sábado, 13 de outubro de 2012


ADOLESCENTES COM TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTISSOCIAL E A ESCOLA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
 Autora: Eliana Olimpio
Trabalho produzido para a disciplina: 
Juventude e contemporaneidade - Profa. Márcia Stengel, PUC-Minas, 2012

 Introdução

O mundo com suas formas de modernidade vem passando por transformações profundas e velozes que provocam mudanças no comportamento do sujeito e da sociedade. Algumas alterações são visíveis como a precocidade da puberdade, a adoção de novas configurações parentais, mudanças nos papéis sociais, a promoção do afastamento entre as gerações e parentescos, a dificuldade dos membros da família compartilharem o dia a dia entre-si, a supremacia da estética sobre a ética, a valorização do relativismo absoluto, a banalização da sexualidade e da violência, a acentuação da urbanização, e outras. Tudo isso ou grande parte desses avanços podem ter influências no que concerne a possibilitar emergir grupos de indivíduos com comportamentos que, se até então eram desviantes, passam a ser padrão.
As organizações, de um modo geral, adotam um novo “modus operandi” no que concerne a tolerância de comportamentos desviantes promovendo situações ou ambientes que possam muitas vezes absorvê-los ou, de outra forma, procuram adaptar-se a eles. O que se percebe é que há um jogo em que interesses das organizações entrelaçam-se em interesses dos indivíduos criando uma estrutura cujos comportamentos perversos, muitas vezes criminosos, passam a figurar como normalidade. Assim, cada vez mais um número maior de organizações adotam comportamentos abomináveis, sobrepujando a ética e a moralidade, em nome das “transações comerciais”. 
Atualmente tem sido noticiado pelos diversos meios de comunicação, violência e desordens múltiplas cometidas por adolescentes nos diversos ambientes sociais.  Nos ambientes acadêmicos ocorrem depredações das escolas, comportamento hostil entre professores e alunos, elevados índices de evasão escolar, baixo rendimento acadêmico, desmotivação para os estudos, e outras, principalmente para alunos do ensino médio.
Tem-se constatado o aumento significativo do número de indivíduos portadores de algum tipo de desvio de comportamento na população em geral e comparações estatísticas sugerem que as curvas para a maioria das delinquências juvenis têm aumentado nas últimas décadas. Essas delinquências são cometidas por jovens e adultos, de ambos os sexos e dos diversos níveis socioeconômicos e sabe-se que esses indivíduos em algum momento da sua vida passaram pelas escolas. As escolas, enquanto instituições têm se esforçado por abrigar seus alunos, com ou sem comportamentos desviantes.

Paralelo a estes dados estatísticos, constata-se que para a faixa etária entre 15 e 25 anos, principalmente do sexo masculino, há um aumento acentuado de mortes por causas violentas. SOARES (2004, p. 131),  afirma que no Brasil está em processo uma guerra “na qual meninos sem perspectiva e esperança, recrutados pelo tráfico de armas e drogas (e por outras dinâmicas criminais), matam seus irmãos, condenando-se, também eles, a uma provável morte violenta e precoce, no círculo vicioso da tragédia”. Os adolescentes têm sido despedaçados.
A adolescência se constrói socialmente, num processo complexo e que envolve a criação da identidade e sentimento de pertencimento. A família e a sociedade, com seus valores e simbolizações participam com intensidade nesse processo da construção da adolescência. Tensões se manifestam nesse processo, criando desestabilizações emocionais e minando a autoestima. É onde, para o adolescente, aparecem a rebeldia e os comportamentos desviantes, o que, de certa forma não deixam de ser aceitáveis, segundo a condição precária em termos materiais e psíquicos em que muitos desses adolescentes se encontram. Contudo, a esses comportamentos, estudiosos chamarão de transtornos e os classificarão segundo critérios padronizados em normas tais como o Manual de Diagnóstico de Saúde Mental (DSM-IV-R).
Uma pergunta se faz: sendo a escola uma organização que comporta indivíduos das mais diferentes idades e considerando-se o elevado índice de violência que estão presentes nesta organização, como a escola tem lidado com os adolescentes que manifestam tais transtornos?

