sábado, 23 de julho de 2011

ADOLESCÊNCIA: UMA REEDIÇÃO DA INFÂNCIA

Marília de Freitas Maakaroun*


“Tem-se a impressão que a cada época corresponderia uma idade privilegiada...: a
juventude, a idade privilegiada do século XVII; a infância, do século XIX e a adolescência, do século XX..”.
Philippe Ariès)(1975)

“Crescer é por natureza um ato agressivo.”
Winnicott,(1950-5)


1.1. Reflexões conceituais:
O reconhecimento de uma etapa da vida, marcada pela transitoriedade, entre a infância e a idade adulta sempre existiu em todas as sociedades e durante todas as épocas da história. Mas as fronteiras da adolescência têm variado, apesar de que, em um passado relativamente recente, ela ainda tenha permanecido como um período curto da existência sincreticamente unido à infância e à juventude. 
É natural que a adolescência fosse negada e a velhice desprezada naqueles tempos em que se vivia em média trinta anos de idade’ (Ariès,P., 1975,.
Nos dias de hoje, a expectativa de vida das pessoas aumentou de 30 para 50% em vários países e, observa-se, entre outras conquistas, o controle dos processos mórbidos e a queda da mortalidade infantil. Como conseqüência, emerge a possibilidade de se redefinir em grandes linhas as fronteiras da vida e vão-se demarcando com mais nitidez as estruturas demográficas. Neste contexto contemporâneo, a adolescência se impõe pelo seu contigente populacional em crescente expansão e pelas suas expressões peculiares de conduta.
No dizer de Philippe Ariès(1978), “a adolescência se expande, empurrando a infância para trás e a maturidade para a frente, e vamos passando de uma época sem adolescência para outra, em que a adolescência é a idade favorita”.
Atualmente, a Organização Mundial de Saúde circunscreve a adolescência à segunda década da vida (10 a 19 anos) e considera que a juventude se estende dos 16 aos 24 anos de idade. Este conceito recente permite ainda designações ambíguas, tais como adolescentes jovens (16 a 19 anos) e adultos jovens (20 a 24 anos). A utilização de critério cronológico convencional se ajusta à necessidade de se identificar os requisitos que orientem a investigação epidemiológica, as estratégias de elaboração de políticas de desenvolvimento coletivo e as programações de serviços sociais e de saúde pública.

1.2. O Início da Adolescência e a Puberdade.
A delimitação cronológica ignora os fatos individuais e responde mais a fatores culturais e socioeconômicos. É importante ressaltar que os critérios biológicos e psicológicos também devem ser considerados no enfoque conceitual da adolescência.
Hoje, em nossa cultura, existe o consenso de que os primeiros indícios de maturação sexual introduzidos pela puberdade marcam concretamente o início da adolescência. Todo este processo se dá a custa de interação de fatores genéticos e ambientais, que atuam desde a vida fetal até a idade adulta. A eclosão puberal ocorre em um tempo individual e é regulada, principalmente, por mecanismos genéticos e neuro-endócrinos.
A protusão do mamilo, nas meninas, e o aumento do volume testicular, nos meninos, são os primeiros sinais morfológicos da puberdade.
As transformações físicas resultantes do desenvolvimento dos caracteres sexuais primários e secundários, as modificações metabólicas e da composição corporal, além do notável crescimento pondo-estatural são aspectos fundamentais da metamorfose corporal da criança em sua inevitável trajetória para a vida adulta.
Seguem, em uma seqüência quase invariável, todos os eventos da maturação sexual, sistematizados por TANNER (1962). O final da puberdade coincide com a aquisição da capacidade reprodutiva, a fusão das epífises ósseas e o completo crescimento do indivíduo. Estes eventos, naturalmente, não encerram a adolescência, que transcende seus aspectos somáticos, e se concretiza na amplitude da elaboração de manifestações psicológicas e sociológicas, sintetizadas nas reformulações de caráter social, sexual, ideológico e vocacional, impostas por estas transformações corporais.
O final da adolescência continua sendo ditado por imperativos sociais, que vão desde as exigências da escolaridade impostas pela qualificação profissional até as flutuações do mercado de trabalho, tornando-se claro que a inserção do adolescente na sociedade adulta escapa ao indivíduo e à família.


1.3. O Final da Adolescência e os Ritos de Passagem
Trabalhos de antropologia têm demonstrado que, na maior parte das sociedades primitivas, existem cerimônias que introduzem os adolescentes no mundo dos adultos. A literatura etnológica revela a existência de ritos de iniciação em que a idéia do renascimento ocupa o lugar central. Este renascimento, com definição explícita de seu novo estatuto, reveste-se de grande importância quando se consagra muita energia à transformação do jovem num adulto socializado e bem adaptado à sua cultura. Desta forma, os mitos, as crenças, os valores do cidadão são assegurados através de verdadeira educação cívica. Estes ritos, de curta ou longa duração, contêm uma simbologia de alcance social, porque eles introduzem e promovem a integração do jovem às regras sociais e políticas da estrutura institucional de sua cultura, assegurando o seu reconhecimento por parte dos outros membros da sociedade.
Estas observações contrastam-se com o que se verifica hoje na sociedade ocidental, em que a passagem à vida adulta não está institucionalizada. Os poucos ritos de iniciação existentes implicam em aspectos parciais do indivíduo e a transição entre a infância e a idade adulta se mantém em aberto, num contexto de ambigüidade, que, muitas vezes, perturba a evolução do jovem na direção da maturidade.

