.
De fato, na maior parte dos
serviços de atenção integral ao adolescente, nas diversas regiões do país,
considerando-se a freqüência por sexo, relata-se um percentual maior de adolescentes
femininos. A questão é reconhecida pelo Ministério da Saúde, Área de Saúde do
Adolescente e do Jovem – ASAJ, que tem estimulado estratégias priorizando programas
e ações buscando uma maior participação do adolescente masculino nos
ambulatórios destinados a essa faixa etária.
(RIBEIRO, 2004, p.100)
Estas condições também fazem com que as
Secretarias dos Estados, Prefeituras, Conselhos Tutelares e outras instituições
que lidam com adolescentes carentes façam para lá os seus encaminhamentos.
Neste sentido, são numerosos os casos de adolescentes com transtornos de
conduta, déficit de atenção e hiperatividade ou outros sintomas que
caracterizam aspectos que levam a um comprometimento no funcionamento acadêmico
e social do sujeito adolescente, serem encaminhados para este ambulatório, no
intuito a buscarem ajuda dos especialistas. Assim, esperam obterem intervenções
psicológicas e/ou medicamentosas que favoreçam o comportamento e a aprendizagem,
considerados satisfatórios.
3. 2 Especificidade da adolescência
Nas
últimas décadas, no Brasil, bem como em outros países, grupos de especialistas
de diversos segmentos têm se reunido para discussões acerca do processo
educativo, especialmente no que tange aos adolescentes. Muito se tem falado
sobre comportamentos desviantes que se apresentam como falta de limites,
desrespeito às autoridades, conflitos e violência, baixo rendimento escolar,
falta de atenção e hiperatividade e outros comportamentos que vêm comprometendo
o sucesso acadêmico do adolescente. Reflexo deste contexto é uma aparente
sensação de fracasso que se apodera de todos envolvidos: família, grupos de
amigos, educadores, outros profissionais e, inclusive, do próprio adolescente
que, não raro, se vê estigmatizado, isolado e excluído.
Há de se considerar que a adolescência
compreende o momento em que há um aumento significativo de problemas na escola,
se comparado com outras faixas etárias. Ocorre que na adolescência as
transformações pubertárias associadas à consolidação da identidade, às mudanças
psicológicas e à reafirmação da sexualidade fazem com que os adolescentes
manifestem um comportamento de independência e autonomia. Tais comportamentos,
muitas vezes, se traduzem em atitudes sociais reivindicatórias que,
frequentemente, são confundidas com comportamentos de rebeldia. Além disso, a adolescência é
momento de ampliação dos interesses sociais e de lazer em detrimento dos
estudos. Aspectos que poderiam
justificar os problemas na escola, principalmente na faixa inicial da
adolescência (10 a 13 anos). Segundo Knobel (1992), no início da
adolescência, observa-se que os interesses e preocupações desses jovens são canalizados
para as novas questões que a puberdade os conduzem, em detrimento das atividades
e do rendimento escolar. No entanto,
apesar de se considerar tais aspectos, o número de casos com estas
características vêm aumentando perceptivelmente (49,0% em 2001 e 78,3% em 2011)[6].
3.3 Transtorno de Déficit de
Atenção e Hiperatividade
O
Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade foi descrito por Heinrique
Hoffmann, um pediatra alemão, em 1845 e tem como sintomatologia principal a
desatenção, a hiperatividade e a impulsividade. Inicia-se na infância e é
diagnosticado, normalmente, quando a criança ingressa na escola, onde o
comprometimento se torna mais evidente e, frente às características desse
contexto, torna-se mais fácil notar a frequência na desatenção, distrações e
esquecimentos, dificultando a realização das tarefas. Associado ao déficit de
atenção, a hiperatividade se apresenta como inquietude com os braços e pernas,
dificuldade em se manter assentada, interrupções frequentes, descontrole dos
impulsos e irritação.
A
Classificação dos Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10 (Organização
Mundial de Saúde, 1998), o Manual Estatístico em Saúde Mental (DSM-IV-R), da
Associação Americana de Psiquiatria (APA) são convergentes nos critérios
estabelecidos para os sintomas e afirmam que indivíduos com TDAH apresentam
simultaneamente co-morbidades, como
[...] transtorno desafiador
opositivo e transtorno de conduta (40 a 90% dos indivíduos com TDAH),
transtornos de humor (15 a 20% ), sobretudo depressão, transtornos de ansiedade
(25%), transtorno de aprendizagem (20%) e tiques (17%), podendo chegar até
mesmo à doença de Gilles de La Tourette. (OSWALD; KÄPPLER; ROHDE, 2009, p.211)
O
TDAH não tem uma etiologia esclarecida, mas estudos sugerem que fatores
genéticos e ambientais contribuem para o seu desenvolvimento.