11.     Contextualização da subjetividade no mundo contemporâneo

A sociedade contemporânea vem passando por mudanças estruturais com transformações do sistema de valores e das relações sociais em que valores e paradigmas são substituídos por outros e, dessa forma, práticas e elementos são gradativamente incorporados à vida cotidiana. Dessa forma, novos conceitos são produzidos, e, no Brasil, especificamente, o que se verifica é uma tendência à banalização da violência, bem como a associação que se faz entre adolescência, pobreza e violência.
As sociedades, mesmo as portadoras de elevados índices de desenvolvimento humano têm sofrido com as consequências da violência. A violência é um fenômeno social complexo que perpassa as relações de poder, em que um sujeito ou grupo de sujeitos impõem a sua vontade sobre o outro, causando-lhe danos. Dessa forma, ela não está restrita à coerção física ou a grupos isolados, mas pode ser a expressão, também, de violência simbólica e não possui fronteiras. Não se restringe, assim, ao grupo de adolescentes ou aos grupos de pobres.
Bourdieu (1998. P. 114), afirma que a sociedade, através das instituições familiares, religiosas, organizacionais e outras, criam e legitimam verdades em uma estrutura simbólica que é perpassada aos indivíduos que a absorvem e se integram num consenso sobre a ordem estabelecida. Também Dufor (2005, p.26), levanta a hipótese de que a condição subjetiva do sujeito está em transformação e corresponde a uma fratura na modernidade, onde o sujeito é assujeitado, submisso, instado a tornar-se mercadoria da ideologia neoliberal que sob a égide de uma liberdade - pseudo-liberdade -  reduz a sua subjetividade ao nada.
Por outro lado, Gatarri, Freud e Hélio Pellegrino contribuem com suas ideias no que concerne à subjetividade e à agressividade. Hélio Pellegrino (1983), utilizando-se da psicanálise, faz uma correlação entre o social e o sujeito, apontando que atualmente os contratos são estabelecidos para não serem cumpridos, advindo daí a delinquência:
A ruptura com o pacto social, em virtude de uma sociopatia grave como é o caso brasileiro, pode implicar a ruptura, ao nível do inconsciente, com o pacto edípico, já que o Pai é o primeiro e fundamental representante junto à criança da Lei da Cultura. Se escolher, por retroação, uma ruptura, fica destruído no mundo interno o significante paterno, o Nome-do-Pai e, em consequência, o lugar da Lei. Um desastre psíquico dessa ordem vai romper a barreira que impedia, em nome da Lei, a emergência dos impulsos delinquenciais pré-­edípicos. Nesse caso, tudo que ficou recalcado, suprimido, em nome do pacto com o Pai, vem a tona, sob forma de conduta delinquente e antissocial. (PELLEGRINO, 1983).
Pellegrino chama a atenção para os valores sociais, familiares e individuais que, por estarem imbricados, geram uma relação de causa e efeito e trazem como consequência uma nova ordem social, que atualmente apresenta-se através dos crescentes índices de violência que dilacera todo o cenário social das grandes cidades.
A violência impera também no cotidiano das escolas, que é o lugar onde os grupos de jovens se encontram. O adolescente tem uma forte tendência grupal, característica da sua necessidade de pertencimento. Conforme SOARES (2004, p.138), “não há como focalizar a problemática da identidade e driblar a questão do pertencimento”. Logo, o adolescente necessita ser aceito, no lugar de ser rejeitado e, para isso, se insere nos bandos, nas gangues e nas tribos. GUIMARÃES e CAMPOS (2007), afirmam
Em uma ampla pesquisa realizada por Abramovay, Waiselfisz, Andrade e Rua (2004) nas cidades da periferia de Brasília, constatou-se que a gangue é um espaço alternativo para os jovens, constituindo-se em uma esfera de relações em que eles são levados em conta, respeitados e protegidos. Para esses jovens, pertencer a uma gangue é mais do que passar o tempo, é a busca de um lugar, de uma posição, é estar inserido num jogo de rivalidades, é a procura de uma identidade social no âmbito da cultura. A gangue apresenta-se, portanto, como uma forma de socialização de jovens que se sentem socialmente excluídos e que buscam formas alternativas de inclusão. (GUIMARÃES e CAMPOS, 2007).

