bBoa noite,
Eu trabalhava para algumas escolas
particulares em Belo Horizonte no que diz respeito a escolha do curso para o
vestibular, mas acabei acolhendo adolescentes que traziam outras angustias como
as relacionadas com a sexualidade, no caso a identidade sexual e a escolha dos
parceiros, a dificuldade em sentir-se aceito nos grupos, e ainda outra questão importante que é o envolvimento com a droga.
Percebi que essas questões tocavam
diretamente o futuro do adolescente, sua vida e suas escolhas. Assim, procurei
trabalhar com os adolescentes e suas famílias e pude perceber a importância do
desenvolvimento psicológico e o poder de influência da família sobre o sujeito. É esse o tema
que gostaria de compartilhar com vocês.
2. A
primeira coisa que devemos delimitar é o conceito de adolescência –
adolescência é um conceito novo, mas sua etimologia é antiga e remonta ao
latim, que significa crescer, desenvolver-se. Ocorre por intensas mudanças
físicas, em que o corpo deixa de ser infantil e toma um aspecto que ainda não é
adulto, mas está a caminho dessa maturidade. A adolescência envolve aspectos
como a maturidade sexual, que é a possibilidade de gerar filhos, a construção
de uma nova identidade – o adolescente começa a se ver e ser visto de um novo
jeito, com um estilo próprio e isso gera grande expectativa nele mesmo e nos
familiares. Por outro lado a adolescência gera autonomia: assim ele não quer
mais a proteção acentuada dos pais, necessita de maior liberdade, maior
confiança, ao mesmo tempo que deverá ser exigido dos mesmos maior
responsabilidade. A adolescência é fase também para a produtividade: o jovem
quer sentir-se ativo, presente, construindo historia, com sentimento de ser
util. A maior produtividade da juventude esta em se rebelar com a intenção de
construir um mundo melhor. É assim que se processam todas as revoluções no
mundo. As revoluções, as transformações partem dos jovens. Nós, os velhos
queremos manter o status quo, manter aquilo que tem dado certo. Dificilmente
nos arriscamos. Ao jovem cabe arriscar, a a nós orientarmos para que eles se
arrisquem sem correr riscos.
3.
Assim,
no desenvolvimento psicológico dos
adolescentes, temos caracteristicas bastante próprias, ao que Maurício Knobel
deu o nome de Sindrome da Adolescência Normal. Maurício Knobel observa que o adolescente vivencia “desequilíbrios e instabilidades extremas”, mas que podem ser analisadas
como aceitáveis para o seu momento evolutivo, pois constituem vivências
necessárias para se atingir a maturidade. Reúne sob a denominação de “síndrome normal da adolescência” ou “normal
anormalidade da adolescência” ao conjunto de sinais e sintomas que
caracterizam esta fase da vida e que são:
-
Busca de si e da
identidade: que seria a
compreensão de quem sou , minhas forças, meus pontos positivos e meus pontos
negativos, minhas limitações. A identidade é a combinação de características da
personalidade e estilo social, pela qual o indivíduo se define e é reconhecido.
É também o sentimento subjetivo de coerência e de continuidade da
personalidade. É a possibilidade do adolescente se ver ao longo da sua
história, integrando passado e presente... é se ver e se sentir reconhecido.
·
A
identidade, “consciência que o indivíduo
tem de si como um ser no mundo”, é construída ao longo da vida e tem
especial importância na adolescência. As transformações progressivas do corpo e
do esquema corporal levam o adolescente a adotar sucessivos modos de conduta em
diferentes situações, que constituem variações circunstanciais, transitórias e
ocasionais da identidade adolescente. Na busca de sua identidade, o adolescente
recorre a situações que se apresentam as mais favoráveis no momento. Uma delas,
é “a uniformidade”, o processo de
identificação em massa, que explica o “fenômeno
grupal. Na proporção em que o adolescente vai aceitando simultaneamente os
seus aspectos de criança e adulto, começa a surgir a nova identidade.
·
Tendência grupal:
A
busca de uniformidade é um comportamento defensivo que proporciona segurança e
estima pessoal. O fenômeno grupal adquire uma importância extraordinária na
adolescência, porque o indivíduo transfere para os pares parte da dependência
que mantinha com a família. Assim, a dependência do adolescente aos valores do
grupo é escravizante. Precisa de aplausos, julgando-se sempre conforme a sua
aceitação exterior. Ele não pode perceber ainda que a busca da aprovação dos
outros é a busca de sua própria aprovação. No início da adolescência, a turma é
formada por companheiros do mesmo sexo, mas, na medida em que amadurecem,
assumindo sua condição sexual, sentem-se mais livres para aproximar dos
adolescentes do sexo oposto. A turma constitui uma transição necessária no
mundo externo para se alcançar a individuação adulta.
·
Separação
progressiva dos pais: Esta é uma das tarefas básicas dos adolescentes, que
podem ser facilitada por figuras parentais suficientemente adequadas.
·
Atitude social
reivindicatória: Grande
parte da oposição que os adolescentes vivem com relação à família é transferida
para o meio social, projetando no mundo externo as suas raivas, as suas
rejeições e as suas condutas destrutivas. O adolescente pode sentir que ele não
está mudando e que são os pais e a sociedade que se negam a ter com ele uma
atitude provedora e protetora. Esta é a base da atitude social reivindicatória.
