domingo, 9 de outubro de 2011


Trabalho publicado na revista do NETE – Jul/dez – 2006, vol. 15 no. 2 - Trabalho & Educação, ISSN 1516-9537, editada pela FAE-UFMG

TRABALHO E EDUCAÇÃO: EM BUSCA DE UMA SÍNTESE
Work and Education: In search of a synthesis

SILVA, Gilmar Pereira da[1]
Resumo
O presente trabalho é resultado parcial de levantamento bibliográfico de tese de doutorado do autor, intitulada “Trabalho, Educação e Desenvolvimento: O norte da educação da CUT na Amazônia”. O artigo busca refletir a respeito da relação Trabalho, Educação e Desenvolvimento, tendo como referência o trabalho como princípio educativo.
Palavras-Chave: Trabalho; Educação; História

ABSTRACT
The present work is a partial resulto f a bibliographical survey of author’s doctorate thesis, entitled “Work, Education and Development: The nort of the education of the CUT in the Amazon Area”. The article searches to reflect on the relation Work, Education and Development, having as reference the work as educative principle.
Key-words: Work; Education; History.


[1] Professor adjunto de Sociologia UFPA
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, faz-se uma reflexão a respeito da relação Trabalho e Educação, propondo uma discussão sobre a importância que o trabalho ocupa nas relações humanas e fazendo uma análise do Trabalho e da Educação, numa perspectiva histórica. Discute-se, também, o trabalho como princípio educativo, como fundamentação para a relação entre Trabalho e Educação.
O artigo evidencia a enfermidade do processo de trabalho, tendo em vista o avanço tecnológico, que tem induzido muitos a trocar “a forma pelo conteúdo”. Em outras palavras, responsabiliza-se a engrenagem tecnológica pelos problemas do desemprego e subemprego, esquecendo que a tecnologia não é obra dos deuses, faz parte das ações humanas. Logo, cabe ao homem decidir utilizá-las de forma racional ou irracional. Não se pode, contudo, deixar de reconhecer os benefícios que o avanço tecnológico vem trazendo para a humanidade.

Este trabalho faz parte do levantamento teórico feito pelo autor, para elaboração de sua tese de doutoramento e muito do que se afirma neste artigo se fundamenta nas teorias dos autores como Paiva (1987); Frigotto (1996, 2002); Nosella (2002); Schaff (1995); Marx (1983); Freire (1974); Gramsci (1995), dentre outros.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A educação dos trabalhadores no Brasil, em grande medida, sempre esteve ligada ao processo produtivo ou a alguma ação ideológica de manutenção do poder, o contrário disto só ocorreu quando a classe oprimida ficou nitidamente em posição de confronto com a classe dominante. Então se pensou uma educação que rompesse com a educação da conformidade, entendendo-se por “conformidade” aquele tipo de educação que tem entre seus objetivos a manutenção do status quo. Paiva (1987) destaca muito bem como têm ocorrido as mobilizações por educação no Brasil:
A mobilização brasileira em favor da educação do povo, ao longo de nossa história parece realmente ligar as tentativas de sedimentação ou de recomposição do poder político e das estruturas socioeconômicas, fora ou dentro da ordem vigente, entre nós, os impedimentos criados ao voto do analfabeto estão na raiz das tentativas de transformar a sociedade através de eleições. Mas a educação também passou a ser vista como instrumento de mudança das estruturas da sociedade e de tomada de poder, quando a diferença ideológica se configurou com nitidez entre nós e os grupos contrários à ordem vigente (PAIVA, 1987, P.297).
A reflexão de Paiva (1987) nos dá a idéia clara de como tem sido construída a luta por educação no Brasil, sobretudo para os mais pobres, uma vez que, para os mais ricos, a Educação está garantida, e não poderia ser outra senão a afirmação e manutenção do status quo.
Do ponto de vista estatal, nunca houve uma política com objetivos claros de romper com essa dinâmica, o que não poderia ser de outra forma, uma vez que a lógica institucional sempre esteve ligada ao grupo dominante. O capital preconiza o lugar de cada um na sociedade, cabendo àqueles que tiveram acesso aos meandros da erudição um lugar nos espaços social, político e econômico; por outro lado, àqueles que, por seu lugar no processo produtivo, não tiveram senão os princípios dos rudimentos das engrenagens fabris ou de serviço, o seu lugar está reservado em conformidade com a forte afirmação bíblica: “ganharás o pão com o suor do teu rosto”. Frigotto (2002) considera como possibilidade de mudanças dessa realidade a necessidade da abolição de fronteiras entre o manual e o intelectual.