1.4. A PERSPECTIVA HISTÓRICA
1.4.1- Stanley Hall (1844-1924)
Na literatura pesquisada, HALL é considerado um dos primeiros a propor uma teoria da Adolescência, como campo distinto do conhecimento, usando método científico em seu estudo .
Influenciado pelas descobertas de Darwin e pela teoria de Haeckel, segundo a qual a ontogênese recapitula a filogênese, ele aplicou o mesmo princípio ao desenvolvimento pós-natal. Para Haeckel, o embrião humano apresenta uma sucessão de características respectivamente semelhantes às dos peixes, dos anfíbios, dos répteis e dos mamíferos inferiores. Para HALL, o indivíduo revive, durante o seu desenvolvimento, etapas que correspondem a estágios históricos primitivos de vida da espécie humana até as mais recentes modalidades de expressão da maturidade. Ele afirma que o desenvolvimento é geneticamente determinado por forças internas, que definem um padrão inevitável, imutável e universal de conduta, apesar do meio ambiente. Portanto, o adulto não deve interferir no processo natural de crescimento humano.
Adotou uma classificação dos estágios do desenvolvimento semelhante à proposta por Rousseau.
Nomeou-os: Primeira Infância, Infância, Juventude e Adolescência.
·       A “Primeira Infância” corresponde aos primeiros quatro anos de vida. Neste espaço de tempo, a criança revive, através do engatinhar e da conduta sensório-motora, a fase animal da espécie humana, quando o homem, à semelhança do macaco, caminhava sobre quatro pernas.
·       A “Infância” é o período de quatro a oito anos de idade. HALL o comparou à época cultural em que a pesca e a caça eram as principais atividades do homem das cavernas.
·       A “juventude” é o tempo que vai dos oito a doze anos e corresponde ao estágio em que a criança revive “a vida monótona dos selvagens” de há muitos milênios.
·       A “Adolescência” é a etapa da existência entre doze e vinte e cinco anos. HALL descreveu-a como um período de “tempestade e tormenta”. Dentro da teoria de recapitulação, a adolescência corresponde à época em que a raça humana passou por um período intermediário entre o primitivo e o civilizado, de turbulência e crise, transição necessária para o renascimento de características mais elevadas e mais plenamente humanas.
No final da adolescência, ponderou que o indivíduo recapitula o estágio inicial da civilização moderna e alcança a maturidade, acenando com a possibilidade de uma continuação indefinida do aperfeiçoamento humano.
1.4. 2 - Anna Freud (1895 - 1982)
As contribuições psicanalíticas de ANNA FREUD para a compreensão da Adolescência estão intrinsecamente ligadas às de S. FREUD (1856-1939).
Ela também utiliza o princípio da recapitulação, mas em uma versão diferente, porque não se trata de reeditar parte da história genética da humanidade, mas parte do próprio passado do indivíduo.
Diferentemente de Hall, ela considera que não é possível deixar que a criança se desenvolva, sem se dar atenção à sua educação. Ela vê a criança como um escravo do princípio do prazer, que exige a gratificação imediata de qualquer necessidade emergente. Deixa claro que o bebê já vem dotado, desde o nascimento, de um reservatório de impulsos biológicos básicos (id) e que toda existência humana está centrada em torno de uma luta entre estes impulsos instintivos da natureza humana e as suas tendências mais civilizadas.
Freud, S. divide o ciclo vital humano em fases distintas, mas considera que cada uma delas é marcada pela emergência de um aspecto diferente da sexualidade humana. Assim, a fase oral, anal e fálica são as três fases iniciais, que posteriormente, serão integradas à genitalidade adulta.
A crise da adolescência se traduz pelo reaparecimento na puberdade de conflitos sexuais que ocorreram na infância, e, o adolescente reedita todas as etapas anteriores da sexualidade infantil, percebendo a intensidade da emergência destes conflitos. ANNA FREUD deixa claro que a ‘lendária turbulência’ dos anos da adolescência pode ser atribuída ao fato de que, nesta fase da vida, há um confronto entre um id forte e um ego relativamente fraco.
Com a finalidade de controlar a súbita eclosão da libido, o adolescente aciona certos mecanismos de defesa, que se manifestam em condutas típicas deste momento evolutivo.
Assim, o adolescente oscila entre o desejo de dependência e independência, sentindo-se ora desprotegido como um bebê, ora necessitando se afirmar como um adulto. Pode também tornar-se excessivamente sujo ou excessivamente limpo e pode atuar intensamente a nível da sexualidade ou exibir intenso pudor .
O ascetismo do adolescente representa uma desconfiança generalizada a todos os desejos instintivos, que incluem, além da sexualidade, a alimentação, o sono e outros hábitos. A intelectualização conduz o adolescente a mudanças de interesse das questões concretas do corpo para as abstratas.
ANNA FREUD observa que os assuntos que os adolescentes preferem debater representam os seus próprios conflitos internos, elevados a um plano intelectual. “Uma vez mais, o cerne da questão é como relacionar o lado instintivo da natureza humana com o resto da vida, como decidir entre deixar-se levar pelos impulsos sexuais ou renunciar-se a eles, entre revoltar ou submeter a todas as autoridades ou entre viver a liberdade e a restrição. Assim, ao invés de encarar os seus sentimentos renovados de hostilidade com o pai, o adolescente pode condenar-se a denunciar a tirania de todas as autoridades.
Com relação às ligações afetivas dos adolescentes, ela afirma que a transitoriedade destas relações é um indicativo de seu caráter defensivo. Durante a adolescência, todos os velhos desejos edipianos reaparecem e o jovem se defronta com a atração pela mãe e os sentimentos conflitivos com relação ao pai. A opção é evitar os pais e buscar novos objetos de amor. Assim, os amores apaixonados, os romances, os episódios de idolatria de um herói representam tentativas de preencher o vazio emocional gerado pela falta dos pais.
ANNA FREUD observa que as manifestações da crise da adolescência são diferenciadas pelos seguintes fatores:
- A maior intensidade do id, que acompanha os processos fisiológicos da Puberdade.
- A grandeza da capacidade do ego de enfrentar o id, competindo ou cedendo às forças instintivas.
-        A eficiência dos mecanismos de defesa à disposição do ego.
1.4.3- Erik Erikson (1902 -1994)
A adolescência tem uma posição de destaque na teoria de Erikson, porque ele considera esta fase da vida como particularmente decisiva na formação da identidade do ser humano.
Para ele, a identidade se revela como a consciência crescente de um círculo, sempre mais amplo de pessoas significativas para cada indivíduo, desde a mãe até a humanidade. Tal processo permite ao ser humano o seu reconhecimento histórico e a certeza de sua condição de ser uma pessoa única, portadora de um passado e um futuro também pessoal para si mesmo.
A teoria de Erikson se apoia no conceito do desenvolvimento a partir de estágios, que ocorrem em uma seqüência mais ou menos previsível e que são governados por um tipo de mecanismo inato ou fator maturacional, referido como princípio epigenético. Ele afirma que tudo que cresce tem um plano básico, sobre o qual irão se erguer as partes componentes. Cada uma delas tem o seu momento de ascensão, até que todas se integrem para formar um todo funcionante.
Considera que a interação entre o biológico e o social em todas as culturas é que produz a personalidade humana, que se torna um processo dinâmico e contínuo que começa no berço e termina no túmulo.
