Atualmente temos ouvido dizer que nossa
sociedade “está muito narcísica”, ou que as pessoas “estão muito narcisistas”.
O que viria a ser isso?
O conceito de narcisismo tem sido
empregado de modo diverso. Comumente é associado a egoísmo, auto-admiração, a auto-imagem e auto-erotismo. Para a psicanálise, o narcisismo faz parte do
processo do desenvolvimento psíquico do sujeito. Freud o utilizou para
responder ao funcionamento das fases primárias do psiquismo infantil, bem como
o colocou como um dos mecanismos de defesa que o sujeito utiliza para lidar com
o mundo.
Segundo Freud, o narcisismo primário seria a primeira constituição
psíquica do sujeito. É aquela fase em que o bebê, dos primeiros momentos de
vida até em torno do 8º mês não diferencia a si mesmo do mundo. Ele entende que
o mundo é extensão de si mesmo. A mamadeira, o seio da mãe, as fraldas e a
chupeta são extensão de si. Aliás, ele nem compreende que existe mamadeira,
seio, fraldas e chupeta. O mundo é ele mesmo, indiferenciado, indiviso. Quando
ele sente-se satisfeito, é porque acredita que satisfaz a si mesmo - auto-erotismo – que é a obtenção do prazer
através de si mesmo.
Em torno do 8º mês o
bebê começa a distinguir um outro. Distingue que seus desejos não são prontamente
satisfeitos e que suas frustrações advém da falta da presença de um outro que
não o atende naquilo que ele deseja. Assim, ele está com fome e chora, mas o
que percebe é que não lhe dão a mamadeira, mas trocam as sua fralda. Há um
outro, desligado dele, que as vezes o atende, as vezes não o atende. Ele começa
a perceber a presença do cuidador, separado dele, na maioria das vezes
representado pela figura da mãe. Nesta fase, o bebê entra no que Freud chamou
de Narcisismo secundário. Ele compreende que o mundo não é ele, mas ainda assim
acredita que o mundo está ali para servi-lo, e compreende que este mundo não
mais o satisfará plenamente. Sempre restará um resto a ser satisfeito, pois o
outro não mais o completa. Sua satisfação passa a ser parcial. Inicia-se o
sentimento de incompletude, as angústias e a insatisfação.
Num terceiro momento,
o bebê percebe que sua satisfação não é plena porque o cuidador tem outros
afazeres, tem outros interesses e que a mãe
tem o olhar também dirigido para outra direção: seja o trabalho, seja o
marido, seja os outros filhos... De fato o mundo não existe apenas para servi-lo. E o bebê compreende a presença deste
terceiro elemento, deste Outro. Neste momento percebe que ele, bebê, é um ser
inteiro, descolado da mãe, descolado dos objetos. Ele é um sujeito, mas que
existem outros sujeitos no mundo: a mãe, o pai, os outros. Neste momento o
grande desejo do bebê é ser amado pelo outro e para isso investe em formas de agradá-lo
numa tentativa de resgatar a fase do narcisismo secundário em que ele era “a majestade o bebê”, o centro
das atenções do outro. nEsta é a fase edípica do desenvolvimento psíquico. O
sujeito vivencia dualidades de afeto, amor e ódio, e pode amar ou odiar o
outro, como a si mesmo.
Acontece que esse
processo psíquico vai se desenrolar por toda a vida do sujeito, podendo
fixar-se em determinada fase e constituir-se então, como característica de
personalidade e comportamento.
Um indivíduo com
fixação ou predominância do narcisismo primário apresentará comportamento
totalmente distanciado do mundo, haja vista que o mundo para ele inexiste, numa
completa ausência de contato com a realidade. Neste caso, apresentará características
patológicas que podem ser denominadas como autismo, catatonia e alguns tipos de psicose.
Indivíduos com
predominância do narcisismo secundário, por outro lado, apresentará características
comportamentais egocêntricas, como uma preocupação em ter seus desejos
satisfeitos; são concentrados em seus próprios interesses sem se preocupar com
os interesses alheios, valorizam a aparência, possuem a afetividade
empobrecida, mantêm relacionamentos superficiais e interesseiros. Normalmente possuem uma tendência ao
exibicionismo e são afeitos à bajulação do outro, sendo excessivamente dependentes
da admiração dos demais. A imagem que têm de si mesmos raramente coincide com o
que realmente são, pois acreditam que ocupam um lugar ideal, e se não ocupam,
buscam ocupá-lo de qualquer modo. A sua
imagem ideal não se ajusta a sua imagem real – o ideal do eu não se ajusta à
sua realidade corporal, financeira, social... Viverão toda a vida convictos de
que a imagem que fazem de si mesmos constituem a realidade e que a opinião do
outro é está equivocada. É assim que se preocupam com a aparência de tal forma,
que são objeto da cirurgia plástica, das acadêmicas estéticas, dos produtos da
moda tornando-se devoradores contumazes do consumismo de tal forma a
comprometer sua saúde física, financeira e social. A intenção é manter-se no
centro, utilizando do mundo e dos outros como forma de obter satisfação. A sexualidade
é relegada a um advento sem importância já que satisfazem a si mesmos com o
simples olhar para o espelho, para a conta bancária ou para sua posição social.
