ADOLESCENTES COM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E A ESCOLA:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Introdução
O mundo com suas formas de modernidade vem passando por transformações
profundas e velozes que provocam mudanças no comportamento do sujeito e da
sociedade. Algumas alterações são visíveis como a precocidade da puberdade, a
adoção de novas configurações parentais, mudanças nos papéis sociais, a
promoção do afastamento entre as gerações e parentescos, a dificuldade dos
membros da família compartilharem o dia a dia entre-si, a supremacia da
estética sobre a ética, a valorização do relativismo absoluto, a banalização da
sexualidade e da violência, a acentuação da urbanização, e outras. Tudo isso ou
grande parte desses avanços podem ter influências no que concerne a
possibilitar emergir grupos de indivíduos com comportamentos que, se até então
eram desviantes, passam a ser padrão.
As organizações, de um modo geral, adotam um novo “modus operandi”
no que concerne a tolerância de comportamentos desviantes promovendo situações
ou ambientes que possam muitas vezes absorvê-los ou, de outra forma, procuram
adaptar-se a eles. O que se percebe é que há um jogo em que interesses
das organizações entrelaçam-se em interesses dos indivíduos criando uma
estrutura cujos comportamentos perversos, muitas vezes criminosos, passam a
figurar como normalidade. Assim, cada vez mais um número maior de organizações
adotam comportamentos abomináveis, sobrepujando a ética e a moralidade, em nome
das “transações comerciais”.
Atualmente tem sido noticiado pelos
diversos meios de comunicação, violência e desordens múltiplas cometidas por
adolescentes nos diversos ambientes sociais. Nos ambientes acadêmicos ocorrem depredações
das escolas, comportamento hostil entre professores e alunos, elevados índices
de evasão escolar, baixo rendimento acadêmico, desmotivação para os estudos, e
outras, principalmente para alunos do ensino médio.
Tem-se constatado o aumento significativo
do número de indivíduos portadores de algum tipo de desvio de comportamento na
população em geral e comparações estatísticas sugerem que as curvas para
a maioria das delinquências juvenis têm aumentado nas últimas décadas. Essas delinquências são cometidas por jovens e
adultos, de ambos os sexos e dos diversos níveis socioeconômicos e sabe-se que
esses indivíduos em algum momento da sua vida passaram pelas escolas. As
escolas, enquanto instituições têm se esforçado por abrigar seus alunos, com ou
sem comportamentos desviantes.
Paralelo a estes dados estatísticos, constata-se que para a faixa etária
entre 15 e 25 anos, principalmente do sexo masculino, há um aumento acentuado
de mortes por causas violentas. SOARES (2004, p. 131), afirma que no Brasil está em processo uma
guerra “na qual meninos sem perspectiva e esperança, recrutados pelo tráfico de
armas e drogas (e por outras dinâmicas criminais), matam seus irmãos,
condenando-se, também eles, a uma provável morte violenta e precoce, no círculo
vicioso da tragédia”. Os adolescentes têm sido despedaçados.
A adolescência se constrói socialmente, num processo complexo e que
envolve a criação da identidade e sentimento de pertencimento. A família e a
sociedade, com seus valores e simbolizações participam com intensidade nesse
processo da construção da adolescência. Tensões se manifestam nesse processo,
criando desestabilizações emocionais e minando a autoestima. É onde, para o
adolescente, aparecem a rebeldia e os comportamentos desviantes, o que, de
certa forma não deixam de ser aceitáveis, segundo a condição precária em termos
materiais e psíquicos em que muitos desses adolescentes se encontram. Contudo,
a esses comportamentos, estudiosos chamarão de transtornos e os classificarão
segundo critérios padronizados em normas tais como o Manual de Diagnóstico de
Saúde Mental (DSM-IV-R).
Uma pergunta se faz: sendo a escola uma organização que comporta
indivíduos das mais diferentes idades e considerando-se o elevado índice de
violência que estão presentes nesta organização, como a escola tem lidado com
os adolescentes que manifestam tais transtornos?