Estas gangues utilizam da violência, tanto para demarcar território quanto para dirimirem conflitos que se apresentam dentro do grupo ou fora dele. Assim, a violência está diretamente relacionada ao contexto em que se insere.
No resultado da pesquisa realizada por Guimarães e Campos (2007), consta

Quando solicitados a falar das motivações para o uso da violência, percebe-se uma tendência a buscar na pobreza e nas necessidades financeiras a justificativa para assaltos e roubos. Já nos outros casos de violência as explicações estão ligadas ao descontrole causado pelo álcool ou pelas drogas, a “fraqueza” moral, a falta de estrutura familiar, no prazer em usar a violência, ou ainda, na total ausência de motivadores: “não têm motivos, simplesmente acontece”. (GUIMARÃES e CAMPOS, 2007)
Respostas como essas levam estudiosos a criarem a hipótese de que esse comportamento está ligado ao que classificam como transtornos.

2 Transtorno de Comportamento antissocial

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) compila toda espécie de comportamentos patológicos. Dentre eles, descreve o Transtorno de Personalidade Antissocial, também denominado psicopatia, sociopatia ou transtorno dissocial da personalidade como transtorno caracterizado por desprezo e violação dos desejos, sentimentos ou direitos dos demais em que os seus portadores frequentemente enganam e manipulam com intento de obter prazer ou benefícios pessoais. Pessoas portadoras desse transtorno iniciam os desvios de conduta na infância ou início da adolescência, mas o que o caracteriza é o fato do comportamento antissocial persistir pela vida adulta (DSM-IV-TR p.592). Estes indivíduos tendem a ter comportamentos que envolvem agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedades, fraudes ou furtos, violação grave das normas sociais, desprezo pelas leis, podendo impetrar repetidamente atos que são motivos de detenção e ainda assim mostram indiferença pela responsabilização por seus atos.
Estudos[1] sobre o Transtorno de Personalidade Antissocial demonstram que o maior número de delinquências é cometido na adolescência, principalmente para indivíduos do sexo masculino, na idade em torno dos 17 anos, e decresce em 50% quando esta população atinge a idade de 20 anos diminuindo ainda mais em torno dos 28 anos.  Portanto, durante a fase da adolescência há uma prevalência do comportamento antissocial, mas este comportamento tende a desaparecer com a maturidade. Apontam, ainda, que crianças que possuem déficits cognitivos que atingem a memória, leitura, escrita, interpretação, verbalização, resolução de problemas e outras funções executivas possuem grande possibilidade de adotar condutas antissociais. Outros fatores neuropsicológicos também podem estar associados, como a hiperatividade, o déficit de atenção e a impulsividade.
Autores como Coie, Belding, & Underwood, 1988; Rodeio, Coie, & Brakke, 1982; Vitaro e outros, 1990, que tratam de indivíduos com comportamentos delinqüentes, ressaltam que crianças cujo comportamento é agressivo desde a infância naturalmente repelem oportunidades de adotarem comportamentos pró-sociais ou de adquirirem novos repertórios de comportamentos socialmente aceitáveis. Desta forma, são constantemente rejeitados por seus pares e por adultos, e, consequentemente trazem grandes transtornos para a escola.
A síndrome do comportamento antissocial persistente tem uma base biológica em deficiências orgânicas sutis do sistema nervoso, mas que não são determinísticas (Moffitt, 1990) e é ainda, associada a outros transtornos mentais. Os indivíduos com essa síndrome são impermeáveis a intervenção e adotam esse comportamento indiscriminadamente em qualquer situação. Servem ainda de modelo para os jovens adolescentes que os imitam e os idealizam, pois nossa sociedade acaba reforçando modelos agressivos.