O problema situa-se, então, na luta pela dissolução do caráter de mercadoria que assume a força de trabalho e o conjunto das relações sociais no interior do capitalismo e, consequentemente, na abolição das fronteiras entre trabalho manual e o trabalho intelectual. (FRIGOTTO, 2002, P.23).
Como se pode verificar, a dicotomia trabalho manual e trabalho intelectual, conforme o autor, sugere que a dinâmica do processo de dominação tem ai um de seus mais significativos pilares. Essa disposição de fazer uma síntese entre Trabalho e Educação, tendo como elemento verticalizador o trabalho manual e o trabalho intelectual, parece-nos, dá a dimensão da assimetria existente nas sociedades de classe, onde àqueles que não têm posse cabe o dispêndio de forças para mover a engrenagem, entendida, não apenas como maquinal, mas, sobretudo, como o conjunto da sociedade. Para superação de tal processo, é necessário reconhecermos que “[...] o avanço das propostas de trabalho-educação passa hoje por uma leitura crítica das formas que as relações de trabalho assumem nos setores de ponta do capitalismo, no campo, na indústria, nos serviços”. (FRIGOTTO, 2002, p.25).
Ou seja, não é de qualquer trabalho que estamos falando, é da sofisticação de um processo novo de trabalho, que mesmo com as raízes fincadas nas origens, não se fundamenta mais exclusivamente nestas, o saber operário continua interessante, mas não é só, é preciso valorizar, também, o conhecimento das técnicas agrícolas e dos serviços, ou seja, a classe operária não pode mais ser responsabilizada sozinha pelo processo de transformação. É possível, ainda, colocar para além dos setores fundamentais citados por Frigotto, na radicalidade desta questão, aqueles que, pela sofisticação da técnica e, sobretudo, da política sobre estas, não estão em setor “nenhum” da economia, ou seja, são as levas de “desempregados”, sejam eles do campo (sem terras), da indústria ou dos serviços informais.
Esse sujeito, sem dúvida, deve ser levado em conta em qualquer tentativa de construir uma proposta de educação baseada numa compreensão que se fundamente na relação trabalho-educação, que reconheça na dinâmica atual um processo de dominação e que busque superá-lo. Dessa maneira, a necessidade de analisar a categoria, em um dado momento histórico, é fundamental, uma vez que ela não é amorfa, sem história; ao contrário, é resultado das inter-relações de uma dada sociedade, conseqüentemente, com suas contradições. Nosella (2002) reforça nossas considerações quando afirma que:
A abordagem da categoria “trabalho” pelo método histórico-dialético nega, de saída, que se trata de uma concepção historicamente homogênea, isto é, a noção de trabalho não é uma vaga idéia que se aplica indistintamente a qualquer atividade que o homem faz para sobreviver. A história, pelo contrário, força a diferenciar e a qualificar, ao longo dos séculos, as diferentes formas e concepções de trabalho humano. (NOSELLA, 2002, p.30).
A fala do autor nos chama a atenção para a necessidade que temos de localizar a categoria trabalho no tempo, ou seja, não perder de vista os meandros da história, sob pena de romantizarmos a categoria, esquecendo momentos em que esta esteve colocada como instrumento de tortura imposta, pelo destino, à classe oprimida. Nesse ponto de vista, o sentido da Educação para o trabalho não poderia ser outro senão o adestramento das habilidades manuais, para tirar da terra as riquezas do feudo, como bem continua refletindo Nosella (2002):
O processo educativo congênito desses sistemas consistia de um lado, no aprimoramento reiterativo das habilidades das mãos que trabalham e, de outro na repressão de qualquer movimento da criatividade humana que, por ventura e heresia, teimasse em deslocar o corpo do homem trabalhador neste chão, desta terra ou desta oficina onde “o destino” o fez nascer. Educação era sinônimo de repressão, pois equivalia a cortar qualquer asa dos trabalhadores para que não voassem para longe do seu feudo ou do tripalium do qual naturalmente faziam parte. (NOSELLA, 2002, p.30-31).