Segundo
Biederman e Faraone (2004) o TDAH tem uma maior frequência em meninos do que em
meninas, mas alerta que os sintomas do TDAH são, em meninas, menos disruptivos
do que em meninos, fazendo com que a probabilidade das meninas serem
encaminhadas a serviços de atendimento seja menor.
O
TDAH tende a persistir pela vida adulta e compromete as funcionalidades
acadêmicas, profissionais e os relacionamentos interpessoais. Assim, pode
impedir, desde a infância e a adolescência, que o portador desse transtorno
adquira habilidades essenciais para o seu desenvolvimento, favorecendo a exclusão
social. Dessa forma, o TDAH aparece com grande frequência na prática clínica determinando
marcado prejuízo no funcionamento acadêmico e social de crianças e adolescentes
afetados.
O
professor está numa posição privilegiada para a detecção precoce de sintomática
que conduz ao entendimento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade.
No contexto escolar, determinados comportamentos são requeridos a crianças e
adolescentes que, muitas vezes, não são atendidos por estes sujeitos. Assim, são
frequentes as orientações, por parte de
profissionais ligados às escolas, para que as famílias encaminhem as
crianças e os adolescentes para um especialista que possa diagnosticar e tratar
os sintomas apresentados.
Entretanto,
de modo geral, a maioria dos médicos, em função de sua formação voltada
exclusivamente para problemas de ordem física, não está preparado para lidar
com esse tipo de queixa nos casos mais complexos. Assim, torna-se necessário muitas
vezes, uma abordagem interdisciplinar e a presença de um profissional
especializado no assunto. É nesse sentido que o ambulatório da Fuliban tem
recebido com frequência esse tipo de encaminhamento.
3.4 Conduta para tratamento do TDAH
A
abordagem inter e multidisciplinar adotada pelo ambulatório da Fuliban facilita
o diagnóstico e favorece uma convergência de opiniões quanto à conduta indicada
para o tratamento do portador do TDAH, que deve envolver o indivíduo, a família
e a escola. Busca-se, para o sucesso do tratamento, a combinação do uso de
medicação e psicoterapia, incluindo a modalidade de treinamento familiar e
orientação aos professores.
Segundo
Oswald, Käppler e Rohde (2009) a medicação mais estudada para o tratamento do
TDAH são os estimulantes, sendo que o metilfenidato é a mais utilizada.
O
cloridrato de metilfenidato é uma substancia química psicoestimulante, derivado
de piperidina e relacionada com a anfetamina. Atua no sistema nervoso central inibindo
a recaptação de dopamina e norepinefrina e bloqueando a captura das
catecolaminas pelos neurônios sinápticos, em particular, do sistema reticular
ativador ascendente. Age de forma eficaz estimulando a concentração a curto
prazo e provocando a redução da agitação motora excessiva, ao mesmo tempo que
eleva o nível de alerta do sistema nervoso central. É indicado, não só para o
tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, como também da
narcolepsia, depressões refratárias e hipersonia idiopática do sistema nervoso
central. Sua ação é de curto prazo (duração média de 3 horas após a
administração), pode ser ingerido duas a três vezes ao dia e é recomendado que
seja administrado antes das atividades acadêmicas ou laborais que exijam
concentração. A metabolização se dá pelo sistema hepático e é excretado pela
urina e fezes. Pode ter outras interações medicamentosas (CORDIOLI, 2000).
Não
deve ser administrado em portadores de doenças cardiovasculares, hipertensão, ansiedade, parksonismo, psicose, depressão
grave, síndrome de Tourette, tiques motores, histórico de abuso de drogas,
álcool, epilepsia, diabetes e outras. Deve-se ter cuidados especiais quanto ao
risco de gravidez e amamentação.
As
reações mais comuns são dores gastrointestinais, insônia, enxaqueca, irritação
e falta de apetite. O medicamento pode provocar a diminuição temporária do
crescimento em crianças. Assim, para o caso do transtorno de déficit de atenção
e hiperatividade, o paciente deve ter, preferencialmente, mais de seis anos de
idade, embora, dependo da intensidade, o tratamento possa ser instituído em
crianças menores.
Considerações Finais
É
notável a velocidade com que a sociedade tem mudado os seus valores e o seu
modo de funcionamento, principalmente, no último século. Inovações tecnológicas
acompanham as mudanças econômicas e sociais, proporcionando o surgimento de produtos
e ideias cada vez mais aprimorados. As sociedades ocidentais vêm se
apresentando, em sua maioria, com um perfil violento e competitivo, o que, de
certa forma, contribui para a agitação, a turbulência e inquietação das
pessoas, seja no presente, seja diante do futuro.