Moffit (1990), realizou vários levantamentos bibliográficos e estatísticos do tema em questão e, dentre eles, analisando longitudinalmente uma amostra da população de crianças da Nova Zelândia, nos anos1972-1973, o autor pode nos apontar dois grupos de adolescentes com comportamentos antissociais, sendo que um grupo apresentou esse comportamento especialmente durante a adolescência enquanto outro grupo apresentou o comportamento desde a infância e permaneceu com o comportamento antissocial também após a idade adulta. Afirma que o comportamento antissocial possui uma preponderância no gênero masculino e comparando os dois grupos, o autor ressalta que “um corpo substancial da pesquisa longitudinal aponta consistentemente a um grupo muito pequeno de machos que indicam taxas elevadas de comportamento antissocial através do tempo e em situações diversas”.
O autor, ao longo do estudo ressalta que o ambiente interacional da criança, compreendido pela família na sua relação pais-filhos, escola e outros ambientes podem agravar as condições que promoveriam uma conduta antissocial no adolescente. Assim, a gestação em que a mãe faz uso frequente de álcool ou drogas comprometeria o desenvolvimento neuronal do feto e isso, se associado a negligencia dos familiares no cuidado da criança, maus tratos e outros abusos seriam fatores de contribuição para a formação de uma personalidade com comportamento antissocial que poderia inclusive, persistir no jovem ao longo da vida adulta.
Apesar de ser pequena a porcentagem da população que mantém ao longo da vida o comportamento antissocial, este indivíduo apresenta desde a infância indícios de comportamentos desviantes como fazer birras, morder, bater, cometer pequenos furtos, mentir, utilizar de ociosidade e que se agravam durante a vida adulta e que geram, ao mesmo tempo, uma reação muitas vezes agressiva do ambiente em que estão inseridos.
Mofitt (1993),  enfatiza que não é a gravidade das sanções e punições legais que inibirão o indivíduo com comportamento antissocial persistente a desistir do crime.  Avalia que estes indivíduos possuem traços com desordem de personalidade, déficit cognitivo e histórias de vida de privações que os impedem de buscar resultados pró-sociais e explorarem novos caminhos na vida.
Moffit (1993) cita autores como Oeste e Farrington (1977) que observaram que o prognóstico para o indivíduo com comportamento antissocial persistente é desolador, uma vez que muitas vezes o mesmo se vê envolvido com drogas e álcool, muda constantemente de emprego, é impulsivo e violento, contrai dívidas, agrava a pobreza, adota comportamentos de risco como dirigir bêbado, relacionamentos múltiplos e instáveis, promiscuidade sexual, imprudência, falta de capacidade para a lealdade e amizade, falta de empatia e falta de remorso ou vergonha, dificuldade para envolver-se afetivamente e outras características compatíveis com sintomas de doenças psiquiátricas.
O autor ressalta que pela apuração dos levantamentos longitudinais do comportamento do sujeito ao longo da sua vida efetuado através de relatórios judiciais, percebe-se que os psicopatas diminuem suas condutas ofensivas e criminosas em torno dos 40 anos, mas arrastam atrás de si uma constelação de traços antissociais da personalidade que poderiam ser confirmados através de relatórios escolares, relatórios trabalhistas e até mesmo em fichas policiais. Duvida-se que esse comportamento realmente se extinga em torno dessa idade, pois o que se hipotetisa é que a justiça acaba por ser mais conivente com criminosos idosos além de outros fatores que poderiam confundir os números estatísticos levantados.
O que é mais preocupante é que, conforme o autor, os indivíduos com comportamentos antissociais persistentes na vida adulta não desistem da delinquência e não são permeáveis a intervenções. 