Essa noção de trabalho como tortura, na sociedade feudal, tão bem trabalhada por Nosella, além de nos fornecer elementos que nos permitem a construção de um quadro de uma época, permite-nos, também, compreender os avanços e limites que o processo de trabalho vem apresentando ao longo da história. É notório que, a partir da revolução industrial, tem-se buscado sofisticar as ferramentas de trabalho, de tal modo que esse sofrimento físico vem sendo atenuado. Existem aqueles que preconizam mesmo o seu fim; é o caso daqueles que vislumbram o fim do trabalho manual. Schaff (1995) visualiza duas revoluções, do século XVIII aos dias atuais: para ele, a primeira teve o mérito de substituir a força do homem pelas máquinas, enquanto que a segunda tem o propósito de eleminá-la.
A tese que o autor tenta sustentar não pode ser desprezada ao se tratar do avanço da revolução técnico-científica que estamos vivendo; por outro lado, esse tipo de leitura é carente de uma análise política consistente, pois parece dar autonomia à maquinaria, deixando de reconhecer, nesta, um feito humano. Ora, para o que nos interessa, sobretudo em relação à superação da alienação, como bem preconiza MARX (1983), a revolução das técnicas de produção é fundamental, à medida que permite aos sujeitos dar um sentido menos instrumental às suas vidas. Se isso não acontecer, o processo de dominação continuará sendo o grande divisor de águas entre a humanização e a escravidão.
Essa leitura se torna bem atualizada quando se busca analisar os índices de desemprego que assolam boa parte da força de trabalho, hoje, no mundo. Ora, se é verdade que, em tese, a sofisticação da maquinaria provocou a diminuição da necessidade da força de trabalho, é verdade também que houve um avanço extraordinário na produção, seja ela agrícola, industrial e conseqüentemente de trocas comerciais. Essa se configura uma constatação pouco original, à medida que faz parte da reflexão de quase todos os pensadores da atualidade, inclusive Schaff (1995).
A grande contradição é a vontade, de Schaff (1995) de que a sociedade reaja ao estado de exploração ao qual está submetida e, ao reagir, convença as classes dominantes de que não terão que dar outra dinâmica ao capital, permitindo às pessoas oriundas do mercado, e em grande parte expulsas deste, se beneficiarem do acúmulo de riquezas em poucas mãos. Schaff (1995) explicita essas intenções quando trata do desemprego estrutural, na atualidade:
O problema de dezena de milhões de pessoas estruturalmente desempregadas na Europa e de centenas de milhões em todo mundo (isto é, pessoas que estão desempregadas em conseqüências de uma conjuntura desfavorável, mas o estão em conseqüência de mudanças da estrutura de ocupação, através da substituição do trabalho tradicional pelos autômatos) não pode ser resolvido pelo seguro desemprego [...] É necessário que se faça algo de novo. As soluções devem ser outras. Podemos dizer, em termos muito gerais, sem avançarmos nada de específico sobre o que terá de ser feito, que a solução deverá contemplar novos princípios de distribuição de renda nacional, o direito à propriedade até hoje dominante (SCHAFF, 1995, P.29-30).
 Como carta de intenção, a reflexão do autor é bastante significativa e, de forma séria, mostra o seu desejo de uma sociedade mais justa; por outro lado, embora não descarte o embate de classe, os caminhos indicados, parecem muito frágeis, uma vez que a possibilidade dos dominantes cederem, sobretudo nos países periféricos, parece cada vez mais distante.
Torna-se cada vez mais claro que as técnicas estão predominando e, de certo modo, permitindo um crescimento produtivo com proporções fantásticas em relação aos padrões sociais e econômicos de antes, porém, os donos desses meios de produção não dão sinais de que tenham intenção, de distribuir esses bens, sobretudo no Brasil.
O que estamos tentando dizer é que essa concepção de manutenção “dos dedos” em detrimento dos “anéis” não é absorvida, nem por aqueles que detêm os meios, nem por quem tem o papel de operacionalizá-los (classe trabalhadora). Isso não quer dizer que as questões levantadas pelo autor, sobretudo em relação à distribuição de renda e à propriedade privada, não sejam corretas, porém, a forma como se imagina que os que hoje detêm esses meios, sejam materiais ou intelectuais, possam permitir a sua divisão, parece não se sustentar.