Identifica oito estágios da vida, que ele denomina idades do homem e constrói um diagrama epigenético, tendo a adolescência como centro e considerando a contribuição de cada um destes estágios à sua estrutura. Segundo Erikson, a adolescência recapitula todas as etapas vividas pela criança e antecipa as que virão na vida adulta.
Denomina cada estágio da vida de “conflito nuclear” ou “crise normativa”, mostrando que cada um destes momentos deixa a sua marca no indivíduo e na sociedade, através de instituições e valores.
·       Primeiro estágio: Confiança versus Desconfiança
Nesta fase da vida, a criança estabelece com o seu ambiente uma modalidade “incorporativa” de relação. Ela incorpora com os olhos, com os ouvidos, com a pele, com as mãos, enfim, com todos os sentidos e o corpo, tudo o que possa produzir sensações agradáveis ou desagradáveis.
Para Erikson, esta modalidade de funcionamento transcende “o comer e o sugar” da “fase oral”, englobando, na sua abrangência, as manifestações do ego.
Afirma que o conflito nuclear confiança versus desconfiança é gerado na interação da criança com o mundo, à medida que ela aprende a contar ou não contar com as pessoas que cuidam dela, a confiar ou não confiar na mãe, como provedora da vida.
O bebê evolui de um vínculo humano, primordialmente biológico, para um vínculo social, que constitui a origem de todas as outras relações que ele será capaz de desenvolver ao longo de sua vida. Ao nascimento, ele se encontra em uma fase sincrética, de indiferenciação com o mundo. É através da interação com o seu ambiente imediato, mãe ou cuidadora, que ele dará sentido ao que vê, mas não reconhece; ao que toca e não consegue identificar; ao que ouve, mas não entende. Se o ambiente é percebido como acolhedor, ele garantirá o desenvolvimento da auto-estima, porque cada conquista motora e funcional será compartilhada e contemplada como uma realização pelo seu meio social. Erikson entende que “a criança que se torna capaz de andar” toma consciência de seu novo status e percebe que pode se transformar naquele que, um dia, “irá muito longe”, ou “correrá velozmente”, ou “andará ereto”, a partir da certeza de que o seu êxito é compartilhado, tem um significado transcendente e lhe confere um reconhecimento social.
Como conseqüência, o indivíduo que aprende a confiar naqueles que cuidam dele, aprende a confiar em si e no mundo. Significa também o desenvolvimento do sentimento de prazer em receber e aceitar o que é dado, a certeza de ser aceitável e de se converter naquilo que os demais confiam que chegará a ser, além da esperança de um dia poder compartilhar os seus afetos e as suas realizações com o seu meio social.
Como este conflito confiança versus desconfiança é interpessoal, ele definirá a forma de relação que o indivíduo passará a desenvolver com a humanidade ao longo da vida. Na adolescência, ele poderá se atualizar nas manifestações de procura de socialização ou na busca de isolamento, no prazer ou desprazer da convivência social e na disposição de aceitar ou não o que o mundo oferece.
Observa que a capacidade do adolescente lidar bem ou mal com a perspectiva da própria temporalidade advém de suas interações com a mãe, quando bebê, no enfrentamento precoce de suas tensões de necessidade. Inicialmente, o tempo é vivenciado de um modo concreto, quando a criança percebe que, periodicamente, a mãe atende às suas necessidades. Posteriormente, em uma configuração mais realista e abstrata, reproduzem-se as vicissitudes destas primeiras relações.
Se a mãe for suficientemente adequada, a criança concluirá este primeiro estágio com um forte sentimento de confiança, que terá a sua expressão máxima na capacidade de ter “fé”. Portanto, a fé é a virtude que emerge desta primeira fase da existência. A representação institucional da fé é “a religião”. Assim, do ponto de vista de Erikson, a religiosidade humana é forjada nos primórdios da existência.
·       Segundo estágio : Autonomia versus Vergonha e Dúvida
Através da modalidade “retentiva/expulsiva”, a criança do segundo estágio da vida manifesta impulsos contraditórios tais como “agarrar e soltar”, “deter ou deixar ir”, e outros que envolvem maturação muscular, verbalização e habilidades em coordenar um certo número de atividades, que terão repercussão nas expressões de sua personalidade .
A forma como o controle esfincteriano é conduzido pelo ambiente pode determinar o fortalecimento da autonomia, que a criança deseja experimentar ou, então, a privação da progressão adequada de seu desenvolvimento, permitindo a emergência de sentimentos de vergonha e/ou dúvida em relação a si própria e aos outros que cuidam dela.
“Da certeza da bondade interior, emanam a autonomia e o orgulho e, da maldade, a dúvida e a vergonha”. A consciência de autonomia é construída a partir da confiança básica. Segundo Erikson, o ambiente deve apoiar a criança em seu processo de “sustentar-se sobre os próprios pés”, de forma a não sentir-se exposta indevidamente aos olhos do mundo. Este estágio contém as vicissitudes da “fase anal”, descrita por Freud.
Erikson enfatiza que a expressão deste conflito na adolescência é manifesto na autocerteza ou na inibição, na vontade de afirmação pessoal ou na dúvida quanto a própria afirmação.
Com autonomia e confiança, o jovem será capaz de lutar pelos seus próprios direitos e pelos direitos dos outros. Com inibição e desconfiança, não conseguirá usufruir das oportunidades que a vida lhe oferece. As tensões musculares esfincterianas e as suas manifestações orgânicas poderão ser a expressão corporal de sua tensão psicológica e social.
A virtude derivada deste período é o “poder da vontade” e o “sentimento de justiça”, que têm, no princípio da “lei e da ordem”, a sua representação institucional.
·       Terceiro Estágio: Iniciativa versus Culpa
Nesta etapa da vida, a oposição ativo/passivo do período anterior é substituída pela polaridade fálico/castrado. Este estágio tem seu correspondente descrito por Freud como “fase fálica.” Neste momento, a excitação sexual, onde quer que se inicie, concentra-se cada vez mais nos genitais.
Segundo a visão de Erikson, a criança deste período apresenta uma capacidade “intrusiva” de se impor ao mundo, que se manifesta de forma cada vez mais vigorosa e extensiva. Portanto, as atividades infantis se concretizam, amplamente, através da intrusão no espaço, pela locomoção; da intrusão no desconhecido, pela curiosidade insaciável; da intrusão no ouvido de outras pessoas, através da voz agressiva; da intrusão no corpo do outro, pelo ataque físico e também através da possibilidade do phallus introduzir-se no corpo feminino.
A oposição feminino/masculino e, portanto, a identidade de gênero tem seu acabamento na adolescência na proporção da reedição e elaboração deste conflito iniciativa versus culpa, que tem a sua origem na fase edipiana, descrita por Freud.
As experimentações dos adolescentes e as suas explorações motoras e sexuais relembram as “explorações titubeantes” das crianças na busca de suas possibilidades de auto-conhecimento.
A culpa, que compõe o conflito nuclear deste período, advém da rivalidade e do ciúme entre irmãos por uma posição favorável junto dos pais e pelo desejo incestuoso, ameaçado pela angústia gerada pelo temor de castração. O gosto pela competição, a persistência nos objetivos, o prazer da conquista, do ataque, a determinação, a iniciativa e a perseverança são todas expressões de conduta herdadas deste estágio da vida e se manifestam com vigor na adolescência.