11. Contextualização da subjetividade no mundo
contemporâneo
A sociedade contemporânea vem passando por mudanças estruturais com
transformações do sistema de valores e das relações sociais em que valores e
paradigmas são substituídos por outros e, dessa forma, práticas e elementos são
gradativamente incorporados à vida cotidiana. Dessa forma, novos conceitos são
produzidos, e, no Brasil, especificamente, o que se verifica é uma tendência à
banalização da violência, bem como a associação que se faz entre adolescência,
pobreza e violência.
As sociedades, mesmo as portadoras de elevados índices de desenvolvimento
humano têm sofrido com as consequências da violência. A violência é um fenômeno
social complexo que perpassa as relações de poder, em que um sujeito ou grupo
de sujeitos impõem a sua vontade sobre o outro, causando-lhe danos. Dessa
forma, ela não está restrita à coerção física ou a grupos isolados, mas pode
ser a expressão, também, de violência simbólica e não possui fronteiras. Não se
restringe, assim, ao grupo de adolescentes ou aos grupos de pobres.
Bourdieu (1998. P. 114), afirma que a sociedade, através das instituições
familiares, religiosas, organizacionais e outras, criam e legitimam verdades em
uma estrutura simbólica que é perpassada aos indivíduos que a absorvem e se
integram num consenso sobre a ordem estabelecida. Também Dufor (2005, p.26),
levanta a hipótese de que a condição subjetiva do sujeito está em transformação
e corresponde a uma fratura na modernidade, onde o sujeito é assujeitado,
submisso, instado a tornar-se mercadoria da ideologia neoliberal que sob a
égide de uma liberdade - pseudo-liberdade - reduz a sua subjetividade ao nada.
Por outro lado, Gatarri, Freud e Hélio Pellegrino contribuem com suas ideias
no que concerne à subjetividade e à agressividade. Hélio Pellegrino (1983),
utilizando-se da psicanálise, faz uma correlação entre o social e o sujeito,
apontando que atualmente os contratos são estabelecidos para não serem
cumpridos, advindo daí a delinquência:
A ruptura com
o pacto social, em virtude de uma sociopatia grave como é o caso brasileiro,
pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico, já que
o Pai é o primeiro e fundamental representante junto à criança da Lei da Cultura. Se escolher, por retroação, uma
ruptura, fica destruído no mundo interno o significante paterno, o Nome-do-Pai
e, em consequência, o lugar da Lei. Um desastre psíquico dessa ordem vai romper
a barreira que impedia, em nome da Lei, a emergência dos impulsos
delinquenciais pré-edípicos. Nesse caso, tudo que ficou recalcado, suprimido,
em nome do pacto com o Pai, vem a tona, sob forma de conduta delinquente e antissocial.
(PELLEGRINO, 1983).
Pellegrino chama a
atenção para os valores sociais, familiares e individuais que, por estarem
imbricados, geram uma relação de causa e efeito e trazem como consequência
uma nova ordem social, que atualmente apresenta-se através dos crescentes
índices de violência que dilacera todo o cenário social das grandes cidades.
A
violência impera também no cotidiano das escolas, que é o lugar onde os grupos
de jovens se encontram. O adolescente tem uma forte tendência grupal,
característica da sua necessidade de pertencimento. Conforme SOARES (2004,
p.138), “não há como focalizar a problemática da identidade e driblar a questão
do pertencimento”. Logo, o adolescente necessita ser aceito, no lugar de ser
rejeitado e, para isso, se insere nos bandos, nas gangues e nas tribos. GUIMARÃES
e CAMPOS (2007), afirmam
Em uma ampla pesquisa realizada por Abramovay,
Waiselfisz, Andrade e Rua (2004) nas cidades da periferia de Brasília,
constatou-se que a gangue é um espaço alternativo para os jovens,
constituindo-se em uma esfera de relações em que eles são levados em conta,
respeitados e protegidos. Para esses jovens, pertencer a uma gangue é mais do
que passar o tempo, é a busca de um lugar, de uma posição, é estar inserido num
jogo de rivalidades, é a procura de uma identidade social no âmbito da cultura.
A gangue apresenta-se, portanto, como uma forma de socialização de jovens que
se sentem socialmente excluídos e que buscam formas alternativas de inclusão. (GUIMARÃES
e CAMPOS, 2007).