Portanto, a tese de finitude do trabalho, como expressão humana, não pode ser entendida, se não considerarmos também finitas as utopias humanas. Desta forma, a idéia de limites é insustentável à luz da história, como afirma Frigotto (1996):
É preciso questionar o pressuposto de que as máquinas incorporam quase todo o trabalho entendido como instrumento de satisfação das necessidades humanas. Isto, em última análise, implica supor que as necessidades, e o trabalho para satisfazê-la, são quantidades finitas. Ora, as necessidades humanas são históricas e não finitas. O trabalho, enquanto processo de criação do homem e de satisfação de suas necessidades, não pode ser considerado finito. Não há, pois, limite técnico nem das necessidades, nem das atividades humanas. (FRIGOTTO, 1996, P.124).
A leitura de Frigotto (1996), feita, anteriormente, também por Nosella, em relação à historicidade do trabalho como criação humana, portanto, histórica e dialética, é interessante para o entendimento do que é humano e do que humaniza. A capacidade de criar e recriar que o ser humano possui deve ser entendida como uma fonte inesgotável de busca e construção de utopias que provocarão em educadores e estudiosos, em geral, a necessidade de aprimoramento, tanto de conteúdos como do processo, na dinâmica trilha em que caminham, pari passu, trabalho e educação, como bem destaca Saviani (1994):
É sabido que a educação praticamente coincide com a própria existência humana. Em outros termos, a origem da educação se confunde com as origens do próprio homem. À medida que determinado ser natural se destaca na natureza e é obrigado, para existir, a produzir sua própria vida é que ele se constitui propriamente enquanto homem. Em outros termos, diferentemente dos animais, que se adaptam à natureza, os homens têm que fazer o contrário: eles adaptam à natureza a si. O ato de agir sobre a natureza adaptando-a as necessidades humanas, é o que conhecemos pelo nome de trabalho (SAVIANI, 1994, P.148).
Como se pode ver, a interpretação do autor nos permite reafirmar a tese da dinâmica histórica do trabalho e, principalmente, como este se movimenta, numa perspectiva dialética em relação ao processo de educação. O homem se dá conta de sua posição no mundo e interage com a natureza, para dela, inicialmente, tirar o seu sustento, em seguida, seus prazeres, suas utopias, etc. Desta forma, trabalho e educação caminham juntos, e é nessa interação, sem previsão de terminalidade, que os homens se tornam cada vez mais humana, numa busca incessante para descobrir formas novas de se firmarem. O interessante é que nada está totalmente acabado, ou seja, que não permita mudanças. É, portanto, nesse processo inacabado que se firma a integralidade humana, apresentado-se fielmente em sua incompletude. A célebre frase de Marx parece se confirmar, agora, mais do que nunca: “Tudo que é sólido desmancha no ar, tudo que é sagrado é profano, e os homens são por fim forçados a encarar com sentidos próprios as reais condições de suas vidas e suas relações com outros homens”. (MARX apud BERMAN, 2001, p.117).
Para  Berman (2001), o sagrado e o profano têm um significado para além do pensamento vulgar que os preconizou, como a existência ou não de Deus, respectivamente. Essa questão é bem mais complexa, como diz o autor:
[...] A segunda metade da oração dessa passagem, em que Marx proclama a destruição de tudo o que é sagrado é mais complexa e mais interessante do que a afirmação materialista típica do século XIX, de que Deus não existe. Marx se move na dimensão do tempo, trabalha para evocar um drama e um trauma histórico ainda em andamento. Afirma que a áurea sacrossanta subitamente deixou de existir e que só poderemos compreender a nós no presente quando confrontamos o que já não existe. [...] como diz Marx estão todos juntos nisso, ao mesmo tempo sujeitos e objetos de um processo de desmantelamento do qual ninguém escapa (BERMAN, 2001, P.117).
Ora, a veemência com que o autor trata as palavras de Marx, sobretudo a idéia de sagrado e profano, remete-nos, principalmente, para a efemeridade do momento em que estamos vivendo, não se trata da existência ou não de um Deus onipotente, mas, da quebra de qualquer paradigma que permita uma leitura finita e objetiva, tanto do sujeito como do objeto. Em outras palavras, tudo é possível ser mudado. Profanar, no nosso entendimento, tem muito mais o sentido inexorável da mudança que se realiza no processo histórico, ou seja, isso representa muito mais que a violação pura e simples do sagrado.