As novas gerações
absorvem as mudanças e se apresentam no mundo com um novo modo de ser, fruto do
funcionamento da sociedade no seu todo. Dentro deste contexto, o adolescente vem dando
mostras da
capacidade de sua adaptação ao turbilhão de informações e sua velocidade
vertiginosa, à efemeridade dos conceitos e a valoração que se dá a aparência em
detrimento da essência. Dessa forma, os adolescentes transitam simultaneamente
por espaços físicos e virtuais numa velocidade acelerada, se relacionam através
de redes sociais com lógica e regras próprias, vivenciam a fluidez e a
permeabilidade dos valores morais. Imersos neste contexto, adotam uma
consciência e uma postura inovadora em relação ao ambiente e ao planeta, ao
mesmo tempo em que vivenciam a fragmentação da cultura, as ambivalências e o
egocentrismo que impera nos relacionamentos sociais, nas hierarquias, na
distribuição de bens e serviços. Esses são apenas alguns dos tantos exemplos
que se pode utilizar para demonstrar que torna-se, no mínimo delicado, comparar
e
tratar os jovens
atuais como os jovens
do passado.
Por sua vez, ainda que sejam
muitos os estímulos para que os sujeitos se transformem, dentro de um contexto
social, não se pode “permitir” desajustamentos que atrapalhem o funcionamento
da vida do indivíduo, do coletivo e das relações entre ambos.
Assim,
muitos são os estudos que tratam das dificuldades da escola e dos educadores
diante de alunos considerados “problema”. Problemas estes que se devem ao fato
do aluno não atender a princípios de convivência, adotar comportamento
inquieto, tomar atitudes impulsivas ou ainda, apresentar dificuldades para
aprender e desempenhar as tarefas escolares da forma que lhes são apresentados.
As
propostas pedagógicas incentivam o enfrentamento destas situações, mas não raro,
depara-se com educadores que se sentem paralisados, recuam ou fogem diante de
circunstancias desfavoráveis. Fogem diante de situações que, segundo ela, a
escola, não serem propícias ao desenvolvimento “devido” do aluno. Assim, na
melhor das hipóteses, as escolas procuram a família e solicitam-lhe encaminhar
o filho para atendimento especializado.
A
ideia é se valer de artifícios que vá de encontro com o desejo imediato para se
atingir o que se considera sucesso. Posto que, espelho da sociedade, a escola
retrata, a seu modo, os valores dessa sociedade cada vez mais ancorados nos
preceitos da alta performance.
Melman
(2011), afirma que as modificações culturais que proporcionaram a
pós-modernidade trouxeram consigo, uma nova forma de pensar, de julgar, de ser
e de viver em que as necessidades de prazer e de satisfação são imperiosas.
Afirma ainda que a partir do momento em que há no sujeito um tipo de desejo,
ele se torna legítimo, e é legítimo esse indivíduo encontrar sua satisfação.
É claro que o sujeito contemporâneo se vê às
voltas com o vazio e a depressão, sintomas dos novos tempos. A tecnologia tenta
tamponar essa falta, criando os objetos e recursos que visam suprir as perdas
na economia psíquica e a ciência é convocada a criar os arsenais que se não
puderem eliminar o mal-estar, pelo menos se solicita que o adie, empurrando-o
para um futuro distante.
Nesse
sentido, procura-se desenvolver, para cada sintoma, um produto farmacêutico.
Para o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, prevalência de
diagnósticos dessa pesquisa, não foi de outra forma. Nestes casos, um
especialista é chamado a responder, de forma que se “readapte” o sujeito ao que
se tem como aceitável no contexto social amplo e da escola. Nesse sentido, a medicação
é um dos recursos tecnológicos usados para este fim.
O
especialista é preparado para ouvir a queixa, estabelecer o diagnóstico, adotar
a conduta mais apropriada e fazer os encaminhamentos necessários. A decisão
pelo uso de medicação é baseada no diagnóstico e na gravidade dos sinais e
sintomas. Os sintomas devem ser persistentes e causar alteração funcional em
casa, na escola, no trabalho ou no convívio social como um todo.
Pôde-se
constatar que, no ambulatório da Fuliban, as medicações utilizadas no
tratamento da TDAH pertencem à classe dos estimulantes do sistema nervoso
central (metilfenidato, dextroanfetamina e pemoline) e dos antidepressivos
tricíclicos (imipramina, nortriptilina e desipramina). Notou-se também, que a duração do tratamento tem
sido variável, com alguns pacientes necessitando de medicação inclusive na vida
adulta.
Dentre
os procedimentos, descontinuações anuais, por períodos breves, são indicadas
para reafirmar, ou não, a necessidade da continuidade da terapia medicamentosa.