As primeiras representações das vicissitudes da identidade sexual são impregnadas das vivências desta fase e são analisados dentro da situação de conflito triangular, resumida na expressão “Complexo de Édipo”. Elas não dependem simplesmente da conduta dos pais, mas de como foram experimentadas pela criança. É importante ter-se em mente que o esquema teórico do complexo de Édipo puro é uma abstração. Na vida, as posições positivo e negativo, ativo e passivo se misturam. O que acontece naturalmente é que uma das tendências é dominante ou sufocada, evidente ou latente, consciente ou reprimida. A partir da repressão maciça dos desejos edípicos, torna-se possível a evolução do desenvolvimento da criança, que, abdicando dos conteúdos do “seio materno”, passa a vislumbrar a possibilidade do prazer de experimentar o “leite da sabedoria” e, se esquecendo dos “orifícios concretos do corpo materno”, encontra nos “tubos de ensaio” da ciência a sua maior realização. A criança que finaliza este terceiro período da vida descortina os horizontes éticos e estéticos da cultura .
A virtude que emana deste período é a “determinação”, que não encontra na sociedade uma instituição específica, mas, no dizer de Erikson, permite traçar um ethos de ação, faz emergir um sentimento moral que estabelece as fronteiras do permissível e do possível, inserindo a criança na realidade concreta imposta pela civilização.
·       Quarto estágio: Produtividade versus Inferioridade
Erikson considera que, neste estágio, cessa a dependência total da criança em relação aos pais e a identificação toma o lugar do amor objetal. O trabalho escolar e a atividade em grupo passam a constituir o centro da vida da criança, transportando-a para além dos limites da família. Ele acredita, como Anna Freud que, com a influência educacional, a criança adquire a fortaleza e a competência necessárias para dominar tanto a realidade, quanto o instinto.
Corroborando a contribuição de outros psicanalistas, Erikson confirma que a criança será derrotada pela puberdade, se não passar pelo período de latência. Como Freud, Erikson enfatiza a importância do desenvolvimento bifásico da sexualidade, que prolonga a infância e representa condição singularmente humana, responsável pelas realizações do homem.
“É neste estágio que o indivíduo descobre que a cor de sua pele e os antecedentes de sua família decidem também o seu valor social. A partir daí, o sentimento de produtividade da criança passa a competir com o seu sentimento de inferioridade.
O conflito aprendizagem versus paralisia operacional, vivenciado pelo adolescente, reflete a sua ambivalência na aceitação do que lhe é oferecido para se realizar como ser integrado à sociedade e, consequentemente, o sentimento de compartilhar ou não com a identidade tecnológica de seu tempo.
A virtude deste momento da vida é a “competência” e a instituição emergente é a “tecnologia”. No dizer de Erikson, o indivíduo que nega a tecnologia está negando o período de latência.
·       Quinto estágio: Identidade versus Confusão de Identidade
Tendo alcançado a Adolescência, a pessoa passa a se contemplar dentro de uma perspectiva histórica. Adquire a capacidade de avaliar as condições do passado que determinaram o presente e, a partir da síntese de suas experiências, vai concebendo o futuro. A Identidade é o tema central deste momento em que o jovem toma consciência de todos os requisitos que são exigidos dele para que atinja a maturidade.
Para Erikson, a “fidelidade” é a virtude e a “sociedade” é a instituição para aqueles que alcançaram a consciência da singularidade individual. A consolidação deste processo gera a solidariedade com os ideais do grupo social e incentiva a busca das próprias raízes, representadas pelas gerações mais velhas, as tradições, os costumes e os valores do passado.
Na adolescência, ocorre o reconhecimento mútuo entre o indivíduo e a sociedade. A sociedade confirma o jovem como portador de novas energias e o jovem reconhece a sociedade como um processo vivo que inspira lealdade, honra e confiança.
·       Sexto estágio: Intimidade versus Isolamento
O pré-requisito para se alcançar “a intimidade” é a consciência de Identidade, adquirida na adolescência. O reconhecimento do outro só se dá a partir do próprio reconhecimento. O jovem adulto só será capaz de viver genuinamente o amor, após a transposição adequada dos estágios anteriores. A intimidade ou o isolamento advém da incapacidade pessoal de desenvolver um relacionamento íntimo com pessoas do sexo oposto, acenando como possibilidade de fixação a etapas anteriores da vida. O “amor” é a virtude deste período.
·       Sétimo estágio: Geração versus Estagnação
Neste estágio, “a geração” significa a capacidade de orientar e guiar pessoas, de criar uma família e assegurar o desenvolvimento adequado de seus membros. A estagnação é a contrapartida negativa da geração. A capacidade de liderança versus confusão de autoridade é o conflito que, preexistindo na adolescência, antecipa o sucesso ou o fracasso deste etapa do desenvolvimento. A virtude deste momento evolutivo é o “cuidado” e as instituições são todas as que entrelaçam as responsabilidades da família, do trabalho e da sociedade no processo de continuidade da vida.
·       Oitavo estágio: Integridade versus Desesperança.
O sentimento de integridade preenche os dias daqueles que já passaram por muitas crises na vida e as enfrentaram com sucesso. O desespero advém do sentimento de que o tempo é curto para se tentar recomeçar e dar novo sentido à existência.
Para Erikson, a “sabedoria” é a virtude que emerge desta última idade, porque “somente quem zelou pelas coisas e pessoas e se adaptou aos triunfos e desapontamentos do ser é verdadeiramente gerador de outras vidas e criador de idéias. O indivíduo íntegro deste último estágio é capaz de viver um amor liberto do desejo de transformar as pessoas e aceita que cada é responsável pelo próprio destino.
1.4.4- Jean Piaget (1896 - 1980 )
Piaget privilegiou os processos do pensamento e contribuiu para a elucidação dos aspectos cognitivos da criança e do adolescente .
Afirma que o desenvolvimento é uma busca constante de equilíbrio, uma passagem contínua de um estado de equilíbrio inferior para outro de equilíbrio superior. Assim, o corpo está em evolução até a conclusão do crescimento e a maturidade dos órgãos. A inteligência também evolui da instabilidade e incoerência das idéias infantis até a sistematização do raciocínio adulto, o mesmo ocorrendo do ponto de vista da vida afetiva e social do indivíduo.
No entanto, a forma final do equilíbrio orgânico é mais estática do que o desenvolvimento da mente, porque as funções da inteligência e da afetividade apresentam um equilíbrio dinâmico, que permite um progresso cada vez maior.
O mecanismo deste equilíbrio consiste no ato de “assimilar” o mundo exterior às estruturas já construídas do sujeito e “acomodar” estas estruturas aos objetos externos. Piaget dá o nome de “adaptação” ao processo final resultante destas assimilações e acomodações. Assim, assimilando os objetos, o pensamento e a ação são obrigados a se acomodarem a estes, reajustando-se a cada ocasião das mudanças exteriores. Desta forma, o desenvolvimento mental aparecerá em sua organização progressiva como uma adaptação sempre mais precisa à realidade.
Piaget distingue quatro estágios ou períodos do desenvolvimento, que se iniciam com os comportamentos elementares do lactente e seguem até a adolescência. Cada estágio é caracterizado pela aparição de estruturas originais, cuja construção autoriza diferenciá-los dos outros estágios.
·       Primeiro período: Inteligência Sensório-motora ( 0 a 24 meses)