Estas gangues utilizam da violência, tanto para demarcar território
quanto para dirimirem conflitos que se apresentam dentro do grupo ou fora dele.
Assim, a violência está diretamente relacionada ao contexto em que se insere.
No resultado da pesquisa realizada por Guimarães e Campos
(2007), consta
Quando solicitados a falar das motivações para o uso
da violência, percebe-se uma tendência a buscar na pobreza e nas necessidades
financeiras a justificativa para assaltos e roubos. Já nos outros casos de
violência as explicações estão ligadas ao descontrole causado pelo álcool ou
pelas drogas, a “fraqueza” moral, a falta de estrutura familiar, no prazer em
usar a violência, ou ainda, na total ausência de motivadores: “não têm motivos,
simplesmente acontece”. (GUIMARÃES e CAMPOS, 2007)
Respostas como essas levam estudiosos a criarem a hipótese de
que esse comportamento está ligado ao que classificam como transtornos.
2 Transtorno de Comportamento antissocial
O Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) compila toda espécie de comportamentos
patológicos. Dentre eles, descreve o Transtorno de Personalidade Antissocial,
também denominado psicopatia, sociopatia ou transtorno dissocial da
personalidade como transtorno caracterizado por desprezo e violação dos
desejos, sentimentos ou direitos dos demais em que os seus portadores frequentemente
enganam e manipulam com intento de obter prazer ou benefícios pessoais. Pessoas
portadoras desse transtorno iniciam os desvios de conduta na infância ou início
da adolescência, mas o que o caracteriza é o fato do comportamento antissocial
persistir pela vida adulta (DSM-IV-TR p.592). Estes indivíduos tendem a ter
comportamentos que envolvem agressão a pessoas ou animais, destruição de
propriedades, fraudes ou furtos, violação grave das normas sociais, desprezo
pelas leis, podendo impetrar repetidamente atos que são motivos de detenção e
ainda assim mostram indiferença pela responsabilização por seus atos.
Estudos[1] sobre o
Transtorno de Personalidade Antissocial demonstram que o maior número de delinquências
é cometido na adolescência, principalmente para indivíduos do sexo masculino,
na idade em torno dos 17 anos, e decresce em 50% quando esta população atinge a
idade de 20 anos diminuindo ainda mais em torno dos 28 anos. Portanto, durante a fase da adolescência há
uma prevalência do comportamento antissocial, mas este comportamento tende a
desaparecer com a maturidade. Apontam, ainda, que crianças que possuem déficits
cognitivos que atingem a memória, leitura, escrita, interpretação,
verbalização, resolução de problemas e outras funções executivas possuem grande
possibilidade de adotar condutas antissociais. Outros fatores neuropsicológicos
também podem estar associados, como a hiperatividade, o déficit de atenção e a
impulsividade.
Autores como Coie, Belding, & Underwood,
1988; Rodeio, Coie, & Brakke, 1982; Vitaro e outros, 1990, que
tratam de indivíduos com comportamentos delinqüentes, ressaltam
que crianças cujo comportamento é agressivo desde a infância naturalmente
repelem oportunidades de adotarem comportamentos pró-sociais ou de adquirirem
novos repertórios de comportamentos socialmente aceitáveis. Desta forma, são
constantemente rejeitados por seus pares e por adultos, e, consequentemente
trazem grandes transtornos para a escola.
A síndrome do comportamento antissocial persistente tem uma base
biológica em deficiências orgânicas sutis do sistema nervoso, mas que não são
determinísticas (Moffitt, 1990) e é ainda, associada a outros transtornos
mentais. Os indivíduos com essa síndrome são impermeáveis a intervenção e
adotam esse comportamento indiscriminadamente em qualquer situação. Servem
ainda de modelo para os jovens adolescentes que os imitam e os idealizam, pois
nossa sociedade acaba reforçando modelos agressivos.
