sábado, 23 de março de 2013

Palestra para Pais

Transcrição de gravação de palestra para pais de adolescentes sobre o desenvolvimento psicológico da adolescência, realizada no CPOR/BH em 05/05/2012


bBoa noite,  
Eu trabalhava para algumas escolas particulares em Belo Horizonte no que diz respeito a escolha do curso para o vestibular, mas acabei acolhendo adolescentes que traziam outras angustias como as relacionadas com a sexualidade, no caso a identidade sexual e a escolha dos parceiros, a dificuldade em sentir-se aceito nos grupos, e ainda outra questão importante que é o envolvimento com a droga.
Percebi que essas questões tocavam diretamente o futuro do adolescente, sua vida e suas escolhas. Assim, procurei trabalhar com os adolescentes e suas famílias e pude perceber a importância do desenvolvimento psicológico e o poder de influência da família sobre o sujeito. É esse o tema que gostaria de compartilhar com vocês.

2.      A primeira coisa que devemos delimitar é o conceito de adolescência – adolescência é um conceito novo, mas sua etimologia é antiga e remonta ao latim, que significa crescer, desenvolver-se. Ocorre por intensas mudanças físicas, em que o corpo deixa de ser infantil e toma um aspecto que ainda não é adulto, mas está a caminho dessa maturidade. A adolescência envolve aspectos como a maturidade sexual, que é a possibilidade de gerar filhos, a construção de uma nova identidade – o adolescente começa a se ver e ser visto de um novo jeito, com um estilo próprio e isso gera grande expectativa nele mesmo e nos familiares. Por outro lado a adolescência gera autonomia: assim ele não quer mais a proteção acentuada dos pais, necessita de maior liberdade, maior confiança, ao mesmo tempo que deverá ser exigido dos mesmos maior responsabilidade. A adolescência é fase também para a produtividade: o jovem quer sentir-se ativo, presente, construindo historia, com sentimento de ser util. A maior produtividade da juventude esta em se rebelar com a intenção de construir um mundo melhor. É assim que se processam todas as revoluções no mundo. As revoluções, as transformações partem dos jovens. Nós, os velhos queremos manter o status quo, manter aquilo que tem dado certo. Dificilmente nos arriscamos. Ao jovem cabe arriscar, a a nós orientarmos para que eles se arrisquem sem correr riscos.



