segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Transtorno Afetivo Bipolar ou Ciclotimia

Este artigo procura, através do olhar psiquiátrico e psicanalítico, discorrer sobre o Transtorno Afetivo Bipolar, também chamado Psicose Maniaco Depressiva (PMD) e que tem como característica principal uma alteração do estado de ânimo ou humor.
Ao longo da história da psiquiatria, este trasntorno recebeu várias denominações, quais sejam, transtornos afetivos, psicose maniaco depressiva, transtorno bipolar, ciclotimia, transtorno com episódio mixto e outros. Foi Kraeplin que em 1899, na Alemanha, denominou pela primeira vez  o transtorno bipolar como Psicose Maníaco Depressiva por revelar-se uma sintomatologia compatível com faces diferentes da mesma moeda. Atualmente,  a  expressão psicose  maníaco-depressiva entrou em desuso e foi substituída por   Transtorno  Afetivo  Bipolar  com  sintomas  psicóticos ou Transtorno Esquizoafetivo, para os casos em que os sintomas psicóticos são muito persistentes.

No manual de Classificação Internacional das Doenças (CID-10), o Transtorno Afetivo Bipolar recebeu a classificação F-31.0 e no Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-IV-TR ), está inserido na seção de Transtornos Afetivos. Este transtorno se distingue dos transtornos unipolares (episódios únicos de depressão ou mania), porque apresenta duas faces: a depressão e a mania, alternadamente e não está associado a enfermidades fisiológicas diretas (esclerose múltipla, tumor cerebral, síndrome de Cushing ou outras), ao uso de substâncias  ou situações estressantes. O Transtorno Bipolar pode ser classificado como leve, moderado ou grave, conforme a duração dos episódios, da sua intensidade e se possui concomitante, outros transtornos associados. É bom lembrar que o uso de corticóides, medicamentos antidepressivos ou eletroterapia podem produzir episódios mixtos que se confundiriam com o diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar.

