sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A MÚSICA NAS INTERAÇÕES HUMANAS (4a parte)


4 AS APRESENTAÇÕES MUSICAIS NO HEAL 

“[...] Um universo em movimento cria e desfaz seres transitórios 
Deixando, no rastro de seu processo, aquilo que chamamos existência. 
E quando, numa benção, tocamos sua essência criadora 
Tudo que percebemos é Música.” 
   
 Marcelo Petraglia  

Considerando  o  que  foi  apresentado  nos  capítulos  anteriores  sobre  as  interações  e  a significação da música no sujeito e seu meio, serão expostas, aqui, as observações que foram feitas durante as apresentações musicais no HEAL. Para tal, utilizou-se como metodologia a observação   participante   para   descrever   o   comportamento   dos   ouvintes   durante   as apresentações e do ambiente como um todo, além de se mencionar alguns depoimentos que os ouvintes  e/ou  profissionais  do  hospital  espontaneamente  expressaram.  Serão,  também, relatadas  as  impressões  experimentadas  pelas  próprias  musicistas  quanto  aos  efeitos  da música nelas mesmas.   


4.1 Considerações Metodológicas 

4.1.1 Pesquisa qualitativa: método observação Participante 

Uma  das  possibilidades  que  se  insere  na  pesquisa  qualitativa  é  que  se  realize  pelo  uso  da observação participante. Esta é uma técnica que tem como objetivo a compreensão de alguns fenômenos  circunscritos  à  realidade  empírica  de  um  grupo  social.  Observar  é  utilizar  dos sentidos  do  pesquisador  para  obter  informações  sobre  uma  realidade  específica  de  forma sistematizada,  com  planejamento  e  controle  da  objetividade  (ANGUERA,  1985).    Se  este procedimento é feito com a inserção do pesquisador no grupo a ser observado, participando e interagindo com seus membros, então, trata-se de uma observação participativa. 

O eixo central desta técnica é a possibilidade do indivíduo observado responder a estímulos externos de maneira seletiva que serão, por sua vez, definidas e interpretadas com base numa fundamentação  teórica,  pelo  pesquisador.  Nessa  abordagem,  não  há  padrões  formais  ou conclusões definitivas e a incerteza faz parte da sua epistemologia. Dos tipos de observação participante, optou-se por usar, neste trabalho, a observação assistemática ou não estruturada.  

Nesse tipo de procedimento, o pesquisador tem a liberdade para desenvolver seu trabalho em cada situação direcionando seu olhar para qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente as diversas situações que se lhe apresentam. 

Há  de  ressaltar  que  a  observação  assistemática  não  está  relacionada  a  interpretações meramente emotivas ou deformadas, mas a pesquisa deve-se ater às evidências. Outro fato a se  considerar  é  que  a  presença  do  pesquisador  nunca  é  neutra  e,  certamente  modifica  o ambiente onde observador e pesquisador, concomitantemente, transformam-se, mesmo que de forma   não   intencional   (MORIN,   1997).   Romagnoli   (2012),   também   aponta   que   “A importância  desta  técnica  reside  no  fato  de  poder  se  captar  uma  variedade  de  situações  ou fenômenos  que  não  são obtidos  por  meio  de  perguntas”. 19   Assim,  o  pesquisador  deve  ficar atento para não perder a objetividade e estar pronto a considerar os efeitos de sua presença no meio pesquisado. 

A  abordagem  e  a  técnica  escolhidas  estão  alinhadas  com  os  princípios  da  incerteza,  da complementaridade e da complexidade propostos pela fundamentação teórica deste trabalho. Além disso, recebem o aval dos teóricos  que estudam esse universo.  

Para  a  realização  da  observação  participante  é  necessário  que  o  pesquisador  busque  uma aproximação com o grupo a ser observado. Nessa aproximação, deve procurar ser aceito de forma  a  quebrar  os  possíveis  bloqueios,  resistências  e  desconfiança,  mantendo,  contudo,  o devido distanciamento para não prejudicar a objetividade do trabalho. 

O pesquisador pode utilizar também de documentos, relatos e levantamento de dados sobre a instituição  e  os  membros  a  ser  observados.  Podem-se  registrar  os  dados  e  impressões  em diário, bem como utilizar-se de fotos, filmagens, gravações e outros.  