3       A ESCOLA

Nas últimas décadas, em todo o mundo, grupos de especialistas de diversos segmentos têm se reunido para discussões acerca da violência que de certa forma impera nas escolas e que tem sido atribuída aos alunos que se encontram na faixa etária chamada adolescência.
Nas discussões, muito se tem falado sobre a falta de limites, desrespeito às autoridades, desrespeito aos professores, responsabilização penal e outros temas que envolvem a adolescência, a família e a sociedade atribuindo a violência na escola como um problema social. Parece que a sensação de fracasso se apodera de todos: família, grupos de amigos, educadores, outros profissionais e, inclusive o próprio adolescente que de certa forma se vê estigmatizado, isolado e excluído.
 Neste particular, convém assinalar que ao se atribuir o fenômeno da violência aos adolescentes, o que se oculta, na verdade é a inatividade e a indolência em se buscar intervenções mais apropriadas. Há de se considerar que para além da violência infringida pelos adolescentes, existem dimensões que favorecem tais comportamentos, como a degradação física da escola, a falta de estruturas adequadas para a prática do ensino, a infiltração da violência de fora para dentro da escola, o uso do espaço escolar para o tráfico de drogas, para o domínio de gangues e outras e, ainda, muitas das “pequenas” violências cometidas dentro da escola não são penalizadas, tornando-se cotidianas no ambiente escolar. Estão presentes, também na escola, a violência simbólica que impera através do abuso do poder nas suas diversas manifestações, inclusive como bullying. Também não se ignora que dentro das paredes escolares a superficialidade das relações entre professor-aluno, a falta da presença dos aspectos afetivos coerentes com a faixa etária, a falha na dinâmica das manifestações da sala de aula e das formas de comunicação são constantes e comprometem o processo educativo.
Diógenes (2011) assegura que há uma “intrincada correlação entre ocupação urbana, medo e violência.”. Para a autora, a cidade vai organizando seus espaços públicos à medida que os corpos se movimentam e criam signos urbanos.
A juventude incorpora os apelos da contemporaneidade. É necessário ocupar a cidade com o movimento multiplicado de corpos: galeras, turmas, grupos, gangues. O impacto do coletivo, do grupo, ultrapassa a inexistência dos corpos individuais e produz um imaginário de força entre os que pactuam do mesmo imperativo. Fazer ruídos, promover impactos, propositalmente, em algumas circunstancias, intensificar emoções até que o medo seja acionado. (DIÓGENES, 2011, p. 218)

A escola passa pela mesma configuração: os espaços da escola se organizam segundo os corpos que nela habitam. E a escola é habitada por um grupo muito heterogêneo.
Muitos são os estudos que tratam das dificuldades da escola e dos educadores diante de alunos considerados “problema”. Problemas estes que se devem ao fato do aluno pertencer, muitas vezes, à uma “família problemática” ou a uma “realidade problemática”.
As propostas pedagógicas incentivam o enfrentamento destas situações, mas não raro o que se depara é com educadores que se sentem paralisados, recuam ou fogem com certo horror. Os educadores expressam suas inquietações, seu medo e o insuportável do ato de educar quando em circunstâncias desfavoráveis.
Leão (2011, p.104), afirma que em função das reformas educacionais com incentivo à escolarização, nos últimos anos houve um aumento considerável de matrículas no ensino médio e superior. Em consequência
Tal fenômeno da expansão da escolarização para as novas gerações mudou muito a cara da escola e da sala de aula. Jovens das camadas populares, negros e trabalhadores, frequentemente inseridos em ocupações precárias e de tempo parcial, passaram a compor o cenário das turmas do ensino médio brasileiro, prolongando sua esta nos sistemas de ensino. Essa presença traz para o interior das escolas novos elementos que antes não estavam presentes. Os professores e as instituições são confrontados com um novo perfil de alunos, com outras culturas, experiências e práticas sociais. Muitas vezes, a instituição escolar não consegue dialogar com esses alunos.