Durante este período, tudo que é sentido e percebido é assimilado à atividade própria da criança. O próprio corpo não está dissociado do mundo exterior e Piaget fala de uma fase de egocentrismo integral.
Neste espaço de tempo, a criança evolui da não permanência para a permanência do objeto, que corresponderia a não buscar ou buscar ativamente as coisas que escapam de seu campo visual. A capacidade de representação mental marca a sua entrada no próximo período.
·       Segundo período: Pré-Operatório (de 2 a 7 anos)
Observa-se agora os resultados concretos da evolução do pensamento, da linguagem e da conduta. A criança se expande com a aquisição da função simbólica.
Através das atividades lúdica, ela reproduz as situações vividas, que a impressionam, não podendo refletir sobre elas, porque ainda não é capaz de separar o próprio pensamento da ação. O jogo torna-se para a criança um meio de adaptação, tanto intelectual quanto afetivo, transformando a realidade, às vezes, penosa, em algo suportável ou agradável.
Piaget fala de um egocentrismo intelectual durante este período, em que a criança ainda não consegue discriminar as suas percepções.
A sua conduta é pautada pela subjetividade de seu pensamento e pela sua impossibilidade de se colocar no lugar do outro.
·       Terceiro período: Operações Concretas (7 a 11-12 anos)
Este período marca um grande progresso quanto à socialização e à objetividade do pensamento. A criança já é capaz de fazer descentralização, tanto no plano cognitivo, quanto afetivo e moral. Ela torna-se capaz de coordenar diversas idéias e tirar as suas conclusões. As operações do pensamento são ainda concretas, porque elas alcançam somente a realidade susceptível de ser manipulada.
No final deste período, as crianças, quando em grupo, já são capazes de uma verdadeira cooperação e a heteronomia vai gradativamente cedendo lugar à autonomia.
·       Quarto período: Operações Formais (Adolescência)
Nesta fase da vida, os processos cognitivos, a afetividade e as novas relações sociais desenvolvidas se revestem de inexcedível importância. Piaget não circunscreve cronologicamente este período como faz com os outros. “Após os 11 ou 12 anos, o pensamento formal torna-se possível ... e também a construção dos sistemas que caracterizam a adolescência.
Sob o ponto de vista intelectual, com o surgimento do pensamento formal, torna-se possível a coordenação de operações, que não existiam anteriormente. O adolescente, movido por interesse crescente, começa a procurar não mais apenas soluções imediatas, mas constrói sistemas, tentando alcançar uma verdade mais geral.
Segundo Piaget, as operações formais (pensamento hipotético-dedutivo), que emergem, fornecem um novo poder ao adolescente, permitindo ao jovem desenvolver as reflexões e formular, a seu modo, as teorias. Esta é uma das manifestações que distingue a adolescência da infância, ou seja, a reflexão espontânea e livre. Observa-se ainda um egocentrismo intelectual, manifesto pela crença onipotente do pensamento, como se o mundo devesse submeter-se aos seus sistemas e não estes, à realidade.
Paralelamente, a vida afetiva do adolescente afirma-se através da conquista da própria personalidade e de sua inserção progressiva no mundo adulto.
Para Piaget, a personalidade resulta da autosubmissão, implicando em autonomia que se opõe à anomia ou à heteronomia. A pessoa se torna solidária com as relações sociais que ela produz e mantém. Significa também a descentralização da conduta e a integração ativa do adolescente a um programa social de cooperação.
Segundo Piaget, o adolescente pretende inserir-se na sociedade através de projetos de vida, muitas vezes teóricos, que englobam planos de reforma política e social, mas estes programas estão intimamente ligados às suas relações interpessoais, assumindo mais a forma de uma hierarquia de valores afetivos que um sistema teórico.
Afirma que as sociedades dos adolescentes são sociedades de discussão, pequenos cenáculos, onde o mundo é reconstruído em comum, através do discurso livre e sem fim, que combate o mundo real. É o tempo dos movimentos da juventude e das grandes manifestações de entusiasmo coletivo. O equilíbrio é atingido, quando “a reflexão compreende que a sua função não é contradizer, mas interpretar a experiência e a verdadeira adaptação à sociedade vai-se efetuando na proporção em que o adolescente evolui de transformador para realizador”.
1.4.5. Adolescência na perspectiva psicanalítica atual
À luz da psicanálise, Arminda Aberastury e Maurício Knobel destacam a adolescência como uma fase dentro de todo o processo evolutivo, que sucede, num continuum, à infância. Reinterpretam e sistematizam as construções teóricas introduzidas ao longo deste século e focalizam:
·       a progressiva transformação corporal introduzida pela puberdade e as suas repercussões na vida do jovem.
·       a evolução do desenvolvimento cognitivo e a convivência com infinitas possibilidades intelectuais.
·       a gradativa construção da identidade e o acesso do adolescente aos limites de suas próprias fronteiras.
·       as modificações crescentes da socialização e o rompimento das demarcações familiares com a busca da amplitude da humanidade.
1.4.5.1- Arminda Aberastury e o Processo de Luto
Segundo Arminda Aberastury, as transformações psicológicas desta etapa da vida têm correlação com as mudanças corporais da puberdade e levam o adolescente a estabelecer novas relações com seus pais e com o mundo. Esta revolução pode ser comparada a um processo de luto. O conceito de luto veicula idéias de perdas reais e simbólicas, que são elaboradas num tempo que tem dimensões muito pessoais. Em vista disto, fases observadas e descritas de negação, ambivalência, agressividade, interiorização são descritas como a manifestação de todo um conjunto de defesas necessárias para a resolução satisfatória deste período da existência.
Assim, inicialmente, o adolescente nega as suas transformações. Em seguida, sofre a ambivalência entre a necessidade de progredir e o desejo de se manter no estágio infantil. Avalia os ganhos e sofre profundamente as perdas. Vive a digressão, questiona a família e o mundo. Rompe vínculos e parte na busca de si junto com outros que vivenciam o mesmo processo ou, se isola, se interioriza, na tentativa de compreender este momento evolutivo. No final da adolescência, ocorre a sua aceitação como pessoa, que deve continuar a sua trajetória na busca de sua própria maturidade.
Descreve que os lutos que o adolescente precisa elaborar são: o luto pelo corpo infantil, o luto pela identidade infantil e o luto pela bissexualidade.
·       Luto pelo corpo infantil
Com o advento da puberdade e todo o conjunto de modificações somáticas que a acompanham, o indivíduo percebe que, progressiva e inexoravelmente, vai-se transformando em adulto. Todo este processo, no entanto, é vivido de forma incoercível, como uma invasão agressiva, deixando o adolescente perplexo e impotente. A auto-imagem construída ao longo dos anos tem que ser, agora, reformulada a partir da construção de um novo esquema corporal e de novas modalidades relacionais consigo próprio e com o mundo. O sofrimento pela perda do corpo infantil fará o adolescente atuar de forma intensa a nível mental ou através da expressão motora pela ação. As suas idéias revolucionarias de reformas políticas ou sociais, os seus movimentos em defesa do meio ambiente e da ecologia nada mais são do que expressões de agressividade e protesto frente à frustração de se ver mudando sem ter sido consultado e de assistir impotente às próprias transformações.