Moffit (1990), realizou vários levantamentos bibliográficos e
estatísticos do tema em questão e, dentre eles, analisando longitudinalmente uma
amostra da população de crianças da Nova Zelândia, nos anos1972-1973, o autor
pode nos apontar dois grupos de adolescentes com comportamentos antissociais,
sendo que um grupo apresentou esse comportamento especialmente durante a
adolescência enquanto outro grupo apresentou o comportamento desde a infância e
permaneceu com o comportamento antissocial também após a idade adulta. Afirma
que o comportamento antissocial possui uma preponderância no gênero masculino e
comparando os dois grupos, o autor ressalta que “um corpo substancial da
pesquisa longitudinal aponta consistentemente a um grupo muito pequeno de
machos que indicam taxas elevadas de comportamento antissocial através do tempo
e em situações diversas”.
O autor, ao longo do estudo ressalta que o ambiente interacional da
criança, compreendido pela família na sua relação pais-filhos, escola e outros
ambientes podem agravar as condições que promoveriam uma conduta antissocial no
adolescente. Assim, a gestação em que a mãe faz uso frequente de álcool ou
drogas comprometeria o desenvolvimento neuronal do feto e isso, se associado a
negligencia dos familiares no cuidado da criança, maus tratos e outros abusos
seriam fatores de contribuição para a formação de uma personalidade com
comportamento antissocial que poderia inclusive, persistir no jovem ao longo da
vida adulta.
Apesar de ser pequena a porcentagem da população que mantém ao longo da
vida o comportamento antissocial, este indivíduo apresenta desde a infância
indícios de comportamentos desviantes como fazer birras, morder, bater, cometer
pequenos furtos, mentir, utilizar de ociosidade e que se agravam durante a vida
adulta e que geram, ao mesmo tempo, uma reação muitas vezes agressiva do
ambiente em que estão inseridos.
Mofitt (1993), enfatiza que não é
a gravidade das sanções e punições legais que inibirão o indivíduo com
comportamento antissocial persistente a desistir do crime. Avalia que estes indivíduos possuem traços
com desordem de personalidade, déficit cognitivo e histórias de vida de privações
que os impedem de buscar resultados pró-sociais e explorarem novos caminhos na
vida.
Moffit (1993) cita autores como Oeste e Farrington (1977) que observaram
que o prognóstico para o indivíduo com comportamento antissocial persistente é
desolador, uma vez que muitas vezes o mesmo se vê envolvido com drogas e
álcool, muda constantemente de emprego, é impulsivo e violento, contrai
dívidas, agrava a pobreza, adota comportamentos de risco como dirigir bêbado,
relacionamentos múltiplos e instáveis, promiscuidade sexual, imprudência, falta
de capacidade para a lealdade e amizade, falta de empatia e falta de remorso ou
vergonha, dificuldade para envolver-se afetivamente e outras características
compatíveis com sintomas de doenças psiquiátricas.
O autor ressalta que pela apuração dos levantamentos longitudinais do
comportamento do sujeito ao longo da sua vida efetuado através de relatórios
judiciais, percebe-se que os psicopatas diminuem suas condutas ofensivas e
criminosas em torno dos 40 anos, mas arrastam atrás de si uma constelação de
traços antissociais da personalidade que poderiam ser confirmados através de
relatórios escolares, relatórios trabalhistas e até mesmo em fichas policiais.
Duvida-se que esse comportamento realmente se extinga em torno dessa idade,
pois o que se hipotetisa é que a justiça acaba por ser mais conivente com
criminosos idosos além de outros fatores que poderiam confundir os números
estatísticos levantados.
O que é mais preocupante é que, conforme o autor, os indivíduos com
comportamentos antissociais persistentes na vida adulta não desistem da delinquência
e não são permeáveis a intervenções.
3 A ESCOLA
Nas últimas décadas, em todo o mundo, grupos de especialistas de diversos
segmentos têm se reunido para discussões acerca da violência que de certa forma
impera nas escolas e que tem sido atribuída aos alunos que se encontram na
faixa etária chamada adolescência.
Nas discussões, muito se tem falado sobre a falta de limites, desrespeito
às autoridades, desrespeito aos professores, responsabilização penal e outros
temas que envolvem a adolescência, a família e a sociedade atribuindo a
violência na escola como um problema social. Parece que a sensação de fracasso
se apodera de todos: família, grupos de amigos, educadores, outros
profissionais e, inclusive o próprio adolescente que de certa forma se vê
estigmatizado, isolado e excluído.