3.      Assim, no  desenvolvimento psicológico dos adolescentes, temos caracteristicas bastante próprias, ao que Maurício Knobel deu o nome de Sindrome da Adolescência Normal. Maurício Knobel observa que o adolescente vivencia “desequilíbrios e instabilidades extremas”, mas que podem ser analisadas como aceitáveis para o seu momento evolutivo, pois constituem vivências necessárias para se atingir a maturidade. Reúne sob a denominação de “síndrome normal da adolescência” ou “normal anormalidade da adolescência” ao conjunto de sinais e sintomas que caracterizam esta fase da vida e que são:
-          Busca de si e da identidade:  que seria a compreensão de quem sou , minhas forças, meus pontos positivos e meus pontos negativos, minhas limitações. A identidade é a combinação de características da personalidade e estilo social, pela qual o indivíduo se define e é reconhecido. É também o sentimento subjetivo de coerência e de continuidade da personalidade. É a possibilidade do adolescente se ver ao longo da sua história, integrando passado e presente... é se ver e se sentir reconhecido.
·         A identidade, “consciência que o indivíduo tem de si como um ser no mundo”, é construída ao longo da vida e tem especial importância na adolescência. As transformações progressivas do corpo e do esquema corporal levam o adolescente a adotar sucessivos modos de conduta em diferentes situações, que constituem variações circunstanciais, transitórias e ocasionais da identidade adolescente. Na busca de sua identidade, o adolescente recorre a situações que se apresentam as mais favoráveis no momento. Uma delas, é “a uniformidade”, o processo de identificação em massa, que explica o “fenômeno grupal. Na proporção em que o adolescente vai aceitando simultaneamente os seus aspectos de criança e adulto, começa a surgir a nova identidade.
·         Tendência grupal: A busca de uniformidade é um comportamento defensivo que proporciona segurança e estima pessoal. O fenômeno grupal adquire uma importância extraordinária na adolescência, porque o indivíduo transfere para os pares parte da dependência que mantinha com a família. Assim, a dependência do adolescente aos valores do grupo é escravizante. Precisa de aplausos, julgando-se sempre conforme a sua aceitação exterior. Ele não pode perceber ainda que a busca da aprovação dos outros é a busca de sua própria aprovação. No início da adolescência, a turma é formada por companheiros do mesmo sexo, mas, na medida em que amadurecem, assumindo sua condição sexual, sentem-se mais livres para aproximar dos adolescentes do sexo oposto. A turma constitui uma transição necessária no mundo externo para se alcançar a individuação adulta.
·         Separação progressiva dos pais: Esta é uma das tarefas básicas dos adolescentes, que podem ser facilitada por figuras parentais suficientemente adequadas.
·         Atitude social reivindicatória: Grande parte da oposição que os adolescentes vivem com relação à família é transferida para o meio social, projetando no mundo externo as suas raivas, as suas rejeições e as suas condutas destrutivas. O adolescente pode sentir que ele não está mudando e que são os pais e a sociedade que se negam a ter com ele uma atitude provedora e protetora. Esta é a base da atitude social reivindicatória.
·         Contradições sucessivas em todas as manifestações de conduta: Estas condutas contraditórias são expressões da identidade adolescente, transitória ocasional e circunstancial.
·         Deslocamento temporal: O adolescente vivencia uma crise de temporalidade. A criança vive as limitações do espaço e do tempo, dentro dos limites de seu pensamento concreto. O adulto tem a noção da infinitude espacial e da temporalidade da existência. Na adolescência, estas noções se misturam, se confundem. Ele apreende o processo de discriminação temporal, passando pela tentativa de manejar o tempo de forma concreta e evoluindo para a própria consciência histórica individual e coletiva.
·         Constantes flutuações do humor e do estado de ânimo: O processo de luto da adolescência é permeado pela depressão e ansiedade, substrato natural das alterações de humor dos adolescentes.
·         Crises religiosas: O adolescente pode se manifestar como um “ateu intransigente” ou um “místico fervoroso”, vivendo uma variedade de posicionamentos entre estes dois extremos. Isto reflete sua angústia interna, no confronto com a sua possibilidade de morte e de perda de seus pais. As figuras idealizadas oferecidas pela religião lhe permite a garantia de continuidade de sua própria vida e daqueles que lhe são queridos.
·         Evolução sexual do auto-erotismo até a heterossexualidade: Reeditando a infância, através da masturbação, o adolescente revive a fase de manipulação dos órgãos genitais pelo lactente e, portanto, esta atividade tem características exploratórias, de autoconhecimento. Essa atividade pode servir como modalidade de descarga de tensão, negação onipotente da existência de outro sexo e, também, através dela, o adolescente pode elaborar a necessidade de um companheiro sexual. A culpa e a ansiedade podem acompanhar este processo. Outras saídas tensionais para esta fase são identificadas através das atividades de roer unhas, sugar lábios, gagueiras, resmungos, levar mãos aos lábios e torcer cabelos. Outras vezes, os adolescentes apresentam voracidade oral, atividades sádicas anais, expressas na linguagem suja e na indiferença pela limpeza. Inicialmente, os meninos evitam a presença das meninas e a solução defensiva deste momento é a tendência grupal, chamada fase homossexual da adolescência.  Gradativamente, na proporção em que se sentem mais seguros de sua identidade sexual, os adolescentes vão se aproximando de seus pares do sexo oposto. Às vezes, observa-se condutas femininas nos rapazes e masculinas nas moças, que correspondem a aspectos da elaboração edípica. É importante assinalar que a cordialidade nas relações com os pais facilita as relações com as pessoas do sexo oposto. A sensação de estar apaixonado é um dos componentes mais importantes da vida do adolescente e, neste momento, tem características de vínculo intenso e frágil, que tende a evoluir para o amor maduro, na medida da cristalização da masculinidade e feminilidade.
·         Necessidade de fantasiar e intelectualizar: A necessidade de fantasiar e intelectualizar se intensifica e domina o pensamento do adolescente, como mecanismos de defesa frente as situações de perda . A vivência dos lutos geram sentimento de depressão e fracasso frente a realidade externa. É na adolescência, que nascem os escritores e poetas, trazendo uma bagagem revolucionária própria de cultura para o mundo.

Maurício Knobel deixa claro que “somente quando o mundo adulto compreende e facilita adequadamente a tarefa evolutiva do adolescente, ele poderá desempenhar-se satisfatoriamente, elaborando uma personalidade mais sadia e feliz” .