EM BUSCA DE OUTROS SENTIDOS
É na perspectiva já explicitada que entendemos o trabalho não como possibilidade finita, mas como instrumento transgressor e transgredido de uma época. Na realidade atual, o exercício desta dinâmica: transgressor-transgredido é tão fugaz que pode dar a idéia de finitude, como é trabalhado, muitas vezes, por pensadores experimentados. Estes não verificam que, em relação ao trabalho e seu processo, a eliminação de uma maneira de ordenamento pode estar dando lugar à outra e, conseqüentemente, outra forma de ordenamento das ocupações. Dowbor (2001, p.15-16) ressalta a influência dessas mudanças nos mostrando que a agricultura nos Estados Unidos envolve “quando muito 2% da população ativa”, porém, quando levanta os meios para que essa produção se desenvolva; (pesquisa de solo, inseminação artificial, estocagem e conservação), o percentual sobe para, pelo menos, “20% da população americana”.
Para o autor, a agricultura não está desaparecendo, mudou-se a forma de fazer agricultura. É evidente que essa mudança tem conseqüências drásticas, não só no que tange à redução fulminante dos postos de trabalho na atividade primária, mas principalmente, na inserção daqueles trabalhadores nas atividades emergentes, uma vez que o processo educacional e escolar nem sempre estão postos como esse laboratório, agora não mais com o grau de instrumentalidade que se exigia antes; o “saber fazer” tão caro a muitos, hoje, parece exigir uma maleabilidade muito mais profana, que combina o conhecimento mesmo do objeto e de sua construção com a possibilidade de sua transformação, e, ao entender isso, está disposto a conviver com o momento histórico, mas, também, fazendo história.
A mudança de paradigma no processo produtivo é também constatada na indústria, que, mesmo reconhecendo essa mudança, nos faz entender que ela se desloca do seu eixo para outras atividades, reconhecendo que isso s dá em função da dinâmica do processo produtivo. Vejamos o que diz Dowbor (2001):
A indústria com algumas décadas de atraso relativas a agricultura, está seguindo o mesmo caminho. O número de trabalhadores industriais do chamado setor secundário está diminuindo por toda parte, gerando um nível de desemprego inclusive muito sentido nos centros industriais tradicionais do Estado. Mas na realidade enquanto a atividade operacional junto à máquina se reduz rapidamente, desenvolvem-se as atividades de organização, pesquisa, gerenciamento, design e outras que têm sido chamadas de atividades “intrangíveis”, porque não levam a um produto físico, não trabalham com uma máquina concreta, muita gente tem chamado estas atividades com o termo vago de serviços. Mas, na realidade, trata-se de uma forma intensiva de conhecimento a fim de desenvolver atividades de transformação produtiva industrial. (DOWBOR, 2001, p.16).
A idéia de diminuição dos postos de trabalho, portanto, está correta, mas também não é menos correto observar que outras formas de trabalho vão surgindo, e o que é mais patente é que, até o momento, as formas emergentes giram em torno da mobilização das idéias para o desenvolvimento e sofisticação, tanto da máquina quanto de seus operadores.
A exigência educacional, sem dúvida, é bem maior que antes, à medida que novas bases vão sendo montadas, sendo que a possibilidade de instrumentalização do conhecimento pelo grupo dominante continua existindo, sobretudo para aqueles que têm o papel de mero operador das engrenagens. Convencê-los de sua problemática de acesso ao trabalho e que este acesso é resultado de e sua desqualificação é muito mais tranqüilo para quem detém o poder.
O que se verifica é que um processo educacional que conduza à emancipação nunca foi tão necessário como agora, mais do que operar a máquina – movimento simples de realizar – é fundamental que se entenda o processo em que se desenvolve a produção; entendimento que, a nosso ver, só se realiza com uma base científica que leve em conta os diversos ramos da ciência, da cultura e das artes, para que este homem em construção se entenda como tal e busque, na interação com a história, dar conta de sua integridade, que vê ser entendida como a possibilidade de envolver-se tanto com o trabalho manual quanto com o intelectual e tenha a capacidade de se colocar como sujeito, autoridade mesmo, em relação à máquina, que, a nosso ver, quando é colocada como independente da direção humana representa uma posição vantajosa e cômoda para a classe dominante ditar as regras do jogo.