Neste particular, convém assinalar
que ao se atribuir o fenômeno da violência aos adolescentes, o que se oculta,
na verdade é a inatividade e a indolência em se buscar intervenções mais
apropriadas. Há de se considerar que para além da violência infringida pelos
adolescentes, existem dimensões que favorecem tais comportamentos, como a
degradação física da escola, a falta de estruturas adequadas para a prática do
ensino, a infiltração da violência de fora para dentro da escola, o uso do
espaço escolar para o tráfico de drogas, para o domínio de gangues e outras e, ainda,
muitas das “pequenas” violências cometidas dentro da escola não são
penalizadas, tornando-se cotidianas no ambiente escolar. Estão presentes,
também na escola, a violência simbólica que impera através do abuso do poder
nas suas diversas manifestações, inclusive como bullying. Também não se ignora que dentro das paredes escolares a
superficialidade das relações entre professor-aluno, a falta da presença dos
aspectos afetivos coerentes com a faixa etária, a falha na dinâmica das
manifestações da sala de aula e das formas de comunicação são constantes e
comprometem o processo educativo.
Diógenes (2011) assegura que há uma “intrincada correlação entre ocupação
urbana, medo e violência.”. Para a autora, a cidade vai organizando seus
espaços públicos à medida que os corpos se movimentam e criam signos urbanos.
A juventude incorpora os apelos da
contemporaneidade. É necessário ocupar a cidade com o movimento multiplicado de
corpos: galeras, turmas, grupos, gangues. O impacto do coletivo, do grupo,
ultrapassa a inexistência dos corpos individuais e produz um imaginário de
força entre os que pactuam do mesmo imperativo. Fazer ruídos, promover impactos,
propositalmente, em algumas circunstancias, intensificar emoções até que o medo
seja acionado. (DIÓGENES, 2011, p. 218)
A escola passa pela mesma configuração: os espaços da escola se organizam
segundo os corpos que nela habitam. E a escola é habitada por um grupo muito
heterogêneo.
Muitos são os estudos que tratam das dificuldades da escola e dos
educadores diante de alunos considerados “problema”. Problemas estes que se
devem ao fato do aluno pertencer, muitas vezes, à uma “família problemática” ou
a uma “realidade problemática”.
As propostas pedagógicas incentivam o enfrentamento destas situações, mas
não raro o que se depara é com educadores que se sentem paralisados, recuam ou
fogem com certo horror. Os educadores expressam suas inquietações, seu medo e o
insuportável do ato de educar quando em circunstâncias desfavoráveis.
Leão (2011, p.104), afirma que em função das reformas educacionais com
incentivo à escolarização, nos últimos anos houve um aumento considerável de
matrículas no ensino médio e superior. Em consequência
Tal fenômeno da expansão da
escolarização para as novas gerações mudou muito a cara da escola e da sala de
aula. Jovens das camadas populares, negros e trabalhadores, frequentemente
inseridos em ocupações precárias e de tempo parcial, passaram a compor o
cenário das turmas do ensino médio brasileiro, prolongando sua esta nos
sistemas de ensino. Essa presença traz para o interior das escolas novos
elementos que antes não estavam presentes. Os professores e as instituições são
confrontados com um novo perfil de alunos, com outras culturas, experiências e
práticas sociais. Muitas vezes, a instituição escolar não consegue dialogar com
esses alunos.
Há uma dicotomia que separa o “bom
aluno” do “mau aluno”. Checchia (2010, p.70), em pesquisa realizada com
adolescentes afirma:
Segundo os adolescentes, o aluno ideal
seria o que se dedica com afinco aos estudos, realizando as atividades
propostas com intensa concentração, sem conversar com os colegas durante a
aula. Um bom aluno empenha-se em estudar, realizando as tarefas solicitadas,
porém, embora não seja ‘indisciplinado’ (ou não faça “bagunça”, como afirmam),
conversa ocasionalmente, com os colegas na sala de aula.
Nem sempre se encontra na escola uma sala repleta desses “bons alunos”. É
comum, principalmente escolas que recebem alunos de condição socioeconômica
menos favorecida terem, na sua grande maioria, alunos mal alimentados, que não
desfrutam de lazer e amizades em outro lugar que não o espaço da escola, que
possuem a vida social limitada, que necessitam conciliar carga horária de
trabalho com carga horária de estudos, que não possuem os materiais essenciais
para os estudos e muitas outras dificuldades.