A atuação motora do adolescente, associada à auto-estima debilitada e à inabilidade em conviver com o próprio corpo explicam, em parte, a grande incidência de acidentes a que está sujeito.
·       Luto pela identidade infantil
Durante a infância, os pais podem tudo pela criança. Na adolescência, o adolescente tem que aprender a poder tudo por ele mesmo. A dependência é a relação lógica e natural da infância. O adolescente aspira pela autonomia, mas a dependência dos pais ainda é muito necessária, porque ele se sente imaturo. Na tentativa de elaborar o luto pela dependência infantil, o adolescente manipula a afetividade. Brigando, questionando, talvez seja mais fácil a separação, mas não menos dolorosa. Enfrentar os pais é enfrentar o mundo, conquistar um espaço seu, antes ocupado por eles. Trata-se de uma verdadeira revolução no meio familiar e social, criando um problema de gerações nem sempre bem resolvido.
Dependência e agressão estão intimamente ligados. Quanto mais uma pessoa permanece dependente de outra, mais agressão ela terá latente dentro de si. Depender de uma pessoa significa estar em poder dela, sentindo este poder como uma influência restritiva que deve ser superada.
·       Luto pelos pais da infância
O adolescente tem que elaborar o luto pelos pais da infância. Com a conquista do pensamento formal, o adolescente atinge a etapa final de seu desenvolvimento cognitivo. Isto significa que ele constrói a realidade de forma mais precisa e preenche com hipóteses os espaços e falhas das construções infantis. O pensamento mágico da infância também se torna passado. As figuras parentais agora são vistas a partir de uma realidade mais concreta e podem, muitas vezes, constituir-se em pessoas muito simples. “Os pais não poderão mais funcionar como ídolos e líderes e torna-se difícil para o adolescente abandonar a imagem idealizada dos pais que ele próprio criou” .
Acontece que também os pais participam do sofrimento dos filhos e têm que elaborar, neste momento de crise, o luto pela perda do filho criança e da relação de dependência infantil. Neste advento de rebelião e iconoclastia, eles são julgados pelos próprios filhos e isto se torna muito doloroso se o adulto não tem consciência de seus problemas junto ao adolescente. Para os pais, buscar uma relação madura com os seus filhos adolescentes significa o confronto com a sua própria realidade, o enfrentamento do porvir e da morte e o repensar de todas as suas possibilidades perdidas, que se abrem fascinantes para o jovem em pleno desabrochar de sua sexualidade.
·       Luto pela bissexualidade
O adolescente tem que elaborar o luto pela bissexualidade, que consiste na definição de um papel sexual e no exercício da sexualidade com responsabilidade. O menino tem que renunciar de forma definitiva a seu desejo de ter um bebê e a menina tem que renunciar à onipotência materna. A evolução natural deste processo, que vai do auto-erotismo até a heterossexualidade, faz o adolescente reviver todas as etapas de sua sexualidade infantil. Inicialmente, o adolescente vive o amor sincrético, porque o seu objeto de amor é ele mesmo. Será preciso um longo caminho a percorrer para que a necessidade de ser amado se funda à necessidade de amar, que a necessidade de receber se funda à necessidade de dar, de forma que ele possa viver uma sexualidade amor que transborde na direção do outro como pessoa humana, com todas as conseqüências que advêm.
1.4.5.2- Maurício Knobel e a Síndrome Normal da Adolescência
Maurício Knobel observa que o adolescente vivencia “desequilíbrios e instabilidades extremas” com expressões psicopatológicas de conduta, mas que podem ser analisadas como aceitáveis para o seu momento evolutivo, pois constituem vivências necessárias para se atingir a maturidade. Reúne sob a denominação de “síndrome normal da adolescência” ou “normal anormalidade da adolescência” ao conjunto de sinais e sintomas que caracterizam esta fase da vida e que são:
·       Busca de si e da identidade
A identidade, “consciência que o indivíduo tem de si como um ser no mundo”, é construída ao longo da vida e tem especial importância na adolescência. As transformações progressivas do corpo e do esquema corporal levam o adolescente a adotar sucessivos modos de conduta em diferentes situações, que constituem variações circunstanciais, transitórias e ocasionais da identidade adolescente.
O conceito de identidade engloba vínculos de integração espacial, temporal e social, introduzidos por Grimberg. O vínculo de integração espacial está relacionado com a representação que o indivíduo tem de seu corpo com características que o tornam único. O vínculo de integração temporal corresponderia à capacidade do indivíduo de se recordar no passado e de se imaginar no futuro, sentindo-se o mesmo ao longo de sua vida. O vínculo de integração social se inscreve nas relações com figuras significativas em sua trajetória existencial.
Na busca de sua identidade, o adolescente recorre a situações que se apresentam as mais favoráveis no momento. Uma delas, é “a uniformidade”, o processo de identificação em massa, que explica o “fenômeno grupal”. Maurício knobel enfatiza que, na proporção em que o adolescente vai aceitando simultaneamente os seus aspectos de criança e adulto, começa a surgir a nova identidade.
·       Tendência grupal
M. Knobel assinala que a busca de uniformidade é um comportamento defensivo que proporciona segurança e estima pessoal. O fenômeno grupal adquire uma importância extraordinária na adolescência, porque o indivíduo transfere para os pares parte da dependência que mantinha com a família. Assim, a dependência do adolescente aos valores do grupo é escravizante. Precisa de aplausos, julgando-se sempre conforme a sua aceitação exterior. Ele não pode perceber ainda que a busca da aprovação dos outros é a busca de sua própria aprovação.
No início da adolescência, a turma é formada por companheiros do mesmo sexo, mas, na medida em que amadurecem, assumindo sua condição sexual, sentem-se mais livres para aproximar dos adolescentes do sexo oposto.
A turma constitui uma transição necessária no mundo externo para se alcançar a individuação adulta.
·       Necessidade de fantasiar e intelectualizar
A necessidade de fantasiar e intelectualizar se intensificam e dominam o pensamento do adolescente, como mecanismos de defesa frente as situações de perda . A vivência dos lutos outorgam um sentimento de depressão e fracasso frente a realidade externa. É na adolescência, que nascem os escritores e poetas, trazendo uma bagagem revolucionária própria de cultura para o mundo.
·       Crises religiosas
Segundo Maurício Knobel, o adolescente pode se manifestar como um “ateu intransigente” ou um “místico fervoroso”, vivendo uma variedade de posicionamentos entre estes dois extremos. Isto reflete sua angústia interna, no confronto com a sua possibilidade de morte e de perda de seus pais. As figuras idealizadas oferecidas pela religião lhe permite a garantia de continuidade de sua própria vida e daqueles que lhe são queridos.
·       Deslocamento temporal
O adolescente vivencia uma crise de temporalidade. A criança vive as limitações do espaço e do tempo, dentro dos limites de seu pensamento concreto. O adulto tem a noção da infinitude espacial e da temporalidade da existência. Na adolescência, estas noções se misturam, se confundem e o adolescente passa por um período de sincretismo. Ele apreende o processo de discriminação temporal, passando pela tentativa de manejar o tempo de forma concreta e evoluindo para a própria consciência histórica individual e coletiva.