 Há uma dicotomia que separa o “bom aluno” do “mau aluno”. Checchia (2010, p.70), em pesquisa realizada com adolescentes afirma:
Segundo os adolescentes, o aluno ideal seria o que se dedica com afinco aos estudos, realizando as atividades propostas com intensa concentração, sem conversar com os colegas durante a aula. Um bom aluno empenha-se em estudar, realizando as tarefas solicitadas, porém, embora não seja ‘indisciplinado’ (ou não faça “bagunça”, como afirmam), conversa ocasionalmente, com os colegas na sala de aula.

Nem sempre se encontra na escola uma sala repleta desses “bons alunos”. É comum, principalmente escolas que recebem alunos de condição socioeconômica menos favorecida terem, na sua grande maioria, alunos mal alimentados, que não desfrutam de lazer e amizades em outro lugar que não o espaço da escola, que possuem a vida social limitada, que necessitam conciliar carga horária de trabalho com carga horária de estudos, que não possuem os materiais essenciais para os estudos e muitas outras dificuldades.
Outro ponto importante, alegado pelos adolescentes entrevistados por Checchia (2010, p.71), diz respeito à diferença que estes atribuem ao tratamento dispensado por professores de crianças e professores de adolescentes:
Os jovens alegam que a experiência escolar na infância é prazerosa e lúdica e que a relação entre professores e alunos se estabelece de forma mais harmoniosa que na adolescência, já que os professores tratam as crianças com respeito, carinho e atenção (ao invés de xingar ou maltratar, como fazem com os adolescentes, tal como afirmam), ao passo que as crianças também os respeitam.

Ao que parece, há uma maior interação entre professores e alunos da fase infantil,  ao passo que entre professores e alunos adolescentes existe algum tipo de dificuldade. Dificuldade que, tal como Aberastury e  Knobel (1981) sugerem que o adolescente precisa elaborar um luto quanto ao corpo infantil, identidade infantil e quanto aos pais da infância, talvez também se faça necessário a elaboração do luto dos professores daquela fase.
Outro fator notável é a velocidade com a que sociedade atual tem mudado os seus valores e o seu modo de funcionamento. Inovações tecnológicas acompanham as mudanças econômicas e sociais apresentando produtos e ideias cada vez mais aprimorados. Poucas escolas, porém, inovaram os seus produtos tecnológicos e dir-se-ia que nenhuma absorveu as novas ideias.  Segundo Volker (2000), mesmo no século XXI, as escolas continuam com aquelas instalações do século XIX em que se aglomeram 40 ou 50 jovens confinando-os em espaço de menos de 1 m2 entre cada um exigindo-lhes que fiquem assentados e atentos, e onde os professores continuam usando “saliva e giz” como instrumento de trabalho e avaliam os alunos da mesma forma que foram avaliados por seus próprios professores. Não compreendem que seus alunos vivem numa sociedade muito diferente da que eles mesmos viveram. Os adolescentes hoje transitam simultaneamente por espaços físicos e virtuais numa velocidade acelerada, se relacionam através de redes sociais com lógica e regras próprias, vivenciam a fluidez e a permeabilidade dos valores morais, bem como adotam uma consciência e uma postura inovadora em relação ao ambiente e ao planeta. Esses são apenas alguns dos tantos exemplos que se pode utilizar para demonstrar que não se devem comparar os alunos atuais com os alunos do passado. As escolas precisam se atualizar, pois as aulas como são apresentadas hoje são monótonas, cansativas e desinteressantes.
 Bauman (1998) afirma que as mudanças vertiginosas da pós-moderndade imprimem no homem um terrível mal-estar, fruto das incertezas e inseguranças geradas pelo funcionamento da sociedade atual. No adolescente, essas ameaças não se apresentam de outra forma. O adolescente também vivencia a fragmentação da cultura, as ambivalências e o egocentrismo que impera nos relacionamentos sociais, nas hierarquias, na distribuição de bens e serviços. O mercado de trabalho é violento e competitivo, o que, de certa forma, contribui para a incerteza do adolescente com relação à formação escolar como garantia de empregabilidade.
Como consequência desses fatores, o aluno vivencia no ato de aprender o desestímulo, a falta de empenho, a paralisação e o sentimento de impotência. O espaço acadêmico se torna lugar para a algazarra, insultos e incidentes mais ou menos graves, quando não, espaço para a destruição. O ambiente fica tomado de tensão, tornando-se cenário para expressões violentas e todos os seus membros se tornam vulneráveis, sejam alunos, pais, professores ou outros técnicos escolares. Não é possível dedicar-se aos estudos quando, a qualquer momento pode explodir a violência.
Há de se considerar, também, que se a sociedade comporta em si indivíduos com comportamentos antissociais, e como qualquer outra pessoa, estes indivíduos estão inseridos na escola. Apesar do transtorno de comportamento antissocial se apresentar, principalmente na adolescência, é sabido que ele persiste pela vida adulta. Assim, muitos pais, alunos, professores e outros profissionais que pertencem à comunidade acadêmica podem ser portadores deste transtorno.
Compreender que a violência não é um fenômeno da adolescência, mas que pode estar sendo construída pelo contexto social e, ainda, que a violência poderia ser manifestada através de indivíduos que contém em si um transtorno cujo comportamento é predominantemente de características antissociais é fundamental para se estabelecer estratégias para a escola e para a sociedade de um modo geral lidarem com esses aspectos.
Neste contexto, urge a necessidade de apropriar-se de contribuições que respondam com soluções a esses impasses, considerando-se, acima de tudo, que as soluções nunca serão definitivas, já que as dificuldades que as escolas e a sociedade vivenciam correspondem muito mais a um processo do que a um estado perpétuo e imutável.