Existem reflexões sobre os limites da sociedade capitalista e, consequentemente, sobre a incapacidade que está tem de planejar, em longo prazo, as necessidades humanas. Isso se dá, sobretudo, pela lógica conjuntural que o capital tem que assumir para continuar sobrevivendo. Para Mèszáros (2002), a saída que o capital tem encontrado é a afirmação ideológica de que não há saída, e, ao fazer isso, cria uma cortina ideológica paralisante, impondo ao indivíduo a afirmação da natureza inalterada do capital. O autor preconiza:
Assim está firmemente estabelecida a base para a mais ampla difusão da crença na conveniente máxima de que “não existe alternativa:”, a qual se espera que, todo indivíduo racional subscreva e, em termos práticos, adote sem reservas. E é assim que o círculo vicioso da segunda ordem de mediações do capital junto o insulto à agressão, reforçando com isso o poder objetivo do sistema estabelecido de dominação estrutural sobre o trabalho por meio da mistificação internalizadora da alegada aceitação livre e espontânea pelo indivíduo de todos os comandos que emanam da natureza inalterável do capital e de sua forma de operação (MÈSZÁROS, 2002, P.88).
Ora, esse estatuto de imutabilidade da lógica atual de gerenciamento das coisas e das pessoas traz em si também as idéias de fim da história, fim da centralidade do trabalho e a possibilidade de o grupo dominante ceder, o que seria, no ditado popular: “ceder os anéis para não perder os dedos”. Fica patente o quanto é difícil saírmos das amarras de uma lógica, sobretudo quando essa lógica traz em si a sofisticaçao ideológica que dá sustentação ao processo socioeconômico, com tanta firmeza.
De acordo com as apologias feita, parece-nos restar apenas o lamento e a tentativa de adequar-se à nova onda, em que o vácuo da história deve ser preenchido pela criatividade de construir alternativas nos marcos determinadas pela dinâmica do capital, considerada perene, com seu padrão de racionalidade estabelecido, no qual, os caminhos podem ser traçados, desde que saibamos que seus limites são as demarcações realizadas pelos agrimensores da história ou da falta dela.
As elucubrações apresentadas já foram tratadas anteriormente, ou seja, a necessidade da classe que está no poder apresentar seus valores como universais é condição sine qua non para que a mesma sustente-se como dominante. Marx (1987) preconizou isso de forma muito clara:
Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela é obrigada, para alcançar s fins a que se propõe, a apresentar seus interesses, como de todos os membros da sociedade, isto é, para expressar isto mesmo em termos ideais: é obrigada a emprestar as suas idéias a forma de universalidade, apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas universalmente válidas (MARX, 1987, P.74).
Analisando essa assertiva marxiana, entendemos que o discurso, em relação à perspectiva de universalidade da classe que está no poder, parece bastante robusto, na medida em que a necessidade de um grupo tornar-se universal sobre os demais pressupõe conformação, mobilização teórico-prática capaz de dar sustentabilidade às suas teses. Dessa maneira a conformação histórica tende a se constituir na infinitude da dinâmica estabelecida para dar solidez à estratégia de universalização de valores e sentimentos.
Trabalho e educação so poderão ser compreendidos como uma função definida que conforma o conjunto da sociedade. “Nada foi melhor antes e muito menos será depois” parece uma crônica que anuncia que a persperctiva de estruturação da sociedade em outras bases, que não a do capital, mesmo com trabalho precarizado, “autômato, substituindo homem”, não passa de heresia, de profanar a sacralização de uma maneira de organização da sociedade que não só teve a ousadia de se propor universal, mas conseguiu adeptos inclusive entre aqueles que, inicialmente, foram capazes de elaborar críticas viscerais ao seu modo de organização.
O saber humano implica uma unidade permanente entre a ação e a reflexão sobre a realidade. Enquanto presenças no mundo, os homens são corpos conscientes que transformam este mundo pelo pensamento e pela ação, o que faz com que lhe seja possível conhecer esse mundo ao nível inflexível. Mas precisamente por esta razão, podemos agarrar a nossa própria presença no mundo, que implica sempre unidade da ação e da reflexão, como objeto da nossa análise crítica. Desta maneira podemos conhecer aquilo que conhecemos colocando-nos por trás das nossas experiências passadas e precedentes. Quanto mais formos capazes de descobrir porque somos aquilo que somos, tanto mais nos será possível compreender porque é que a realidade é o que é. (FREIRE, 1974, P.44).