·       Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade
Reeditando a infância, através da masturbação, o adolescente revive a fase de manipulação dos órgãos genitais pelo lactente e, portanto, esta atividade tem características exploratórias, de autoconhecimento. A masturbação pode servir como modalidade de descarga de tensão, negação onipotente da existência de outro sexo e, também, através dela, o adolescente pode elaborar a necessidade de um companheiro sexual. A culpa e a ansiedade podem acompanhar este processo. Outras saídas tensionais para esta fase são identificadas através das atividades de roer unhas, sugar lábios, gagueiras, resmungos, levar mãos aos lábios e torcer cabelos. Outras vezes, os adolescentes apresentam voracidade oral, atividades sádicas anais, expressas na linguagem suja e na indiferença pela limpeza. Inicialmente, os meninos evitam a presença das meninas e a solução defensiva deste momento é a tendência grupal, chamada fase homossexual da adolescência.
Gradativamente, na proporção em que se sentem mais seguros de sua identidade sexual, os adolescentes vão se aproximando de seus pares do sexo oposto. Às vezes, observa-se condutas femininas nos rapazes e masculinas nas moças, que correspondem a aspectos da elaboração edípica. É importante assinalar que a cordialidade nas relações com os pais facilita as relações com as pessoas do sexo oposto.
A sensação de estar apaixonado é um dos componentes mais importantes da vida do adolescente e, neste momento, tem características de vínculo intenso e frágil, que tende a evoluir para o amor maduro, na medida da cristalização da masculinidade e feminilidade.
·       Atitude social reivindicatória
Grande parte da oposição que os adolescentes vivem com relação à família é transferida para o meio social, projetando no mundo externo as suas raivas, as suas rejeições e as suas condutas destrutivas. O adolescente pode sentir que ele não está mudando e que são os pais e a sociedade que se negam a ter com ele uma atitude provedora e protetora. Esta é a base da atitude social reivindicatória.