Observou-se ainda, que alguns pacientes podem “funcionar” adequadamente sem a
medicação nos finais de semana, nos feriados e nas férias escolares, porém
outros necessitam de tratamento contínuo.
Concomitantemente, há um estímulo às práticas esportivas, à
socialização e a atividades que requeiram um gasto energético e motor do
adolescente. Como tratamento coadjuvante, o especialista normalmente sugere a
promoção de práticas educativas orientando a família e a escola quanto a formas
de minimizar os sintomas. A participação familiar e dos professores, apesar de importante, não é algo que está no domínio
e controle do ambulatório quanto as suas participações. Sobre este aspecto,
cabe aos profissionais da Fuliban registrar o que lhes são apresentados por
familiares e adolescentes.
Concluindo, dos
resultados obtidos neste estudo, ações e estratégias preventivas, fruto desta
pesquisa, são algumas das intervenções possíveis. O diagnóstico, a conduta
medicamentosa, incluindo a orientação aos educadores e pais no acompanhamento em
relação a esses pacientes, pode evitar uma série de dificuldades apresentadas
na adolescência, o que mostra a importância desses profissionais.
A
Fuliban é um Centro de Referência no estado de Minas Gerais, para o qual são conduzidos
uma grande quantidade de adolescentes que vem sendo encaminhados devido aos
frequentes conflitos entre os interesses dos adolescentes e a função e
interesses da escola. O que se observou é que dentro desse contexto, a resposta
positiva quanto à melhora dos sintomas encontrada nas consultas de retornos,
indicam que a conduta medicamentosa adotada pelos profissionais de saúde para a
maioria dessas problemáticas foi adequada.
Por sua vez, há de se considerar que a adolescência
é fase propicia à ocorrência da Síndrome da Adolescência Normal, que comporta
certa dose de rebeldia, o que poderia justificar os problemas na escola. Porém,
aqui está se tratando de um ambulatório para o qual são encaminhados casos
considerados complexos pelos Conselhos Tutelares, escolas e famílias, legítimos
representantes da sociedade. Tal situação sugere ser um reflexo de um contexto
social maior, que vai além do limite das escolas. Ou seja, pode-se estar
tratando de um sintoma advindo de um contexto que dita uma demanda específica,
calcada na alta performance por um lado, mas que, por outro, apresenta-se como
um contexto social que não está adequado para lidar com um possível sujeito
distinto do que vinha lidando. Um sujeito com um tipo de atitude frente às
informações e conhecimentos diferenciado de até então, que sob esta
perspectiva, poder-se-á estar tratando de um sintoma que emerge no contexto
cultural ocidental contemporâneo. Esta é uma hipótese que, com certeza, aponta
a necessidade de estudos específicos sobre a questão.
Referências
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KNOBEL, M. A
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MAAKAROUN. Marília de Freitas.
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MELMAN, Charles. A era do prazer.
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César Pinho. Características biológicas,
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ZILLE, José Antônio Baêta et all. Perfil dos adolescentes
atendidos no ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais – Fuliban -, em
convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, em 2001. In: II Congresso de Adolescência do CONE SUL.
15 a 17 de ago. 2002, Londrina. Anais do II Congresso de Adolescência do CONE SUL Londrina:
ASBRA, 2002.
[1] Psicóloga, Mestranda
do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
[2] Mestre,
Professora da Escola Estadual Melo Viana em Belo Horizonte - MG
[3] Doutor,
Professor da Universidade Estadual de Minas Gerais – UEMG
[4] Doutora, Professora
do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais
[5] Projeto do Centro
Docente-Assistencial de Atenção à Saúde do Adolescente – CASA elaborado
pela autora a ser apresentado à Secretaria do Estado da Saúde de Minas Gerais em
parceria com o Ministério da Saúde, tendo como proponente a Fundação Libanesa
de Minas Gerais. Não editado.
[6] ZILLE, José Antônio Baêta et all. Perfil dos
adolescentes atendidos no ambulatório da Fundação Libanesa de Minas Gerais –
Fuliban -, em convênio com a Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, em
2001. In: II Congresso de Adolescência do CONE SUL. 15 a 17 de ago. 2002,
Londrina. Anais do II Congresso de Adolescência do CONE SUL. Londrina: ASBRA, 2002.
Trabalho apresentado no
Seminário
Internacional Brasil & Portugal: Jovens,
Subjetividades e Novos Horizonte
25 a 27 de setembro de 2012, Rio
de Janeiro, RJ
Grupo de Trabalho: GT5 - Juventude, Subjetividade e Performance
Coordenação: João Freire Filho
(Eco/Ufrj)
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