Conclusão

É importante discriminar os comportamentos antissociais normativos dos comportamentos patológicos e consequentemente, reconhecer os fatores de risco que tornam determinados grupos vulneráveis para que, com base nesse diagnóstico, busque-se as implicações etiológicas, seu desenvolvimento, os prognósticos e as estratégias de tratamento. Para uma pesquisa consistente devem-se estudar os indivíduos longitudinalmente e descrever suas trajetórias, obtendo materiais de fontes múltiplas e através das circunstancias. Devem-se ainda ser sensível às diferenças individuais, para somente então predizer os resultados.
Um comportamento antissocial na infância ou adolescência não implica necessariamente em uma continuidade deste comportamento na vida adulta, pois a maior parte dos adolescentes abandona a sua vida de delinquência quando os estilos pró-sociais no seu ambiente são mais apreciados, utilizando suas respostas antissociais apenas em situações em que necessitam desse “instrumental”.
Segundo o Moffit (1993), menos de 10% dos indivíduos do sexo masculino apresentam comportamento antissocial que começam antes da puberdade e se estende, em grau ainda mais acentuado através do tempo e das circunstancia para além da adolescência. Aponta ainda que “macho que se abstêm de toda delinquência é raro”.
Dessa forma, é importante observar que o avanço da idade cronológica em direção a maturidade faz com que indivíduos que apresentaram condutas antissociais na adolescência possam ter acesso a papéis adultos mais valorizados socialmente e adquiram uma motivação para exercê-los quando atingem a maioridade.
A escola pode contribuir com mecanismos de aprendizagem que poderão reforçar ou extinguir comportamentos indesejados. Então, para populações de crianças e adolescentes relativamente saudáveis, mudanças de contingências poderão promover o declínio do comportamento antissocial. Espera-se que a escola desvie o indivíduo do seu comportamento antissocial estimulando-o a adotar um rol de comportamentos pró-sociais, habilidades acadêmicas e responsabilidade nos relacionamentos interpessoais, o que facilitará que ele angarie para si uniões afetivas, continuidade dos estudos acadêmicos e o ingresso no mundo do trabalho. Para os indivíduos detectadamente com comportamentos antissociais persistentes que são impermeáveis a tratamento, a seleção de trabalho e parceiros que suportem seu estilo antissocial é importante, pois os mesmos não deixarão de expressar seu jeito de ser em casa, na escola ou no trabalho.
Com objetivo de prevenção ou tratamento, uma conjuntura social deve ser convocada a participar oferecendo oportunidades para a desistência do comportamento antissocial e a opção para o recomeço de um estilo de vida convencional e com sucesso. Na adolescência, ofertas de oportunidades que favoreçam a transição para o trabalho e a união afetiva são favoráveis.
Assim, necessário se faz, atitudes preventivas no seio familiar e na comunidade desde a infância, puberdade e adolescência para os comportamentos antissociais, mas considerando-se que certa dose de delinquência na juventude não é patológica. Pensar nas causas, consequências e formas de prevenção e tratamento para indivíduos com comportamento antissocial requer pesquisa, estudo interdisciplinar e atuação conjunta de vários segmentos da sociedade.
  
