4 AS APRESENTAÇÕES MUSICAIS NO HEAL
“[...] Um universo em movimento cria e desfaz seres transitórios
Deixando, no rastro de seu processo, aquilo que chamamos existência.
E quando, numa benção, tocamos sua essência criadora
Tudo que percebemos é Música.”
Marcelo Petraglia
Considerando o que foi apresentado nos capítulos anteriores sobre as interações e a significação da música no sujeito e seu meio, serão expostas, aqui, as observações que foram feitas durante as apresentações musicais no HEAL. Para tal, utilizou-se como metodologia a observação participante para descrever o comportamento dos ouvintes durante as apresentações e do ambiente como um todo, além de se mencionar alguns depoimentos que os ouvintes e/ou profissionais do hospital espontaneamente expressaram. Serão, também, relatadas as impressões experimentadas pelas próprias musicistas quanto aos efeitos da música nelas mesmas.
4.1 Considerações Metodológicas
4.1.1 Pesquisa qualitativa: método observação Participante
Uma das possibilidades que se insere na pesquisa qualitativa é que se realize pelo uso da observação participante. Esta é uma técnica que tem como objetivo a compreensão de alguns fenômenos circunscritos à realidade empírica de um grupo social. Observar é utilizar dos sentidos do pesquisador para obter informações sobre uma realidade específica de forma sistematizada, com planejamento e controle da objetividade (ANGUERA, 1985). Se este procedimento é feito com a inserção do pesquisador no grupo a ser observado, participando e interagindo com seus membros, então, trata-se de uma observação participativa.
O eixo central desta técnica é a possibilidade do indivíduo observado responder a estímulos externos de maneira seletiva que serão, por sua vez, definidas e interpretadas com base numa fundamentação teórica, pelo pesquisador. Nessa abordagem, não há padrões formais ou conclusões definitivas e a incerteza faz parte da sua epistemologia. Dos tipos de observação participante, optou-se por usar, neste trabalho, a observação assistemática ou não estruturada.
Nesse tipo de procedimento, o pesquisador tem a liberdade para desenvolver seu trabalho em cada situação direcionando seu olhar para qualquer direção que considere adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente as diversas situações que se lhe apresentam.
Há de ressaltar que a observação assistemática não está relacionada a interpretações meramente emotivas ou deformadas, mas a pesquisa deve-se ater às evidências. Outro fato a se considerar é que a presença do pesquisador nunca é neutra e, certamente modifica o ambiente onde observador e pesquisador, concomitantemente, transformam-se, mesmo que de forma não intencional (MORIN, 1997). Romagnoli (2012), também aponta que “A importância desta técnica reside no fato de poder se captar uma variedade de situações ou fenômenos que não são obtidos por meio de perguntas”. 19 Assim, o pesquisador deve ficar atento para não perder a objetividade e estar pronto a considerar os efeitos de sua presença no meio pesquisado.
A abordagem e a técnica escolhidas estão alinhadas com os princípios da incerteza, da complementaridade e da complexidade propostos pela fundamentação teórica deste trabalho. Além disso, recebem o aval dos teóricos que estudam esse universo.
Para a realização da observação participante é necessário que o pesquisador busque uma aproximação com o grupo a ser observado. Nessa aproximação, deve procurar ser aceito de forma a quebrar os possíveis bloqueios, resistências e desconfiança, mantendo, contudo, o devido distanciamento para não prejudicar a objetividade do trabalho.
O pesquisador pode utilizar também de documentos, relatos e levantamento de dados sobre a instituição e os membros a ser observados. Podem-se registrar os dados e impressões em diário, bem como utilizar-se de fotos, filmagens, gravações e outros.
A sistematização e organização dos dados, juntamente com o estudo teórico que fundamenta a pesquisa facilita a interpretação da realidade observada. O tempo para a pesquisa pode ser determinado pelo pesquisador segundo os objetivos do estudo.
4.1.2 Dos procedimentos
Para o cumprimento dos preceitos estabelecidos para uma pesquisa que se amparam na técnica da observação procurou-se, inicialmente, entender o funcionamento e filosofia da instituição. Concomitantemente, procurou-se estabelecer qual a relação da atividade pesquisada, dentro do contexto daquela instituição. O que se observou serviu para delinear os passos seguintes que se calcaram em observações nos espaços em que se realizavam as apresentações e possíveis reflexos no contexto da instituição. Para tal, anotaram-se dados em diário de campo, entre Julho de 2011 a abril de 2012. Ao longo desse tempo foram analisadas quatorze apresentações que se realizaram no auditório, na Unidade Novos Passos e no pátio do hospital.
Com base nos dados levantados junto ao corpo administrativo da instituição, documentos e peças publicitárias pode-se constatar , como anteriormente mencionado, que o HEAL busca uma junção transdisciplinar e interdisciplinar nas suas linhas de tratamento de forma a interagir entre as propostas convencionais, recursos terapêuticos e holísticos. A intenção é dirigir um olhar para além da doença e do sintoma.
Dentro deste contexto, este estudo parte de considerações que se apoiam na teoria da complexidade e na teoria interacionista utilizando-se do contexto do HEAL, numa interface entre performance musical, interação entre musicistas, ouvintes e ambiente como um todo. Apoia-se, também, nas ideias de Santos (1998) quando afirma que um dos papéis do profissional da música é atuar como agente que pode levar emoções na utilização da música em vários ambientes, mesmo em momentos que não comportem uma abordagem que não seja clínica. Neste trabalho a música não será considerada como ferramenta para terapia, porém, o foco será observar a mudança do meio diante das interações ocorridas em contato com a música.
A partir destas premissas, alguns cuidados foram tomados no sentido de se atingir o objetivo proposto. Nesse sentido, as apresentações eram precedidas da definição de repertório, que era preparado a cada semana. Este repertório era diversificado e baseado nas escolhas dos pacientes que deixavam seus pedidos e sugestões com um profissional do HEAL, que encaminhavam às instrumentistas via e-mail. Geralmente iniciava-se e encerravam-se as apresentações com músicas eruditas e/ou músicas com temas religiosos. No entremeio, executavam-se várias obras do gênero música popular brasileira, tais como samba, forró, entre outros.
Também havia uma preparação dos quesitos básicos a se observar: espaço físico, ouvintes, reações, musicistas, músicas e suas interações. Tais quesitos se apoiavam na perspectiva de se obter informações sobre os sujeitos presentes nas audições, em torno do ambiente do hospital e naqueles que se apresentavam, buscando informações sobre os reflexos destas interações como um todo. Naturalmente, como já mencionado sobre a técnica escolhida, e por se tratar de um ambiente inconstante no que diz respeito aos espectadores entre uma apresentação e outra, era constantemente ressaltada a importância de se observar o que o universo apresentasse, mesmo que em situações inéditas. Desta forma, poder-se-ia, colher uma maior diversidade de informações que demonstrasse o já previsto do escopo teórico da pesquisa.
As musicistas se reuniam ao final das apresentações para anotar, em bloco de notas destinado a esta pesquisa, suas observações.
20 Morin E. Complexidade e ética da solidariedade. In: Castro G, Carvalho EA, Almeida MC. Ensaios da complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997. e; Beto Frei. Inderteminação e complementariedade. In: Castro G, Carvalho EA, Almeida MC. Ensaios da complexidade. Porto Alegre (RS): Sulina;1997. dentre outros.
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