quinta-feira, 24 de março de 2011

Quando ser é...

Quando ser é...
José Antônio Baêta Zille*


-          Mãe, eu queria te dizer uma coisa...

-          O que é, minha filha? Fala rápido porque eu tenho que ligar pra sua tia.

-          Eu estou namorando!

-          É mesmo? Que lindo. Como eu fico feliz por você!
Me faz lembrar quando eu tive o meu primeiro namorado...
Seu pai não sabe, mas antes dele eu tive outro namorado. Foi muito bom quando eu descobri que estava apaixonada.
Mas conta... Quem é?

-          A Flavinha!

-          O Flavinho? Filho da Margareth? Que ótimo, ele é um rapaz muito bonzinho.

-          Não, mamãe! É a Flavinha! Você não está escutando? A Flavinha, minha colega do ballet.

-          Não brinca comigo. Você sabe que eu não gosto dessas coisas.

-          Mas é verdade mãe.

-          Não acredito, amanhã mesmo vamos ao médico. E que seu pai não saiba nada. Ele não pode nem imaginar...
Como se não bastasse o seu primo, agora isso.
São suas companhias. Com quem você tem andado?
Agora mesmo vou ligar pra Maria Célia, ela conhece uma psicóloga muito boa. E se não for ela, ela vai me dar o endereço daquela Mãe de Santo lá do São Judas Tadeu. Ela vai dar um jeito nisso.

No decorrer do desenvolvimento de um indivíduo, ele se deparará com a tarefa de construir sua identidade sexual e com ela a sua orientação afetivo-sexual. Pouco ainda se sabe a respeito desse assunto e são várias as teorias a respeito desse tema.

O que se sabe, ao certo, é que o processo de construção da identidade sexual e da orientação afetivo-sexual se inicia já nos primeiros anos de vida, até aproximadamente os quatro ou cinco anos de idade. Nesse período de vida, o sujeito tem pouca ou nenhuma consciência de seus desejos e sentimentos, mesmo porque, não existe ainda um componente erótico em suas relações e, portanto, é ausente de desejo sexual. Porém, na adolescência, o sujeito encontra condições propícias para tomar consciência de todos os seus sentimentos referentes a seus desejos e afetos que poderão se direcionar para pessoas do sexo oposto, pessoas do mesmo sexo ou pessoas de ambos os sexos. Essa consciência de sentimentos amorosos e emocionais com relação à outra pessoa poderá ou não se confirmar na idade adulta.

De acordo com a psicanálise, o processo de estruturação da identidade sexual está diretamente ligado ao desenrolar do chamado Complexo de Édipo de cada um e depende de seu posicionamento inconsciente em relação ao desejo. Desejo esse que pode se orientar dentro de um universo numeroso de possibilidades.

O desejo é um dos elementos constitutivos da identidade sexual e é móvel através das eleições sucessivas, que não são decididas de maneira autônoma. As eleições feitas são “impostas” ao sujeito pelo seu interior, ou seja, pelo seu inconsciente, assim como por forças exteriores, na forma de prescrições sociais de uma ordem cultural, ou seja, pela lei social normativa vigente. Assim sendo, o processo de estruturação psíquica se realiza em função de como o sujeito se posiciona diante das diferenças sexuais.

Para Freud, a construção da identidade sexual e da orientação afetivo-sexual é uma questão de eleição de objetos e não um instinto constitucional pervertido. Ou seja, essa estruturação é resultado de um processo inconsciente e não contempla, necessariamente, a possibilidade de uma patologia. Nesse sentido, a patologia somente aparece, quando certa estruturação psíquica é vivida como “anormal”. Assim, como as possibilidades de identidades dependem de uma eleição inconsciente de objetos, não se pode considerar, entre elas, diferenças no que tange a aspectos psíquicos.

Em geral, em nossa sociedade, a heterossexualidade é posta como “normal” e outras orientações como “anormais”. Isso se deve ao fato de que o desejo que não tem o direcionamento heterossexual vai de encontro à norma estabelecida pela lei social. Assim, podemos encontrar pessoas que, de acordo com sua estruturação psíquica e seu inconsciente, não se submetem ao imperativo heterossexual e à lei social, e consideram que o que está mal dimensionado é a norma social. Há, porém, aqueles que consideram a si mesmos “anormais” e procuram se “curar” na tentativa de se ajustarem à norma heterossexual.

O que se deve ressaltar é que o processo de estruturação psíquica se desenvolve independente do sujeito. No momento em que esse sujeito toma consciência de que seu desejo se orienta em uma determinada direção, caberá a ele, para poder vivenciar sua sexualidade, conformar-se ou não às normas sociais. Como a cultura heterossexual ainda estigmatiza outras orientações, não é estranho que muitas pessoas ocultem seus desejos e afetos, submetendo-se à lógica segundo a qual a heterossexualidade é tida como “normal” e qualquer outra orientação é tida como “anormal”.

Uma vez que a identidade sexual é uma elaboração psíquica e cultural sobre os prazeres e desejos, é natural essa elaboração ser construída e apresentada segundo cada sociedade. Ao adolescente que tomar consciência de seu direcionamento afetivo-sexual, caberá a tarefa, muitas vezes difícil, de determinar como deverá vivenciar sua sexualidade e seus afetos de forma a ser feliz.


-          Mas mamãe...

-          Não tem mais nem menos!

-          Mas mamãe, eu só queria te dizer que estou amando e o quanto estou feliz.

* José Antônio Baeta Zille  é Engenheiro,  mestre em Educação e é doutorando em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Atualmente é professor de ensino superior e pós-graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia Educacional. Atua principalmente nos seguintes temas: informática e educação, adolescência, construção de identidade, linguagem e comunicação, ensino de música, música barroca.

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