A sistematização e organização dos dados, juntamente com o estudo teórico que fundamenta a pesquisa  facilita  a  interpretação  da  realidade  observada.  O  tempo  para  a  pesquisa  pode  ser determinado pelo pesquisador segundo os objetivos do estudo. 
                                                 
4.1.2 Dos procedimentos 

Para  o  cumprimento  dos  preceitos  estabelecidos  para  uma  pesquisa  que  se  amparam  na técnica  da  observação  procurou-se,  inicialmente,  entender  o  funcionamento  e  filosofia  da instituição.   Concomitantemente,   procurou-se   estabelecer   qual   a   relação   da   atividade pesquisada, dentro do contexto daquela instituição. O que se observou serviu para delinear os passos  seguintes  que  se  calcaram  em  observações  nos  espaços  em  que  se  realizavam  as apresentações e possíveis reflexos no contexto da instituição. Para tal, anotaram-se dados em diário de campo, entre Julho de 2011 a abril de 2012. Ao longo desse tempo foram analisadas quatorze apresentações que se realizaram no auditório, na Unidade Novos Passos e no pátio do hospital.  

Com  base  nos dados  levantados  junto ao corpo administrativo da  instituição, documentos e peças publicitárias pode-se constatar , como anteriormente mencionado, que o HEAL busca uma  junção  transdisciplinar  e  interdisciplinar  nas  suas  linhas  de  tratamento  de  forma  a interagir  entre  as  propostas  convencionais,  recursos  terapêuticos  e  holísticos.  A  intenção  é dirigir um olhar para além da doença e do sintoma.  

Dentro  deste  contexto,  este  estudo  parte  de  considerações  que  se  apoiam  na  teoria  da complexidade e  na teoria  interacionista utilizando-se do contexto do HEAL, numa  interface entre  performance  musical,  interação  entre  musicistas,  ouvintes  e  ambiente  como  um  todo. Apoia-se,  também,  nas  ideias  de  Santos  (1998)  quando  afirma  que  um  dos  papéis  do profissional da música é atuar como agente que pode levar emoções na utilização da música em vários ambientes, mesmo em momentos que não comportem uma abordagem que não seja clínica. Neste trabalho a música não será considerada como ferramenta para terapia, porém, o foco  será  observar  a  mudança  do  meio  diante  das  interações  ocorridas  em  contato  com  a música. 

A partir destas premissas, alguns cuidados foram tomados no sentido de se atingir o objetivo proposto. Nesse sentido, as apresentações eram precedidas da definição de repertório, que era preparado  a  cada  semana.  Este  repertório  era  diversificado  e  baseado  nas  escolhas  dos pacientes  que  deixavam  seus  pedidos  e  sugestões  com  um  profissional  do  HEAL,  que encaminhavam  às  instrumentistas  via  e-mail.  Geralmente  iniciava-se  e  encerravam-se  as apresentações  com  músicas  eruditas  e/ou  músicas  com  temas  religiosos.  No  entremeio,  executavam-se várias obras do gênero música popular brasileira, tais como samba, forró, entre outros. 

Também  havia  uma  preparação  dos  quesitos  básicos  a  se  observar:  espaço  físico, ouvintes, reações, musicistas, músicas e suas interações. Tais quesitos se apoiavam na perspectiva de se obter informações sobre os sujeitos presentes nas audições, em torno do ambiente do hospital e  naqueles  que  se  apresentavam,  buscando  informações  sobre  os  reflexos  destas  interações como um todo. Naturalmente, como já mencionado sobre a técnica escolhida, e por se tratar de um ambiente  inconstante no que diz respeito aos espectadores entre uma apresentação e outra,  era  constantemente  ressaltada  a  importância  de  se  observar  o  que  o  universo apresentasse, mesmo que em situações inéditas. Desta forma, poder-se-ia, colher uma maior diversidade de informações que demonstrasse o já previsto do escopo teórico da pesquisa. 

As musicistas se reuniam ao final das apresentações para anotar, em bloco de notas destinado a esta pesquisa, suas observações. 

19  ROMAGNOLI, Roberta C. Anotações de aula da disciplina Metodologia de Pesquisa em Psicologia, PUC-MG, 2012
20   Morin  E.  Complexidade  e  ética  da  solidariedade.  In:  Castro  G,  Carvalho  EA,  Almeida  MC.  Ensaios  da complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997.  e;  Beto Frei. Inderteminação e complementariedade. In: Castro G, Carvalho EA, Almeida MC. Ensaios da complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997.  dentre outros.

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