O transtorno Afetivo Bipolar, segundo classificação do DSM-IV-TR, tem como característica principal a alternancia do estado de humor deprimido para eufórico, e vice versa. Parece ser mais frequente em sujeitos jovens e acima de 60anos, e pode ainda apresentar-se mais em mulheres do que em homens. Os episódios mixtos podem durar semanas a meses e podem desaparecer ou evoluir para um episódio depressivo maior, evoluindo com muito mais frequência para um episódio maníaco.
A principal característica sintomatologógica é que o sujeito experimenta estados de ânimo que se alternam com rapidez indo da tristeza profunda à euforia, acompanhados de agitação ou apatia, insônia e alteração do apetite. Durante os episódios o sujeito apresenta pensamento e comportamento desorganizado o que pode provocar comprometimento social ou profissional, e se apresentar delírios, alucinações ou ideações suicídas deverá ser hospitalizado.
O episódio depressivo dentro do transtorno bipolar pode ser leve, moderado ou grave e se caracteriza principalmente  pela falta de energia, desânimo, sentimentos de menosvalia ou culpa, desesperança, dificuldade para pensar, concentrar-se ou tomar decisões, pensamentos recorrentes de morte ou ideação, planos ou intentos suicidas. Alguns sujeitos com episódios leves podem parecer normal, porém às custas de um esforço muito importante.  Quase sempre há perda de interesses e de capacidade para o lazer, deixando de desfrutar de atividades que anteriormente consideravam prazeirosas. Descuidam-se da aparência e dos cuidados com a higiêne. Não se importam em comer ou quando o fazem preferem doces ou fastfood. Frequentemente os familiares notam um isolamento social e o  abandono de práticas rotineiras. Há uma significativa redução do desejo sexual.
Alguns sujeitos se queixam de sentir-se sem sentimentos ou ansiosos, com dores físicas e moléstias. Na maioria das vezes são impacientes, facilmente irritáveis e intempestívos, apresentando uma raiva exagerada por coisas sem importancia. Há tendência a insônias constantes ou despertar de madrugada e ter dificuldades para voltar a dormir, o que causa um frequente prolongamento do sono diurno.
As alterações psicomotoras incluem agitação, incapacidade para permanecer sentado, movimentos irregulares com as mãos, beliscar a pele ou arrumar roupas ou objetos com frequência, apesar de apresentar lentidão nos movimentos. Apresentam ainda, diminuição da rapidez de resposta, baixo volume de voz, dificuldade de raciocínio e muitas vezes, mutismo.
Num quadro de episódio depressivo grave, o sujeito apresenta também pensamentos obsessivos, preocupação excessiva, sentimento de inutilidade e culpa inapropriados, indecisão,  crises de angústia e ansiedade e pensamentos recorrentes de suicídio.
Por outro lado, o episódio maníaco se define por um estado de ánimo elevado, alegre, eufórico, expansivo, com exagerado entusiasmo que inicialmente pode ser despercebido por quem não conhece bem a pessoa, mas que causará estranhamento para quem o conhece bem. Esta euforia vem acompanhada porém de humor irritável, com exagero da autoestima e da autoconfiança,  elevados pensamentos de grandiosidade que podem alcançar proporções delirantes. O sujeito tem uma diminuição da necessidade de dormir, sente-se cheio de energia e utiliza de uma linguagem verborreica em que fala sem parar trocando os temas com frequencia e algumas vezes, utilizando de jogos de palavras de forma teatral com maneirismos dramáticos e cantos. Quando o espisódio maníaco é grave, a linguagem pode apresentar-se incoerente, pode ocorrer   fuga e confusão de idéias por rapidez nos pensamentos e o empobrecimento do juizo, o que pode levar o sujeito a prática imprudências como compras desmesuradas ou a atividades perigosas. É comum iniciar várias tarefas ao mesmo tempo sem dar-se conta de que não poderá levar a cabo nenhuma delas. A maioria deles queixam-se de que o ambiente está lento.
A desorganização resultante da alteração pode ser bastante grave necessitando hospitalização com o fim de proteger o sujeito das consequencias negativas dos seus atos que são resultado do empobrecimento do seu juizo crítico.
É comum confundir-se o transtorno bipolar com o transtorno de hiperatividade pelo excesso de agitação motora, irritabilidade e falta de concentração, o que requer uma avaliação clínica cuidadosa para a definição do diagnóstico.
O transtorno por déficit de atenção com hiperatividade e o episódio maníaco têm em comum  uma atividade excessiva, um comportamento impulsivo, um empobrecimento do juizo com a negação de problemas, porém o transtorno por déficit de atenção com hiperatividade se inicia-se antes dos 7 anos, enquanto do transtorno bipolar apresenta-se tipicamente após a adolescência com estado de ânimo excessivamente expansivo e presença de sintomas psicóticos. Algumas vezes crianças com transtorno por déficit de atenção com hiperatividade apresentam sintomas depressivos como baixa auto-estima e dificuldade de tolerância a frustração, o que deve ser distinto do Transtorno Bipolar com episódio depressivo.
Trabalhos  estatisticos  recentes  assinalam  uma  predisposição  genética  para  a doença bem como a presença de frustrações e perdas são causas para desencadear a crise.

Considerações psicanalíticas:
Em psicanalise, uma questão que se coloca é saber se o Transtorno Afetivo Bipolar, faz parte da estrutura neurótica ou psicótica. A expectativa é que esse artigo possa fazer emergir reflexões acerca do amplo campo abordado, bem como delinear os horizontes do que seria concernente a neurose, psicose ou perversão neste transtorno e, ainda,  buscar segundo o diagnóstico estrutual uma melhor condução do tratamento e predição prognóstica.

À psicanálise o sintoma apenas interessa na medida em que encobre o significante que vem dizer do inconsciente. Assim, apesar de toda a sintomatologia psicopatológica que o transtorno afetivo bipolar apresenta, o descreveremos a seguir como uma manifestação que pode apresentar-se para qualquer estrutura.