A fala do educador brasileiro nos permite voltar à máxima clássica que se popularizou não só na academia, mas, sobretudo, no dia-a-dia dos sujeitos que preconizam que o “caminho se faz ao caminhar”. Com base nessa premissa, nada está devidamente acabado a ponto de “não desmanchar no ar”.
O TRABALHO COMO PINCÍPIO EDUCATIVO
A compreensão de que o trabalho é uma atividade exclusivamente humana e que ocupa lugar central na vida em permitido a pensadores sociais reconhecerem nele a gênese do processo educativo.
É freqüente, em qualquer exercício para entender o processo de organização social dos homens, deparamo-nos com a busca de acomodação e alimentação. Essa busca transforma-se em atividades que, mesmo quando rudimentares, caracterizam um tipo de trabalho. Esse trabalho apresenta novas dinâmicas, que imbricam Trabalho e Educação, quando os homens passam a ter necessidades de garantir condições de moradia e alimentação mais permanentes.
Saviani (1994) não faz uma distinção clara entre o surgimento do Trabalho e da Educação, pois considera que a ação consciente já é uma síntese entre os dois. É evidente que esse processo vai se tornando, paulatinamente, mais complexo e as atividades, antes desenvolvidas quase que de maneira instintiva, passam a exigir um padrão de racionalidade, impondo, aos homens, espaços específicos para elaboração de saberes e ferramentas para o desenvolvimento de tarefas. Silva (2002) faz uma reflexão a respeito dessa questão e afirma que:
O que se depreende, inicialmente, é que, à medida que a sociedade vai criando novos modos de relacionar-se com a natureza, ela vai se tornando também mais complexa e o que era perceptível a olho nu passa a depender de ferramentas para ser apreendido. Essa emergência do processo sistemático, ou científico, passa a ser um elemento crucial, tanto no sentido de criação e recriação de novas alternativas sociais e também de trabalho, tanto como instrumento decodificador do já existente (SILVA, 2002, P.48).
Nota-se que o engajamento do processo educacional com o processo de trabalho é visivelmente claro, um reivindicando a presença do outro, para consubstanciar-se mutuamente. Desse modo, acredita-se ser possível afirmar que não existe trabalho sem educação, tampouco educação sem trabalho. Portanto, nessa dinamicidade, o conhecimento sistemático passa a ter necessariamente ligação clara com o processo produtivo. No entanto, a dinâmica atual que precariza o trabalho também o faz com processo educacional.
O que se pode constatar é que a escola sendo exigência moderna para preparação dos sujeitos comporta-se de acordo com as exigências do processo de trabalho. Gramsci (1995) nos mostra isso ao tratar da escola clássica e profissional. Para o autor:
A divisão fundamental da escola em clássica e profissional era um esquema racional: a escola profissional destinava-se as classes instrumentais, ao passo que a clássica destinava-se as classes dominantes e aos intelectuais. O desenvolvimento da base industrial, tanto na cidade como no campo, provocava uma crescente necessidade do novo tipo de intelectual urbano. Desenvolveu-se, ao lado da escola clássica, a escola técnica (profissional mas não manual), o que colocou em discussão o próprio princípio da orientação concreta de cultura geral, da orientação humanista da cultura geral fundida sobre a tradição Greco-romana. Esta orientação, uma vez que posta em discussão, foi destruída, pode-se dizer, já que sua capacidade formativa era em grande parte baseada sobre o prestigio geral e tradicionalmente discutida de uma determinada forma de civilização (GRAMSCI, 1995, p.118).
Há uma questão interessante a ser tratada também discutida por Gramsci (1995), que é a separação entre trabalho intelectual e manual. O que fica claro na fala do autor é que a educação é colocada na relação entre saber e fazer, o que significa dizer que apesar de ter dois tipos de escolas, mesmo que estas não estejam diretamente ligadas a uma forma de operacionalidade, seja ela de predominância mais teórica ou prática, todas continuam referendando o status quo.
