Maria Aparecida Oliveira do Nascimento*
A pulsão sempre foi um conceito obscuro e
pouco inteligível para mim. Quando do estudo deste tema no Seminário de
Metapsicologia a questão que se colocou inicialmente foi a pulsão de morte.
Propus-me a escrever sobre ela como trabalho final de curso. No entanto fui
impedida de pesquisa-la por um determinado tempo. Algo insistia em mim e em
todos os momentos eu me via voltando a esta questão. Não sabia dizer exatamente
do que se tratava, mas restava algo que continuava me incomodando, me afetando
e porque não dizer, me contaminando. É “nesse estado de peste”[1] que venho falar, ainda que
de forma tímida do meu pequeno percurso no estudo deste conceito. E, quem sabe,
contaminá-los também.
Neste ano de 2002 constituímos um cartel para
o estudo da pulsão. Começamos com cinco pessoas e hoje estamos com três, visto
que em decorrência do movimento pulsional duas pessoas se desligaram.
Iniciamos com os Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), onde o conceito de pulsão aparece pela primeira vez. A partir da escuta de pacientes neuróticos em sua clínica, Freud elaborou a teoria das pulsões para demonstrar que a sexualidade humana vai além daquela que rege os instintos nos animais, vai além daquela que rege os instintos nos animais, vai além da reprodução, demonstrando assim seu caráter eminentemente parcial. A pulsão não visa a reprodução, mas sim a satisfação.
Ela se presentifica de modo contínuo e
independente do meio externo. Quanto à natureza da pulsão podemos dizer que é
uma força poderosa, dinâmica e circulante, uma Konstante kraft, indeterminada, atemporal, arcaica e própria do ser
vivo, e que se manifesta a todo o momento e se distingue, portanto, da
necessidade, do instinto.
Qual seria então o estatuto dea pulsão para o
discurso psicanalítico?
A pulsão não é uma descoberta freudiana, mas
uma produção teórica de Freud.[2] “O termo ‘pulsão’ não
designa uma realidade existente, mas um modo de falar de existentes; ele aponta
para um conjunto de outros conceitos que formam a teoria psicanalítica”.
Acrescento, principalmente, os de inconsciente, recalque, defesa e resistência.
No entanto, não é um conceito como os demais, visto que Freud, em 1924 – vinte
anos depois de formulado esse conceito, nos diz que “a teoria das pulsões e a
parte mais importante da teoria psicanalítica, embora ao mesmo tempo a menos
completa”.[3]
“A suposição de Freud é que a pulsão procura
uma satisfação que foi obtida um dia, na nossa pré-história individual, antes
do interdito que nos tornou humanos. A partir de então, foi inibida quanto ao
seu objetivo e obrigada a um caminho de aventuras chamado de Triebschiksale – as vicissitudes da
pulsão. Pela ameaça que trazia consigo, foi proibida de se apresentar
diretamente aos olhos assustados do humano. Portadora do gozo e da morte,
viu-se forçada a fazer-se representar pelos seus representantes para poder ter
acesso ao mundo da subjetividade. A Vorstellung
e o afeto são delegados, e é sobre eles que a psicanálise nos fala. À pulsão em
si mesma fica reservado o lugar do silêncio. Isso, porém, não significa que não
tenha sido suprimida, mas que, tal como os dragões mitológicos, foi condenada a
viver reclusa numa caverna à entrada da qual ouvimos apenas os seus rugidos e
sentimos o cheiro de enxofre que exala das suas narinas. Cada um de nós vive a
ameaça da virgem que tem de ser oferecida em sacrifício”. [4]
Já na Pulsão e suas Vicissitudes (1915) Freud
descreve a pulsão como sendo “um conceito fronteiriço entre o psíquico e o
somático, como um representante psíquico dos estímulos que se originam de
dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida de exigência de trabalho
que é imposta à mente”. Na tentativa de definir esse conceito, ainda obscuro
para Freud, ele o aborda tanto no ângulo da fisiologia quanto da biologia.
Depois de um tempo de estudo deste tema
comecei a me perguntar o que a pulsão tem a ver com uma outra questão, a da
transmissão, visto que estava trabalhando num cartel, dispositivo de
transmissão da psicanálise.
“A psicanálise nos coloca desde o início no
lugar da linguagem e é por referencia a este lugar que ela nos fala, mesmo
quando está se referindo aos corpos e ao mundo dos objetos. Referida à
linguagem, a pulsão ocupa uma região de silencio. Situa-se num além. Refere-se
ao corpo, mas não é corpo; está além da linguagem mas a pressupõe. Conceito
limite, a pulsão nos ameaça com seu silêncio teórico”. [5]
Mas, o que tem a ver pulsão e transmissão em
psicanálise?
Segundo Aurélio Buarque de Holanda,
transmissão é um ato ou efeito de transmitir(-se), fazer passar de um ponto ou
de um possuidor ou detentor para outro; transferir, comunicar por contágio, propagar.
E é a partir deste lugar que pretendo transmitir para vocês parte do conteúdo
que vimos estudando no cartel.
O cartel é uma invenção e um dos pilares de
Lacan para sua Escola de Psicanálise. Cartel foi extraída da palavra latina
“cardo” que significa “dobradiça”. Em sua formalização Lacan propõe que:
- Três a cinco pessoas se elegem para
realizar um trabalho que deve ter um produto próprio de cada um;
- A conjunção se faz em torno do Mais-um que,
sendo um qualquer, deve ser alguém responsável por velar pelos efeitos do
trabalho e provocar sua elaboração;- Para prevenir os efeitos de cola, deve fazer a permutação no prazo estabelecido de um ano, no máximo dois;
- O progresso advém de se colocar a céu
aberto tanto os resultados quanto as crises de trabalho.
Contato: Fone: (31) 3287.5976
[1] Borges,
Fábio., A Peste in Revista Reverso no. 28, 1988, p. 5
[2] Garcia
Roza, La. Acaso e repeticao em psicanálise, p. 14.
[3] Idem, p. 11
[4] Idem, p. 17
[5] Idem, p. 19.
[6] Lima,
Denise Rigueira Rennó & Rosa, Lázaro Elias., O Cartel – pontos fundamentais
de sua prática. Escola Brasileira de Psicanálise.
Oi Eliana.
ResponderExcluirAdorei a publicação!
Lembra-se de mim?
Aprendo muito com você e para você ver até hoje!
Um beijo enorme!!!
Sonia,
Excluirfico feliz em revê-la (virtualmente).
Apareça, pessoalmente.
Um beijo
Eliana