Devemos lembrar que Freud define as estruturas segundo a os destinos da libido, cujo caminho passa pelo auto-erotismo, narcisismo e a escolha de objeto (Freud, 1915).
Freud, em “Luto e Melancolia”, 1916, propõe que existe uma depressão patológica,  denominada no texto como “melancolia”. Na melancolia ocorre a perda do objeto e está presente ainda a ambivalência e a regressão da libido ao eu. Entenda-se por objeto em psicanálise, não como uma coisa inanimada e manipulável, mas como representações psíquicas, identificações e subjetividades. Freud sugere que na melancolia o sujeito tem a si mesmo como objeto, investindo narcisicamente seus afetos. Numa situação de perda real ou fantasiada,  o sujeito identificado maciçamente ao objeto torna-o como seu próprio ego, e então, o que o sujeito perde é a si próprio e, neste caso,  investe toda a agressividade contra seu próprio eu, pois o supereu (equivalente ao juizo moral) é feroz e o culpabiliza, o persegue e o domina (Freud, 1927), fazendo com que o melancólico se desqualifique, se maltrate e em última instância, se mate.
A face maníaca do melancólico, segundo a psicanálise se valeria do rebaixamento do supereu e  de um ego inflado, exageradamente inflado, levando o sujeito às raias da paranóia.
Já na neurose,  a perda do objeto geraria o que Freud (1917), chamou de luto. As fases do luto no neurótico seria inicialmente uma intensa tristeza e que num segundo momento poderia ser negada através de uma aparente euforia, porém a libido aos poucos seria dirigida a outros objetos. O teste da realidade no neurótico é mais eficiente, e diante da impossibilidade de reaver o objeto perdido, o neurótico passa a exigir que a libido se dirija para objetos substitutos.  Segundo Sérgio de Campos,
“o neurótico reclama de sua perda de gozo devido à sua inserção na linguagem, por causa de sua referência à função paterna recalcada. O sujeito demanda do Outro uma sutura com o objeto  perdido  para  se  curar  de  sua  frustração  expressa  como  depressão.  Na  fase  de hipertimia,  temos  um  sujeito  ávido  e  eufórico  pela  aquisição  do  objeto  perdido,  e  se compromete em dívidas e compras”. (CAMPOS, 2010)
E Campos prossegue, ainda:
“ No  perverso,  o  sujeito  encobre  com  tintas  depressivas  sua  vontade  de  gozo  sado-masoquista. O sujeito goza ao se mostrar como vítima depressiva e incurável, produzindo divisão  no  Outro.  Estamos  no  terreno  do  masoquismo,  no  qual  o  sujeito  se  realiza  como objeto sádico ao provocar, com sua desvitalização incurável, a desesperança e o sofrimento naqueles  que  o  cercam.  Via  de  regra,  ostenta  de  modo  contumaz  e  reiterativo  seus sintomas  depressivos  imodificáveis  como  desafio  à  ciência  com  seus  psicofármacos, provocando divisão dos psicanalistas e psiquiatras.” (CAMPOS, 2010)
Na perversão, o transtorno afetivo bipolar se apresenta na sua face de depressão o  eu enquanto objeto é massacrado pelo sujeito, não sem a intensão de também massacrar o outro e na sua face de mania, há a abolição da culpa superegóica e é imperioso transgredir, uma transgressão desenfreada dirigida para todos e quaisquer objetos.

Resta notar que, apesar da nossa sociedade contemporânea apresentar-se pouco tolerante a depressão e para isso procura criar um arsenal farmacêutico para combatê-la ao mesmo tempo que estimula de forma contumaz a mania exigindo que todos inadivertidamente se alegrem, comprem e gozem e gastem, o Transtorno Afetivo Bipolar nas suas duas faces envolve muito sofrimento, dor e angústia.  
                                              
 Referências bibliográficas:    
                                           
