terça-feira, 4 de setembro de 2012


Assédio Moral e sexual no trabalho


O assédio no trabalho vem sendo abordado por diversas áreas do saber: sociológica, psicológica, jurídica, administrativa e outras, por trazer sérios prejuízos ao bem-estar de trabalhadores.

 Neste artigo, especificamente, estaremos abordando o assédio, tanto moral quanto sexual, sob a perspectiva psicológica, utilizando os pressupostos psicanalíticos para a fundamentação teórica.

No seu texto Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud (1921) discorre sobre as relações sociais e destaca que os membros de um grupo, quando unidos, independente de como ou porque se agregaram se sentem possuidores de uma espécie de “alma coletiva” que os fazem sentir, pensar e agir de uma maneira inteiramente diferente de como sentiria, pensaria e agiria cada um deles isoladamente. Diz ainda que ao entrar para um grupo o sujeito abandona a sua subjetividade e se identifica com o seu líder e com os seus ideais, copiando-o e imitando-o. Essa identificação aparece em forma de fascinação amorosa e é isso que unifica o grupo. Estes membros, coletivamente cedem a instintos que, como indivíduos isolados, forçosamente refreariam.

Mas se a multidão necessita de um chefe é preciso que ele possua determinadas aptidões pessoais. [O chefe] Deverá achar-se empolgado por uma fé intensa numa idéia para poder criar a mesma fé na multidão. Ao mesmo tempo deverá possuir uma vontade potente e imperiosa, suscetível de animar a multidão, carente, por si mesma de vontade. (LE BOM apud FREUD, 1959, p.17)

Postula que um líder é considerado por seus liderados como uma pessoa onipotente, invencível, capaz de amar igualmente a todos os membros do grupo neutralizando as suas diferenças, homogeneizando-os e, principalmente, defendendo-os dos perigos. O líder, tal qual o hipnotizador exerce uma fascinação, uma influência sobre um sujeito impotente e sem defesa, sendo capaz, inclusive de paralisar e inibir a racionalidade do indivíduo ou dos seus liderados“A personalidade consciente desaparece; a vontade e o discernimento ficam abolidos. Sentimentos e pensamentos são então orientados no sentido determinado pelo hipnotizador” (FREUD, 1921).

Nas organizações as regras, os papéis e hierarquias são claramente estabelecidos. Muitos dos membros das organizações compartilham dessas regras e submete-se a elas, mesmo que, meio que hipnotizados, tenham que renunciar a uma cota de prazer para permanecer no sistema civilizatório (Freud, 1930).

Mas alguns indivíduos, dominados por forças inconscientes seguem quebrando as interdições, os limites e as regras, e neste sentido, burlando as relações sociais.  Esses indivíduos utilizam de comportamentos de coação e violência, explícita ou disfarçada para atingir aqueles que visa intimidar. Neste texto,  este indivíduo que assedia será tratado como agressor e o indivíduo assediado será tratado como vítima.

O assédio sexual, segundo a psicanálise, tanto para o agressor quanto para a vítima relaciona-se a sua estrutura psíquica e classifica-se em neurose e perversão. Tanto a vítima quanto o agressor neurótico podem ser tratados, minimizando seus sintomas patológicos. Porém, a vitima e o agressor perverso não se submetem a tratamento, e quando o faz, o tratamento é ineficaz.

O funcionamento psicológico do agressor neurótico pode utilizar de mecanismos recalcados com vista à auto-curar-se da sua patologia. É comum, nestes casos, o agressor ter sido vitima na infância de abuso sexual ou, na adolescência ou idade adulta ter sido exposto a situações de descaso das mulheres ou, ainda, uma tentativa de mudar a sua auto imagem, tornando-se outra pessoa.

Já o funcionamento psicológico do agressor perverso não trata-se de mecanismos recalcados, mas de uma elevada auto estima, um narcisismo exacerbado e o descaso e falta de empatia pelo outro. A intenção inconsciente não é tratar-se, mas o objetivo é deleitar-se com prazer e gozo.