4.      Mas é Freud, que veio  pensar a adolescência como um momento em que a familia e o meio em que o adolescente vive podem contribuir significativamente para a sua estruturação. Freud enfatiza a importancia da família, a mãe ou os cuidadores que virão com as suas regras, seus limites e mesmo seus tabus delinearem a organização familiar e consequentemente, a organização psíquica do sujeito. Freud diz que os pais organizam a estrutura psíquica da criança, e essa organização será reeditada na adolescência.
5.      Para Freud,  Pai e mãe sai funçõe cuidadoras – não importa se a função mãe, que é alimentar/amamentar, trocar as fraudas, dar banhos, dar beijinhos, balbuciar aquelas palavras doces que essa pessoa normalmente faz enquanto está fazendo a maternagem deo bebê seja desempenhada pela mãe, pela avô ou pela babá ou mesmo pelo tio. O importante é que tenha alguém, de preferencia uma pessoa constante que desempenhe esse papel com zelo e carinho.  A função pai, por outro lado pode ser desempenhada pelo próprio pai, ou pela mãe, ou pelo avô ou qualquer outra pessoa que de certa forma venha impôr algumas regras naquele ambiente. Assim , quero enfatizar que os cuidadores constituem papéis que não necessariamente tem que ser realizado pela mulher ou pelo homem, mas por alguém faça o papel de cuidadora e outra que imponha as regras, a lei.
6.      Assim, Freud utiliza da relação mae/filho desde os primeiros contatos para a estruturação psíquica. No complexo de édipo a mãe ou cuidadora ocupa lugar essencial para a criança, haja visto que é através dela que o bebê experimenta os primeiros afetos amorosos e rancorosos, é através dela que ele cumpre seu papel social e é inserido no espaço humano. É através desse contato que a mãe frusta a criança, quando não atende seu desejo de uma mamadeira docinha na hora que o bebê deseja, mas atrasa, ou dá  a mamadeira na hora que ele está chorando, sem entender que ele está precisando é que troquem as fraldas. É através da mãe que ele vai conhecendo os outros membros da familia, ensinando-o o quem é a titia, ou mostrando-lhe que o papai chegou. Ela vai socializando a criança. O complexo de Édipo é essa relação da mãe com a criança e o mundo. É essa mãe tão amada  que vai mostrando a criança que existe um mundo além dela, um mundo que ela participa, que ela se submete às suas leis e que ele deverá se submeter também. É a mãe que mostra ao bebê que ela tem que sair as tantas horas para trabalhar, que ela só pode ficar o dia inteiro com ele no domingo, que ela tem outros filhos também para cuidar, que ela gosta do seu marido além dele, que as outras pessoas também tem desejos e que esses desejos a limitam os desejos dos outros de alguma forma. O complexo de édipo é a relação em que a criança percebe que não é a única pessoa na vida da mãe. É no complexo de édipo que por mais que os pais amem a criança, não permitirão que ela viagem no banco da frente do carro, porque eles a amam mas também obedecem as leis do trânsito, mesmo que seja para ir só ali no supermercado, pertinho de casa. É o complexo de édipo que limitam a criança dizendo que os pais a amam, mas que ela tem que dormir na caminha dela, que a cama de casal é do casal e que ela é dona da casa também, mas tem alguns lugares nessa casa que não são reservados para ela. São esses pequenos limites, essas pequenas regras que vão estruturando o sujeito, castrando-o da sua onipotência e tornando-o humano. O que não se deve fazer é negociar com a criança: “Faça isso e fique bem bonitinha porque vou trabalhar e trago um docinho para você!” – Isso não é impor regras, mas é negociar com a criança, estabelecer uma relação de troca. O que não pode, não pode,  e não se deve fazer para ganhar um docinho, mas é porque não pode! É claro que se pode explicar a criança o por que que não pode. É bom lembrar que é na tenra infancia, quando a mãe diz que não pode colocar a mão no fogão quente porque queima o dedinho, inicia-se, através do corpo, o que pode e não pode. É a falta de limites que vai delineando o contorno psíquico da criança. A palavra Não!  É a primeira frase  completa do bebê. Quando ele diz não ele já manifesta um desejo e já tem em si a simbolização do desejo do outro, que vem através da função paterna – é a função paterna que impõe as regras de castração e a  mae não deve destituir a lei. Mais tarde, na adolescência a criança reeditará esse complexo, não mais na sua relação pai/mãe/filho, mas Eu, o Outro e as Regras Sociais.