CAMPOS, Sérgio de, Considerações acerca do Transtorno Afetivo Bipolar. em http://www.institutopsicanalise-mg.com.br/psicanalise/almanaque/textos/numero3/5.Bipolar%20z.pdf
CID-10 - Classificação Internacional de Doenças, décima versão, F 30.
KAPLAN, H. and SADOCK B., (1999)  Tratado de Psiquiatria, Vol. I, Porto Alegre: Artmed editora, 6ª. edição, p. 715.
FREUD,  S.  (1917).  Luto  e  melancolia.  In:  STRACHEY,  J.  (ed.)  e  RIBEIRO,  V.  (trad.). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Ed. Standard Brasileira, (v. 14). Riode Janeiro: Imago, 3ª. ed., p. 275-292 (versão brasileira de 1990). 

5 comentários:

  1. Amei esse artigo, é muito bom termos essas informações, ainda mais no mundo emq ue vivemos e trabalhando na educação, é excelente. Muito obrigada, aprendi mais . Visitarei sempre!
    Beijos
    Ana

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  2. Ola Ana,
    Estive viajando muito e sem tempo para preparar os artigos. A partir de agora procurarei priorizar mais tempo para eles.
    Um abraço
    Eliana

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Claudio,
    Li seu texto. Palavras que jorram trazendo do fundo da alma os sentimentos, a reflexão e a sua presença. Sinto o seu "eu" em cada signo, cada espaço, cada expressão... ai está sua consciência, sua mente, também ai está Você!

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  5. Obrigado, Eliana, por enxergar a carga profunda de sentimentos, por que são, sim, apesar de tudo, poemas. Poemas dos quais até aqui sobrevivi. E amo a vida, e, quando no pólo alegre, positivo, vivo a vida e encontro felicidade até mesmo nas coisas mínimas. Mas quando sinto a inutilidade e angústia, não consigo fazer nada, nem mesmo escrever. E te afirmo: não escrevo, as palavras simplesmente saltam e sou mero expectador do meu caos, registro o caos interior da confusão do momento, e, ainda que angustiantes, os textos, quando volto ao pólo lúcido, normal, alegre (sou alegre e feliz, acredita?), leio os textos e não me deprimem, muito pelo contrário, me alegram, pois o contraste de estados dão ênfase a vida, no sentido mais belo da palavra, realçando até mesmo o comum, tornando o simples ato de viver lucidamente como a maior dádiva já alcançada por qualquer ser humano. Como todo bom bipolar, as crises vem e vão-se, os pólos alternam-se, queira eu isso ou não, revezam-se os pólos sem nenhum padrão, razão, fórmulas, ou mesmo causas ou gatilhos que iniciem seus ciclos e processos. Vem e vão-se Simplesmente porque vem e vão-se. Acabei de retornar de uma crise de pânico + depressão + impulsos violentos. A pior crise que já tive em toda a minha vida (como regra, a última crise que tive sempre será a pior crise que já tive, independente da sua proporção. Está é a regra básica do meu manual de operação) Sinceramente? Me espanto quando leio cada texto que escrevo, pois sei, que, lucidamente, jamais conseguiria escrevê-los. Compus este poema (que passarei o link em seguida) do caos, que na verdade expõe angustias, sentimentos, e uma história real, do momento dificílimo que passei. Sabe? A enfermidade, a doença, em si, já me ocasionou diversas perdas, prejuízos, sociais, familiares, profissionais, mas, quando volto a estes textos que escrevo, quando enfermo, eles (os textos), por si, acabam sendo-me grande consolo, porque sei que, sem a doença, jamais conseguiria compô-los. Se quiser entender o que digo, veja o texto, ainda fresco, escrito há dois dias apenas, durante uma crise que terminou somente ontem a noite (graças a Deus), e me rendi a "beleza", profundidade, crueza, sinceridade, simetria, ritmo, imprevisibilidade e imagens do mesmo. Segue o link:

    http://progcomdoisneuronios.blogspot.com/2011/11/sera-que-vale-pena.html

    É isso, Eliana.
    Um prazer interagir com você.
    Um beijo bem respeitoso.
    Fica com Deus.

    .

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