As vitimas neuróticas, por outro lado, possuem um sentimento de menos valia, resultante de baixa auto estima acompanhadas de um caráter de onipotência e altruísta  em que acredita que pode ser forte suficiente para superar quaisquer obstáculos. A médio e longo prazo tendem ao desenvolvimento de sentimento de culpa e impotência, à depressão e muitas vezes ao suicídio.

As vítimas perversas, por sua vez, estabelecem uma relação sadomasoquista com o agressor, também se deleitando com prazer e gozo, construindo um jogo perverso em que também submete e agride o seu agressor, chamado na psiquiatria como folie a due (loucura a dois), quando seu agressor é também perverso. Se o agressor é neurótico, é comum um jogo por parte da vítima utilizando-se de extorsão e oportunismo. Raramente estes casos chegam aos tribunais.

O assédio no trabalho pode ser moral ou sexual. O assédio sexual normalmente vem acompanhado do assédio moral e caracteriza-se de abordagens abusivas, consecutivas e sistemáticas exercidas de um sujeito sobre o outro que usa de comportamentos, atitudes, gestos ou palavras com a intenção de atingir a dignidade, a integridade física ou psíquica da pessoa dentro do ambiente de trabalho. As vítimas de assédio sofrem de vergonha e humilhação que atingem a sua auto estima e auto confiança prejudicando-a na vida social e profissional.

O assédio é fonte de estresse e frustração gerando possíveis prejuízos ou debilidades de cunho físico e/ou psíquico, como já salientado, o que o relaciona diretamente a uma baixa qualidade do ambiente de trabalho e, consequentemente, a uma baixa produtividade. Com isso, há que se considerar que os custos nos âmbitos da saúde e do jurídico decorrentes do assédio causam prejuízos significativos para os indivíduos e a organização.

No assédio moral, observa-se uma relação de dominante – dominado, de forma velada, através de uma repetição que sempre é intencional por parte do agressor. Manifesta-se por uma recusa de uma diferença: através da discriminação. Quando alguém é assediado, a crítica não vem apenas ao seu trabalho, mas à sua pessoa, com interesse do agressor em prejudicá-lo. Para isso, atacam-se os pontos fracos da vítima, procurando acuá-la, desestabilizá-la e isolá-la o mais que puder, para que a mesma não tenha aliados e nem testemunhas. Não se dá chance à vítima de entender os motivos, fazendo que esta se pergunte o tempo todo, quais são as suas falhas e o porque de estar sendo assediada.
De acordo com a autora, o assédio moral existe em toda parte e pode acontecer:
  • Assédio vertical descendente (que vem da hierarquia).
  • Assédio horizontal (que vem de colegas).
  • Assédio misto (de um colega com permissão da chefia).
  • Assédio ascendente (que vem de um subordinado).

Muito importante também são os métodos usados pelo agressor para atingir a vítima, que podem ser:
1       - Deterioração proposital das condições de trabalho:
O objetivo é fazer com que a pessoa visada pareça incompetente. Para isso, utiliza-se de diversas atitudes, tais como:
  • Retirada da autonomia;
  • Não transmissão de informações necessárias para a realização da tarefa;
  • Contestação de qualquer decisão;
  • Crítica exagerada e injusta em relação ao desenvolvimento do trabalho;
  • Privação de instrumentos de trabalho essenciais para a execução da tarefa;
  • Retirada do trabalho ou atribuição de muitas tarefas, gerando uma sobrecarga impossível de suportar;
  • Pressão excessiva;
  • Impedimento de qualquer tentativa de promoção ou de gozar de seus direitos, tal como tirar férias;
  • Atribuições de tarefas incompatíveis com o estado de saúde da vítima, o que leva a piorar o quadro;
  • Indução ao erro.
2- Isolamento e recusa de comunicação

