2.3 A música e o meio
A música pode não ser uma invenção humana, é algo inato à natureza. No entanto, a criação musical sim é uma invenção humana. Somente os seres humanos são capazes de criar música que, como produto da cultura e está interligada ao processo dinâmico e energético no universo. Como tal, a música proporciona condições para reflexão ao mesmo tempo em que promove a mediação entre os indivíduos e este meio.
O ambiente, como visto no capítulo anterior, é constituído pelos seres vivos nele inseridos que interrelacionam-se, como sugere Tomatis e Vilain (1991, p. 114-5):
O ambiente não cessa de revelar ao homem sua pertinência a este grande
todo vibrante que se manifesta fora e dentro de cada ser humano, passando
de um para outro, unindo num jogo permanente o finito da natureza humana
e o infinito imóvel, limite de nossa concepção de mundo.
Ao interagir no meio com sua frequência vibracional, como sugere Jenny (1967), as ondas sonoras, independem da percepção ou até mesmo da audição de quem ou do que está exposto a ela. Mesmo assim, a música interage com as unidades celulares ou atômicas, podendo modificar suas estruturas, de acordo com o tipo de vibração a ela exposto. Para o autor, várias substâncias, principalmente as líquidas, são bastante susceptíveis às transformações. Vale lembrar, então, que o corpo humano, na fase adulta, como postula Macêdo (2004), é constituído de 70 à 74% de água. Petráglia (2008) acredita que a música pode atuar tanto no nível da matéria com suas ondas vibratórias em organismos e objetos, num caráter estrutural, quanto em processos cognitivos, acompanhados pelas sensações, percepções e emoções.
Ao interagir com o meio através do seu conteúdo simbólico, a música deixa aflorar todo o conteúdo subjetivo de seus interpretantes, ou seja, seu potencial interpretativo. Para que este potencial passe a significar algo é necessário o processo cognitivo.
Assim a música, por seu conteúdo significante comunica tanto com quem a produz, quanto com quem a ouve. Desse modo, a música atua junto aos afetos, possibilitando emergir novas maneiras de significação do indivíduo frente ao seu meio (WAZLAWICK; CAMARGO; MAHEIRIE, 2007). Ou seja, a música é capaz de atuar na subjetividade daquele que a ouve fazendo com que a sua relação com o seu meio se altere. Também, Castro (2007) afirma que o contato com a música é uma interação ser vivo/meio ambiente e que a possibilidade de escutar é algo que traz o ambiente para dentro do ser e o posiciona diante dele.
Dentro deste contexto, a música tem a capacidade de atuar na extensa e complexa rede em que o homem é apenas mais um de seus constituintes. Aí, estabelece um diálogo entre seus componentes dentro de um processo sígnico, reformulando e reconfigurando a ecologia em que o homem é sujeito e objeto.
É de modo emocionado que o sujeito constrói os significados da música, em sua vivência,
a partir de seus sentidos, objetivando sua subjetividade, tornando-a “audível” para
ele e para os outros. Os significados e sentidos ressoam nas vivências do sujeito
são construídos na sua relação com a música.
Estes significados partem das vivências afetivas do sujeito,
demonstrando a utilização viva da música, uma vez que mudam,
desconstroem-se e são recriados, porque também são constituídos pelos
sentidos, ligados ao uso da música de modo idiossincrático e em relação.
(WAZLAWICK; CAMARGO; MAHEIRIE, 2007, p. 112).
Música, inserida em um meio, pode favorecer ou não este ambiente. Conforme pesquisado por Petráglia (2008), em termos vibracionais, músicas eruditas, como as de Bach, podem ser favoráveis a organismos vivos, como as plantas, enquanto que as musicas ruidosas, do estilo Acid Rock de Jimi Hendrix e Led Zeplin, podem ser desfavoráveis a estes organismos. Por sua vez, em termos simbólicos, as sensações e emoções pessoais permitem construir significados na música ou mesmo resignificá-la, assim como a cada vivência do sujeito que entra em contato com ela. Além disso, numa dimensão sócio cultural a música possibilita aflorar de modo objetivo, a própria subjetividade, como nos sugere Wazlawick, Camargo e Maheirie (2007).
Este contexto último, o sócio cultural, é a dimensão espaço temporal do meio em que a música se concretiza. Nesse sentido, a música tem estado presente em vários ambientes e com as mais variadas funções. Independente do tempo e de sua aplicação, sua função primordial se resumem em “afetar”, não só aquele que a ouve, mas também quem a faz e o contexto em que se desenvolve. Assim, independente se a música se apresente naqueles lugares “normalmente” eleitos como espaços apropriados para ela, como teatros, salas de concertos, templos etc, e independente da intenção, ela está apta a afetar.
Segundo as ideias de Shaffer (1991), todo ambiente tem sua particularidade sonora, sua paisagem sonora 9 . Assim é comum se imaginar cânticos de louvor em igrejas evangélicas, gritos em brinquedos como montanhas russas e buzinas no trânsito, mesmo que estes sejam apenas parte do complexo sonoro que compõe cada um desses ambientes, dando-lhes uma identidade própria. E como afirma Schafer (1991), os sons da paisagem sonora, em especial os sons fundamentais de uma cultura, influenciam o comportamento de um grupo social. Portanto, qualquer som introduzido num dado ambiente, estará interferindo na paisagem sonora deste mesmo ambiente. Nesse sentido, uma música introduzida num ambiente “estranho” a ela, pode interferir num meio, modificando-o. A presença de uma música pode modificar essa paisagem e por consequencia, pode proporcionar ao meio e a seus integrantes, uma nova perspectiva deste ambiente.
É neste sentido que a música pode e tem estado inserida nos mais diversos ambientes e
afetando-os. É de um destes ambientes, que tratará o próximo capítulo.
9 Paisagem Sonora “é constituída de ruído, som, timbre, amplitude, melodia, textura que se encontram num cone de tensões, instalado num horizonte acústico”. Como por exemplo,“uma composição musical é uma viagem de ida e volta através desse cone de tensões [....] Cada peça de música é uma paisagem sonora elaborada, que pode ser delineada no espaço acústico tridimensional” (SCHAFER, 1991, p. 78).
Gostei muito do texto.
ResponderExcluirObrigada Augusto. Você leu a 1a e 2a partes? O que se percebe é que a música pode mudar o humor das pessoas, contribuindo para a sua saúde ou para o seu estresse. Boas leituras!
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