Outro ponto importante, alegado pelos adolescentes entrevistados por
Checchia (2010, p.71), diz respeito à diferença que estes atribuem ao
tratamento dispensado por professores de crianças e professores de
adolescentes:
Os jovens alegam que a experiência
escolar na infância é prazerosa e lúdica e que a relação entre professores e
alunos se estabelece de forma mais harmoniosa que na adolescência, já que os
professores tratam as crianças com respeito, carinho e atenção (ao invés de
xingar ou maltratar, como fazem com os adolescentes, tal como afirmam), ao
passo que as crianças também os respeitam.
Ao que parece, há uma maior interação entre professores e alunos da fase
infantil, ao passo que entre professores
e alunos adolescentes existe algum tipo de dificuldade. Dificuldade que, tal
como Aberastury e Knobel (1981) sugerem
que o adolescente precisa elaborar um luto quanto ao corpo infantil, identidade
infantil e quanto aos pais da infância, talvez também se faça necessário a
elaboração do luto dos professores daquela fase.
Outro fator notável é a velocidade com a que sociedade atual tem mudado
os seus valores e o seu modo de funcionamento. Inovações tecnológicas
acompanham as mudanças econômicas e sociais apresentando produtos e ideias cada
vez mais aprimorados. Poucas escolas, porém, inovaram os seus produtos
tecnológicos e dir-se-ia que nenhuma absorveu as novas ideias. Segundo Volker (2000), mesmo no século XXI,
as escolas continuam com aquelas instalações do século XIX em que se aglomeram
40 ou 50 jovens confinando-os em espaço de menos de 1 m2 entre cada
um exigindo-lhes que fiquem assentados e atentos, e onde os professores
continuam usando “saliva e giz” como instrumento de trabalho e avaliam os
alunos da mesma forma que foram avaliados por seus próprios professores. Não
compreendem que seus alunos vivem numa sociedade muito diferente da que eles
mesmos viveram. Os adolescentes hoje transitam simultaneamente por espaços
físicos e virtuais numa velocidade acelerada, se relacionam através de redes
sociais com lógica e regras próprias, vivenciam a fluidez e a permeabilidade
dos valores morais, bem como adotam uma consciência e uma postura inovadora em
relação ao ambiente e ao planeta. Esses são apenas alguns dos tantos exemplos
que se pode utilizar para demonstrar que não se devem comparar os alunos atuais
com os alunos do passado. As escolas precisam se atualizar, pois as aulas como
são apresentadas hoje são monótonas, cansativas e desinteressantes.
Bauman (1998) afirma que as
mudanças vertiginosas da pós-moderndade imprimem no homem um terrível
mal-estar, fruto das incertezas e inseguranças geradas pelo funcionamento da
sociedade atual. No adolescente, essas ameaças não se apresentam de outra
forma. O adolescente também vivencia a fragmentação da cultura, as
ambivalências e o egocentrismo que impera nos relacionamentos sociais, nas
hierarquias, na distribuição de bens e serviços. O mercado de trabalho é
violento e competitivo, o que, de certa forma, contribui para a incerteza do
adolescente com relação à formação escolar como garantia de empregabilidade.
Como consequência desses fatores, o aluno vivencia no ato de aprender o
desestímulo, a falta de empenho, a paralisação e o sentimento de impotência. O
espaço acadêmico se torna lugar para a algazarra, insultos e incidentes mais ou
menos graves, quando não, espaço para a destruição. O ambiente fica tomado de
tensão, tornando-se cenário para expressões violentas e todos os seus membros
se tornam vulneráveis, sejam alunos, pais, professores ou outros técnicos
escolares. Não é possível dedicar-se aos estudos quando, a qualquer momento
pode explodir a violência.