7.      Bem, até aqui falamos da estruturação do sujeito. Cada familia pega um bebê que tem inicialmente uma conformação difusa, como as nuvens, e vai dando-lhe um formato, que pode ser quadrado, triangular, estrelado... não importa. O que sabemos é vários fatores estão imbricados nessa conformação: a própria individualidade da criança, os valores familiares e, inclusive,  a genética, que afirma que muito das características individuais e psíquicas do sujeito estão determinados pelos genes. Mas sabemos que a família, principalmente, tem papel preponderante nessa estruturação.
8.      Na adolescência, temos o que Freud denominou como Reedição do Édipo. O jovem, já crescido transfere para o meio social sua relação vivenciada com a familia. Assim, a relação afetiva, a relação com a autoridade e a relação com o conhecimento vai ser experimentada agora, sob nova conformação. Não mais no mundinho familiar, mas na ampliação para o grupo, para os amigos. Lembremos das características listadas por Knobel, sobre tendência grupal, necessidade de ser aceito, etc. Estará em jogo aqui aquelas características para a formação da identidade do sujeito. É aqui que inicia-se de fato a cristalização da personalidade daquela pessoa. Assim, é nova oportunidade para que a sociedade, não mais apenas a familia, mas a sociedade de forma geral participe na construção desse sujeito. O saber agora é geral, e o adolescente tem muito mais condições de estabelecer para si o que é certo e errado, e não está tão a mercê mais das regras familiares. Ele inclusive pode ditar novas regras através das suas atitudes reivindicatórias. Ele pode se rebelar, ele pode construir novo mundo. Ele sabe: pode ser criativo ou destruidor.
Ele manifesta sua afetividade através dos seus contatos sociais: pode ser extremamente carinhoso, amoroso, como pode ser rancoroso, desconfiado, indiferente. É momento de ser aceito e aceitar. O grupo a que pertence, seja na escola, no clube, no judô contribuirá efetivamente para a cristalização das suas manifestações  afetivas, dependendo de como será aceito ou rejeitado.
E é o momento dele manifestar suas regras, impor autoridade, liderar,  ou submeter-se as autoridades, as leis e as regras. O equilibrio nesses aspectos é de extrema importância. O sujeito não deve se sentir o sabe tudo, não deve ser amorosamente bobo, inocente, não deve ser o autoritário. Deve haver uma harmonia entre esses pilares, fundamentados principalmente com base na auto-estima.
9.      A auto estima tem muito a ver com o afeto. Se a criança se sentiu amada ou rejeitada, se ela sentiu que suas produções foram bem aceitas, reconhecidas ou rechassadas, se ela sentiu que ocupava um lugar de respeitabilidade naquela familia ou não tinha voz alguma, nenhuma autoridade, nenhum poder.
11.   Assim, pais, professores e líderes deverão representar para o adolescente, aquela figura reeditada, mas que encarnam esses três pilares: saber, poder e afeto.
12.   A autoridade é um poder. A autoridade faz com que o liderado aceite o que lhe é ditado supondo que quem o dita sabe e o ama. Essa a chave: A autoridade é diferente do autoritarismo porque supõe que quem o exerce seja afetuoso e sábio. Diferente daquele que é rancoroso e egocêntrico, que usa o saber em benefício próprio.
13.  Pais, professores e líderes devem impor os limites, amorosamente e com sabedoria.
14.  Devem estar atentos à individualidade de cada um. O jeito de ser. O mais bonzinho não significa que seja o mais saudável. O mais bonzinho pode estar massacrando seus próprios desejos para ser amado. O mais danadinho pode estar querendo chamar a atenção com a mesma intensão do bonzinho – para também ser amado. Precisamos observar e acolher.
15.  É importante observar os vários ângulos, se colocar no lugar do outro. Lembrar da sua própria adolescência. Acolher sem ser conivente, sem ser omisso. Posicionar-se amorosamente.
16.  Não podemos nos enrijecer, congelar.
17.   Precisamos buscar informações (isso que estamos fazendo agora), adotar atitudes positivas (sermos exemplares), com consciência.
18.  Sermos farol, iluminarmos, conduzirmos, orientarmos.
19.   Tudo isso com Amor, cuidado, envolvimento e comprometimento.
 MUITO OBRIGADA.


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