Não raramente se satisfazem sexualmente apenas com a masturbação e muitas
vezes, têm a sexualidade inibida a tal ponto que precedem dela, desconsiderando,
inclusive, os apelos do outro.
Estes indivíduos são
muitas vezes confundidos com indivíduos que utilizam do narcisismo como
mecanismo de defesa. Estes segundos, de certa forma superaram o narcisismo
primário e secundário, vivenciaram a fase edípica, mas, por dependerem
demasiadamente do amor do outro, tornam-se objeto desse amor, e assim, buscam
em si todas as formas para agradar o outro. Procura seduzir o outro para ter
poder e controle sobre ele. Também são devoradores contumazes do consumismo estético,
se esforçam por aproximar a sua realidade do que pensam ser o ideal. Vivem a
vida para atender esse objetivo, mas nunca se sentem plenamente satisfeitos. O
outro sempre desvia o olhar para outros objetos, o que torna esse indivíduo
vacilante, inseguro e, muitas vezes, mentiroso. É necessário que lhe assegurem
o lugar de amado a qualquer preço e nesse sentido, vale a falsa-superioridade,
a falta de escrúpulo, burlar a lei e os valores para ganhar a competição. Neste
caso, não amam, mas ama que lhe amem. São pessoas que seduzem por seduzir,
fazem sexo por performance, não por prazer, desejam ter o controle total sobre
o outro. Sofrem apenas quando, a duras
penas, deparam com a queda da juventude, da beleza, da posição social e do
destaque. Na maior parte do tempo negam
a realidade, utilizando o narcisismo como mecanismo de defesa, patologicamente.
Em, o Retrato de Dorian Gray, Oscar
Wilde, aponta que a sociedade narcísica não é exclusiva dos nossos tempos: o
consumo, a primazia da estética sobre a ética, a vaidade, o exibicionismo, a
popularidade, o “vale tudo” e a superficialidade existiam muito antes do século
passado em que foi escrito o livro, e, ao mesmo tempo mostra que os narcisistas
estão perfeitamente adaptados a ela.
Assim, a valorização do corpo, da
juventude, da sofisticação, do status e do poder engendram as pessoas num circuito narcísico. Resta ao sujeito não se embrenhar nessa malha,
buscando não sucumbir aos ditames econômicos, científicos, sociais. Aprender a
deparar com o sofrimento, com a velhice e a morte. Não se auto-enganar.
Desmentir essa sociedade que, através da ciência e da tecnologia promete o
crescimento econômico ilimitado, a juventude assegurada, a supremacia do
cognitivo sobre a emoção, a felicidade desmedida e a possibilidade da
imortalidade.
É preciso valorizar a família, o
respeito pela autoridade, estabelecer princípios sólidos e reais. É preciso
amar pessoas e não imagens.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade
líquida. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2006.
CHAVES, Paulo. Narciso e
Prometeu. Recife: Edição de Estudos Universitários, 1969.p.13-14.
DEBORD, Guy. A sociedade do
espetáculo: comentários sobre a sociedade do espetáculo.Tradução de
Estela dos Santo Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
DESSUANT, Pierre. O
narcisismo. Tradução de Ricardo Luiz Sabily. Rio de Janeiro: Imago Ed.,
1992.
WILDE, Oscar. O retrato de
Dorian Gray. Tradução de João do Rio. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1993.
A primeira constituição psíquica do sujeito foi citada de forma ideal, quando os desejos no neném são atendidos prontamente pelos cuidadores.Sendo assim o neném sente q se auto satisfaz. E quando acontece o contrário quando a criança n tem nem os suas necessidades básicas atendidas? Teria a impressão de que a auto satisfação/satisfação n é possível?
ResponderExcluirOlá,
ResponderExcluirO bebê, de alguma forma não terá suas necessidades básicas atendidas de forma a satisfazer-se plenamente. Em algum momento ele vai chorar porque está com frio e a mãe lhe dá mamadeira ou troca-lhe a fralda, e ele continuará insatisfeito. Os cuidadores não acertam o tempo todo e as pequenas frustrações impostas ao bebê é bastante saudável para o seu desenvolvimento psíquico. Ocorre, porém, que se o bebê não tem suas necessidades básicas razoavelmente satisfeitas ele poderá desenvolver o que chamamos de "institucionalismo". É uma síndrome muito comum em bebês hospitalizados ou criados em creches em que as cuidadoras não têm tempo de acariciá-lo, "paparicá-lo". Ele pode estar nutrido, aquecido, mas ainda assim sentirá uma falta... normalmente esses bebês começam a balançar o corpo ritmicamente, como se estivessem ninando a si mesmos. É comum, nestes casos que eles desenvolvam algum transtorno mental, quando não morrem prematuramente. Em casos de violência doméstica, em que a criança também pode não estar sendo atendida razoavelmente, também é comum os referidos transtornos. CUIDEMOS DAS NOSSAS CRIANÇAS, PRINCIPALMENTE COM CARINHO, mas lembrando que frustá-las de vez enquando faz parte do seu desenvolvimento.
Abs.
Eliana
Tudo uma questão de equilíbrio né!
ResponderExcluirObrigada pelas informações e pelas respostas!
Abraços :)