Há de se considerar, também, que se a sociedade comporta em si indivíduos
com comportamentos antissociais, e como qualquer outra pessoa, estes indivíduos
estão inseridos na escola. Apesar do transtorno de comportamento antissocial se
apresentar, principalmente na adolescência, é sabido que ele persiste pela vida
adulta. Assim, muitos pais, alunos, professores e outros profissionais que
pertencem à comunidade acadêmica podem ser portadores deste transtorno.
Compreender que a violência não é um fenômeno da adolescência, mas que
pode estar sendo construída pelo contexto social e, ainda, que a violência
poderia ser manifestada através de indivíduos que contém em si um transtorno
cujo comportamento é predominantemente de características antissociais é
fundamental para se estabelecer estratégias para a escola e para a sociedade de
um modo geral lidarem com esses aspectos.
Neste contexto, urge a necessidade de apropriar-se de contribuições que
respondam com soluções a esses impasses, considerando-se, acima de tudo, que as
soluções nunca serão definitivas, já que as dificuldades que as escolas e a sociedade
vivenciam correspondem muito mais a um processo do que a um estado perpétuo e
imutável.
Conclusão
É importante discriminar os comportamentos antissociais normativos dos
comportamentos patológicos e consequentemente, reconhecer os fatores de risco
que tornam determinados grupos vulneráveis para que, com base nesse diagnóstico,
busque-se as implicações etiológicas, seu desenvolvimento, os prognósticos e as
estratégias de tratamento. Para uma pesquisa consistente devem-se estudar os
indivíduos longitudinalmente e descrever suas trajetórias, obtendo materiais de
fontes múltiplas e através das circunstancias. Devem-se ainda ser sensível às
diferenças individuais, para somente então predizer os resultados.
Um comportamento antissocial na infância ou adolescência não implica
necessariamente em uma continuidade deste comportamento na vida adulta, pois a
maior parte dos adolescentes abandona a sua vida de delinquência quando os
estilos pró-sociais no seu ambiente são mais apreciados, utilizando suas
respostas antissociais apenas em situações em que necessitam desse
“instrumental”.
Segundo o Moffit (1993), menos de 10% dos indivíduos do sexo masculino
apresentam comportamento antissocial que começam antes da puberdade e se
estende, em grau ainda mais acentuado através do tempo e das circunstancia para
além da adolescência. Aponta ainda que “macho que se abstêm de toda delinquência
é raro”.
Dessa forma, é importante observar que o avanço da idade cronológica em
direção a maturidade faz com que indivíduos que apresentaram condutas
antissociais na adolescência possam ter acesso a papéis adultos mais
valorizados socialmente e adquiram uma motivação para exercê-los quando atingem
a maioridade.
A escola pode contribuir com mecanismos de aprendizagem que poderão reforçar
ou extinguir comportamentos indesejados. Então, para populações de crianças e
adolescentes relativamente saudáveis, mudanças de contingências poderão
promover o declínio do comportamento antissocial. Espera-se que a escola desvie
o indivíduo do seu comportamento antissocial estimulando-o a adotar um rol de
comportamentos pró-sociais, habilidades acadêmicas e responsabilidade nos
relacionamentos interpessoais, o que facilitará que ele angarie para si uniões
afetivas, continuidade dos estudos acadêmicos e o ingresso no mundo do
trabalho. Para os indivíduos detectadamente com comportamentos antissociais
persistentes que são impermeáveis a tratamento, a seleção de trabalho e
parceiros que suportem seu estilo antissocial é importante, pois os mesmos não
deixarão de expressar seu jeito de ser em casa, na escola ou no trabalho.
Com objetivo de prevenção ou tratamento, uma conjuntura social deve ser
convocada a participar oferecendo oportunidades para a desistência do
comportamento antissocial e a opção para o recomeço de um estilo de vida
convencional e com sucesso. Na adolescência, ofertas de oportunidades que
favoreçam a transição para o trabalho e a união afetiva são favoráveis.
Assim, necessário se faz, atitudes preventivas no seio familiar e na
comunidade desde a infância, puberdade e adolescência para os comportamentos
antissociais, mas considerando-se que certa dose de delinquência na juventude
não é patológica. Pensar nas causas, consequências e formas de prevenção e
tratamento para indivíduos com comportamento antissocial requer pesquisa,
estudo interdisciplinar e atuação conjunta de vários segmentos da sociedade.
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