Referências

ABERASTURY, Arminda. Adolescência e psicopatia: luto pelo corpo, pela identidade e pelos pais infantis. In: ABERASTURY, A.; KNOBEL, M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico. Porto Alegre: Artes Médicas, 1981.

ARANTES, V. Cognição, afetividade e moralidade. São Paulo,  Educação e Pesquisa, 26(2): 137-153, 2001; ARANTES, V. & SASTRE, G. Cognición, sentimientos y educación. Barcelona, Educar, v. 27, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico; tradução Fernando Tomaz (português de Portugal) – 2.ed. Rio de Janeiro, ed. Bertrand Brasil 1998.

DIÓGENES, Glória. Enigmas do medo – juventude, afetos e violência. In: (org). DAYREL, Juarez, MOREIRA, Maria Ignez Costa, STENGEL, Márcia. Juventudes Contemporâneas: um mosaico de possibilidades - Simpósio Internacional sobre Juventude Brasileira. Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2011.

DSM-IV-TR, Manual de Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais no. IV Revisado, 2008

DUFOUR, Dany-Robert, A Arte de Reduzir as Cabeças, Ed. Companhia de Freud, RJ, 2005

ENRIQUEZ, E. Da horda ao estado – psicanálise do vínculo social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990, p.302.

FREUD, S. (1916) Criminosos em consequência do sentimento de culpa. In: Obras psicológicas completas: Edição Standard Brasileira. Vol. XVI.

GUIMARÃES, Silvia Pereira; CAMPOS, Pedro Humberto Faria. Norma social violenta: um estudo da representação social da violência em adolescentes. In: Psicologia: Reflexão e Crítica. Vol.20, no. 2, Porto Alegre, 2007.

HAASE, Vitor Geraldi, Ferriera, Fernanda de Oliveira e Penna, Francisco José. Aspectos Biopsicossociais na Infância e na Adolescência. Belo Horizonte: Coopmed, 2009.

MOFFIT, Terrie E. Adolescence-limited and life-course-persistent antisocial behavior: a developmental taxonomy. Psycological Review, vol 100(4), oct 1993, 674-701

MOFFIT, T.E.; Caspi, A. Childhood Predictors Differentiate Life-Course Persistent and Adolescence-limited Antiosocial Pathways Among Males and Females. 2001

NAISBIT, John.  Síntese de Megatrends., New York, Warner Books Inc., 1982

PELLEGRINO, Hélio. Pacto Edípico e Pacto Social. São Paulo, Folhetim n.347, 11/09/1983, p.9

SOARES, Luiz Eduardo. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In: NOVAES, Regina e VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004
VOLKER, Paulo. A dinâmica da educação. Belo Horizonte: editora Universidade, 2000. 96p.



[1] Psychological Review, Vol 100(4), Oct 1993, 674-701, ADOLESCENCE-LIMITED AND LIFE-COURSE-PERSISTENT ANTISOCIAL BEHAVIOR: A DEVELOPMENTAL TAXONOMY, By Moffitt, Terrie E.



Nenhum comentário:

Postar um comentário