Analisando-se as reflexões de Gramsci (1995), verificamos o quanto é complicado a compreensão do funcionamento da escola, sobretudo para aqueles que a vêem como possibilidade para contribuir com o entendimento da sociedade e também como instrumento capaz de interagir no processo de ruptura com a dinâmica do capital. Em nossa percepção, essa ruptura não pode ocorrer sem uma disputa com a dinâmica, de caráter hierarquizante entre o trabalho intelectual e o manual já estabelecida. Gramsci dá uma pista interessante, que pode servir como instrumento para contribuir com essa mudança do status quo:
O fato de que um tal clima e um tal modo de vida tenham entrado em agonia e que a escola se tenha separado da vida determinou a crise da escola. Criticar os programas e a organização disciplinar da escola significa menos do que nada, se não se levar em conta estas condições. Assim, retoma-se a participação realmente ativa do aluno na escola, as novas propagandas, quanto mais afirmam e teorizam sobre as atividades do discente, tanto mais são elaboradas como se o discente fosse uma mera passividade (GRAMSCI< 1995, P.132-133).
Fica claro, na tese do autor, que a escola, como espaço capaz de contribuir para uma educação que almeje superar as crises atuais, tem, necessariamente, que estar umbilicalmente ligada à vida dos sujeitos, sejam eles professores ou alunos. Essa assertiva está, sem duvida, ligada à questão colocada em relação ao trabalho, ou seja, à medida que a escola “vive” a vida do sujeito, ela terá, claramente, informação sobre o fato de que este, sem dúvida, está ligado ao mundo do trabalho e aos demais fazeres sociais, e lhes permitirá apropriar-se deste mundo de forma sistemática.
A defesa por uma escola unitária, feita veementemente por Gramsci (1995), parece decorrer de uma reflexão a respeito do padrão dual da escola que vem se estabelecendo ao longo da história. Determinado pelo capital, que inicialmente negou a escola aos trabalhadores, mas hoje parece aceitar que estes tenham acesso à mesma, mantendo, contudo, o sentido dual que esta carrega, ou seja, na escola concebida pelo capital separa-se claramente o mundo da produção do mundo de erudição. Nessa perspectiva, Lettieri (1996) faz uma leitura da realidade da escola na atualidade. Para ele:
A escola atual é uma escola de casse não apenas pela discriminação dos filhos de operários, mas, sobretudo por sua discriminação em relação aos operários. Dizem que sua natureza de classe vai persistir e reforçar-se a despeito da generalização do ensino pós-secundário. E porque a real natureza de classe da escola vem da separação que ela introduz entre “cultura”e produção, entre ciência e técnica, entre trabalho manual e trabalho intelectual. O capitalismo de hoje de fato não recusa o direito à escola; o que ele recusa é mudar a função social da escola (LETTIERI, 1996, P.202).
A questao, a nosso ver, só pode ser entendida se verificarmos que a escola, como está organizada, é produto de uma lógica dominante. O próprio trabalho como princípio educativo é dividido, não só pela imposição técnico-científica das máquinas, mas também e principalmente pela ação do homem.
Na lógica da sociedade vigente não passa necessariamente a escola boa ou ruim, aliás, boa ou ruim são leituras permitidas de acordo com os interesses de cada um.
A tese de Gramsci, de juntar o trabalho manual e o trabalho intelectual, deve ser posta em prática sem se perder de vista uma frente principal de batalha que é a luta contra o status quo, que segrega o saber do fazer, agora mais do que nunca.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estas reflexões nos permitem inferir que as metamorfoses ocorridas no mundo do trabalho são resultantes do desenvolvimento humano e da disposição que o ser humano tem de revolucionar-se cotidianamente, chamando atenção para a historicidade de seus atos. A relação entre Trabalho e Educação é algo vivo e ocorre em um processo dialético, no qual se precisa aprender para fazer e aprende-se fazendo. Nessa dinâmica, pode-se afirmar que o que distingue os homens de outros seres é a sua infinita capacidade de criar, e nesse processo criativo, aguçam-se incontáveis desejos.
Trabalho e Educação, nessa perspectiva, se consolidam; e a própria polêmica que os coloca em condições limitadas, transforma-se em combustível que mantém a chama que os impulsiona rumo a uma busca sem fim, e é essa falta de limite que permite a existência mesmo da condição humana.
O princípio educativo, portanto, dá-se no processo de trabalho, tanto na ação reflexiva quanto no manuseio dos agentes, o que permite a interação com vistas à transformação da realidade.
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Artigo recebido em agosto e aprovado em outubro de 2006.


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