O objetivo é fazer com que a pessoa visada fique cada vez mais sozinha, sem uma rede de proteção. Para isso, utiliza-se de diversas atitudes, tais como:
  • Interrupção constante da vítima;
  • Comunicação restrita;
  • Separação dos demais funcionários;
  • Proibição de qualquer manifestação.
  • Violência verbal, física ou sexual
O objetivo é atingir a vítima a todo custo, usando todos os meios, tais como:
  • Ameaças de violência física
  • Agressões físicas leves, como um pequeno empurrão que sempre se diz que foi sem querer;
  • Comunicação sempre através de gritos;
  • Invasão da privacidade da vítima;
  • Assédio sexual sutil, através de gestos ou propostas;
  • Desconsideração total de qualquer problema de saúde da vítima, comprometendo-a ainda mais.
 A vítima sofre ofensas aleatórias, que variam de acordo com os dias. As críticas são constantes e a pessoa passa a se questionar a respeito de sua própria competência. Tenta desesperadamente melhorar a sua performance, tenta ajuda de colegas, mas tudo acaba sendo em vão, pois seus esforços acabam em malogro. A vítima passa então a duvidar de sua pessoa, sentindo-se envergonhada e humilhada.
O assédio pode ser praticado em qualquer lugar onde haja favorecimento pelas condições e circunstâncias da própria organização de trabalho.
Alguns locais onde se destaca:
  • Serviço Público:
O assédio é mais demorado, pode durar anos, pois as pessoas não podem ser demitidas com facilidade. Por isso os métodos são mais cruéis e os resultados sobre a saúde mais destruidores. O assédio no serviço público está mais ligado a questão do poder. Muitas vezes, ocorre o fato do funcionário ser “colocado na geladeira “, ou seja, é pago, mas não tem mais nenhum valor, como se não servisse para mais nada. Isto causa uma baixa em sua auto-estima, gerando muito constrangimento, vergonha e humilhação.

2- Exército:
Nesse ambiente, atos de violência são freqüentes, mas raramente denunciados. As pessoas que tentam denunciar procedimentos injustos, de um superior são caladas, pois há uma recusa de comunicação. Muitas vezes, as pessoas acabam descontando nos subalternos todas as repreendas que sofreram, repetindo e propagando a continuidade do assédio.

3- Medicina Social:
As condições de trabalho são difíceis, nesse setor, no aspecto físico e psíquico. Os hospitais costumam ser estruturas muito hierarquizadas, onde os médicos tem um status a parte. O contato rotineiro com a morte afeta as pessoas, que reagem de diferentes maneiras e em alguns casos, elegendo alguém para ser assediado.

4- O ensino:
Como a tarefa de um professor não é facilmente estabelecida, este torna-se um alvo, seja pela sua maneira própria de se dirigir aos alunos, seja por sua técnica pedagógica, ou sua forma de ser.

5- O esporte:
O assédio moral neste setor começa geralmente quando o atleta não faz o jogo do silêncio e ameaça denunciar algo com o qual não concorda. A partir daí começa a sofrer pressão. Ameaças, podendo chegar a ser excluído de algumas competições.

6- O mundo político:
As práticas de assédio neste meio infelizmente são corriqueiras, já se tornando uma prática normal. Considera-se que para vencer é preciso combater o outro a qualquer preço, independente de qualquer escrúpulo, qualquer moral ou ética.

7- As empresas:
Ocorre geralmente de forma velada e com mais freqüência nos ambientes onde não impera valores e ética. Às vezes tem o objetivo de fazer o funcionário pedir demissão.

Conseqüências sobre a saúde
As sintomatologias apresentadas pelas vítimas são caricatas. No início, quando há ainda possibilidade de reação e uma esperança de solução dos problemas, os sintomas são parecidos com estresse (cansaço, nervosismo, distúrbio do sono, enxaqueca, distúrbios digestivos). Porém, acrescenta-se a isso, o sentimento de impotência, de humilhação. Se nesse estágio a pessoa for afastada ou se o assediador parar ou pedir desculpas, ela recupera o equilíbrio. Porém, se o assédio permanece, a depressão pode se instalar (tristeza, complexo de culpa, insônia). Concomitante a isso, há os distúrbios psicossomáticos (emagrecimento, distúrbios digestivos, endocrinológicos, crises de hipertensão, alterações cardíacas).
Após meses de assédio os sintomas iniciais de estresse se transformam em distúrbio psíquico, no qual as vítimas experimentam uma desestabilização permanente. Prevalece uma sensação de derrota e predomínio da vergonha (devido à dificuldade de se defender) e da humilhação (devido a terem a sua honra destruída). Nesse sentido, o assédio moral provoca uma destruição da identidade, ficando a vítima presa aos acontecimentos do assédio, sem perspectiva.
HIRIGOYEN relata algumas situações nas quais as pessoas correm mais risco de serem assediadas, tais como:

- Pessoas atípicas: aquelas que demonstram a diferença, que estão diretamente associadas ao preconceito.
- Pessoas muito competentes ou que ocupam espaço demais: aquelas que acabam ameaçando os seus superiores inseguros por se destacarem em suas funções.
- Pessoas que resistem à padronização: aquelas que não se adaptam ao grupo ou a estrutura, que não é flexível.
- Pessoas que fizeram alianças erradas ou não tem rede de comunicação certa: aquelas que estão mais isoladas, já que no grupo a tendência é a pessoa se fortalecer.
- Pessoas temporariamente fragilizadas: aquelas que estão com algum problema e em virtude disso o assediador aproveita para se livrar da mesma.
Algumas pessoas são menos capazes de se proteger e de se defender, especialmente aquelas que possuem baixa auto-estima, com necessidade de exacerbada de reconhecimento, que se dedicam muito ao trabalho.

Outras são mais resistentes, especialmente aqueles que possuem autoconfiança, que possui apoio de outras pessoas.
As conseqüências para a saúde física e psíquica das vitimas vão sofrer influências de algumas variantes tais como: Impacto dos procedimentos (se vier de um grupo será mais destruidor do que vier de uma pessoa só); O tipo de assédio (se vier de um superior hierárquico a vítima tem menos recursos para se defender); A duração do assédio; A vulnerabilidade da vítima. Muitas vezes a conseqüência de um assédio moral se estende por vários anos da vida do sujeito, fazendo com tenha muita dificuldade de encontrar uma nova colocação.
Após discriminar os aspectos acima citados, a autora aponta algumas saídas a respeito do que fazer em relação ao assédio moral.  Obviamente não há uma resposta pronta, mas algumas sugestões tais como: encontrar um interlocutor, em quem a pessoas pode confiar e expor seu sofrimento, para que a vítima assim não continue isolada. Assinala ainda: “A solução para um problema de assédio moral só pode ser encontrada de uma maneira multidisciplinar e cada interveniente precisa estar no local adequado:con
-  Os sindicatos e a fiscalização do trabalho devem intervir nos casos de abusos manifestos e em tudo que for coletivo:
- “Os médicos do trabalho ou o setor de medicina social devem intervir naquilo que é possível afetar a saúde e a proteção das pessoas”.
Para finalizar, discute também a questão da prevenção, para evitar os efeitos devastadores que o assédio moral tem sobre a saúde física e psíquica das pessoas. Sendo assim, defende que: “Uma prevenção eficaz deveria agir sobre os diferentes fatores, tanto no nível de pessoal quanto nos administrativos e nos contextos que favorecem a ocorrência de assédio. Não existe uma única solução, é preciso agir sobre todos os elementos-chave do sistema”. (HIRIGOYEN)
A prevenção nas empresas consiste em dar aos empregados boas condições e trabalho, evitando o estresse, possibilitar a administração de conflitos, introduzirem o respeito e a valorização das pessoas, de forma ética.

A prevenção no nível da sociedade deve começar dentro das escolas, investindo em valores morais para as crianças.

A prevenção inclui diversos passos apresentados por HIRIGOYEN:
  • A responsabilidade da organização do trabalho;
  • Elaboração específica por parte das diretrizes governamentais;
  •  Participação dos empregados (representantes) nesta delimitação a ser estabelecida;
  • Considerar a subjetividade do indivíduo;
  • Soluções de mediação quando o assédio é detectado rapidamente;
  • Considerar como acidente de trabalho quando apresentar conseqüências graves à saúde;
  • Legislação capaz de conscientizar o sujeito da violência no ato de assédio moral.
Ainda há muito que se discutir a respeito do assédio, o mais importante é que as pessoas se permitam falar a respeito do assunto, para a partir daí buscar estratégias de enfrentamento. Vir à tona a verdade e sobre a luz dos fatos compreenderem o sujeito assediado, a doença no trabalho e suas implicações para a vida do sujeito como um todo.



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