·       Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta
Estas condutas contraditórias são expressões da identidade adolescente, transitória ocasional e circunstancial.
·       Separação progressiva dos pais
Esta é uma das tarefas básicas dos adolescente, que pode ser facilitada por figuras parentais suficientemente adequadas.
·       Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo
O processo de luto da adolescência é permeado pela depressão e ansiedade, substrato natural das alterações de humor dos adolescente.
Maurício Knobel deixa claro que “somente quando o mundo adulto compreende e facilita adequadamente a tarefa evolutiva do adolescente, ele poderá desempenhar-se satisfatoriamente, elaborando uma personalidade mais sadia e feliz” ..

1.5-SÍNTESE


A construção do arcabouço teórico do desenvolvimento foi realizado através de estratificações sucessivas do conhecimento, que foram se tornando cada vez mais sólidas e que revelam aspectos fundamentais:
·        A adolescência é um momento de expansão e crescimento, intermediário entre a infância e a fase adulta, caracterizado por transformações somáticas, psicológicas e sociológicas, que conferem ao adolescente características próprias e idiossincrásicas.
·       Na puberdade, o programa genético humano é ativado pelas mudanças hormonais e o adolescente se percebe engajado em comportamentos tanto de predação, quanto de cooperação, e a natureza humana se manifesta em sua mais pura expressão agressiva e sexual.
·       A estrutura psíquica do adolescente revela um id forte, que acompanha os processos fisiológicos da puberdade, e um Ego fraco, que tem que desenvolver mecanismos de defesa para não sucumbir ao incremento das forças instintivas.
·       Trata-se de um tempo de crise vital, de crise normativa, em que o indivíduo se vê, pela primeira vez, sob uma perspectiva histórica. Reedita as etapas anteriores de seu desenvolvimento, realiza a síntese de suas experiências vivenciadas e se propõe projetos para o futuro.
·       A emergência do pensamento formal permite ao adolescente a vivência e a expansão de sua capacidade cognitiva. O pensamento mágico da infância vai se tornando passado e o adolescente vai aprendendo a conviver com a realidade, que se configura, muitas vezes, dolorosa para ele.
·       A conquista da possibilidade de socialização cada vez mais ampla leva o adolescente, sedento de liberdade, a deixar o âmbito da família e ganhar a amplitude dos limites da humanidade.
·       Ele vive e elabora lutos, dá o salto para definição progressiva da identidade, percebendo que as suas perdas tomam dimensões temporais bem concretas. A partir de um substrato depressivo, em um tempo bem individual, o adolescente reestrutura a própria vida.
·       Nesta fase da vida, o adolescente, reescreve a própria história, a partir de uma nova interpretação de suas experiências vividas na infância, podendo definir o fracasso ou o sucesso de sua trajetória pela vida.
·       Em meio à expansão radical de todas as áreas de conduta, nas vicissitudes de suas transformações radicais, ergue-se o adolescente, em busca de si, desejando experimentar todas as suas possibilidades. Nesta perspectiva, ele pode correr riscos e tornar-se vítima de sua própria intrepidez.

1.6- Referências Bibliográficas

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Marília de Freitas Maakaroun*- Pediatria, Psiquiatra da Infância e Adolescência, Hebiatra, Professora Doutora da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais.

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