·
Contradições
sucessivas em todas as manifestações de conduta: Estas condutas
contraditórias são expressões da identidade adolescente, transitória ocasional
e circunstancial.
·
Deslocamento
temporal: O
adolescente vivencia uma crise de temporalidade. A criança vive as limitações
do espaço e do tempo, dentro dos limites de seu pensamento concreto. O adulto
tem a noção da infinitude espacial e da temporalidade da existência. Na
adolescência, estas noções se misturam, se confundem. Ele apreende o processo
de discriminação temporal, passando pela tentativa de manejar o tempo de forma
concreta e evoluindo para a própria consciência histórica individual e
coletiva.
·
Constantes
flutuações do humor e do estado de ânimo: O processo de luto da
adolescência é permeado pela depressão e ansiedade, substrato natural das
alterações de humor dos adolescentes.
·
Crises
religiosas: O
adolescente pode se manifestar como um “ateu
intransigente” ou um “místico
fervoroso”, vivendo uma variedade de posicionamentos entre estes dois
extremos. Isto reflete sua angústia interna, no confronto com a sua
possibilidade de morte e de perda de seus pais. As figuras idealizadas oferecidas
pela religião lhe permite a garantia de continuidade de sua própria vida e
daqueles que lhe são queridos.
·
Evolução sexual
do auto-erotismo até a heterossexualidade: Reeditando a infância, através da
masturbação, o adolescente revive a fase de manipulação dos órgãos genitais
pelo lactente e, portanto, esta atividade tem características exploratórias, de
autoconhecimento. Essa atividade pode servir como modalidade de descarga de
tensão, negação onipotente da existência de outro sexo e, também, através dela,
o adolescente pode elaborar a necessidade de um companheiro sexual. A culpa e a
ansiedade podem acompanhar este processo. Outras saídas tensionais para esta
fase são identificadas através das atividades de roer unhas, sugar lábios,
gagueiras, resmungos, levar mãos aos lábios e torcer cabelos. Outras vezes, os
adolescentes apresentam voracidade oral, atividades sádicas anais, expressas na
linguagem suja e na indiferença pela limpeza. Inicialmente, os meninos evitam a
presença das meninas e a solução defensiva deste momento é a tendência grupal,
chamada fase homossexual da adolescência. Gradativamente, na proporção em que se sentem
mais seguros de sua identidade sexual, os adolescentes vão se aproximando de
seus pares do sexo oposto. Às vezes, observa-se condutas femininas nos rapazes
e masculinas nas moças, que correspondem a aspectos da elaboração edípica. É
importante assinalar que a cordialidade nas relações com os pais facilita as
relações com as pessoas do sexo oposto. A sensação de estar apaixonado é um dos
componentes mais importantes da vida do adolescente e, neste momento, tem
características de vínculo intenso e frágil, que tende a evoluir para o amor
maduro, na medida da cristalização da masculinidade e feminilidade.
·
Necessidade de
fantasiar e intelectualizar: A necessidade de fantasiar e
intelectualizar se intensifica e domina o pensamento do adolescente, como
mecanismos de defesa frente as situações de perda . A vivência dos lutos geram
sentimento de depressão e fracasso frente a realidade externa. É na
adolescência, que nascem os escritores e poetas, trazendo uma bagagem
revolucionária própria de cultura para o mundo.
Maurício
Knobel deixa claro que “somente quando o
mundo adulto compreende e facilita adequadamente a tarefa evolutiva do adolescente,
ele poderá desempenhar-se satisfatoriamente, elaborando uma personalidade mais
sadia e feliz” .
4. Mas
é Freud, que veio pensar a adolescência
como um momento em que a familia e o meio em que o adolescente vive podem
contribuir significativamente para a sua estruturação. Freud enfatiza a
importancia da família, a mãe ou os cuidadores que virão com as suas regras,
seus limites e mesmo seus tabus delinearem a organização familiar e
consequentemente, a organização psíquica do sujeito. Freud diz que os pais
organizam a estrutura psíquica da criança, e essa organização será reeditada na
adolescência.
5. Para
Freud, Pai e mãe sai funçõe cuidadoras –
não importa se a função mãe, que é alimentar/amamentar, trocar as fraudas, dar
banhos, dar beijinhos, balbuciar aquelas palavras doces que essa pessoa
normalmente faz enquanto está fazendo a maternagem deo bebê seja desempenhada
pela mãe, pela avô ou pela babá ou mesmo pelo tio. O importante é que tenha
alguém, de preferencia uma pessoa constante que desempenhe esse papel com zelo
e carinho. A função pai, por outro lado
pode ser desempenhada pelo próprio pai, ou pela mãe, ou pelo avô ou qualquer
outra pessoa que de certa forma venha impôr algumas regras naquele ambiente.
Assim , quero enfatizar que os cuidadores constituem papéis que não
necessariamente tem que ser realizado pela mulher ou pelo homem, mas por alguém
faça o papel de cuidadora e outra que imponha as regras, a lei.
6. Assim,
Freud utiliza da relação mae/filho desde os primeiros contatos para a
estruturação psíquica. No complexo de édipo a mãe ou cuidadora ocupa lugar
essencial para a criança, haja visto que é através dela que o bebê experimenta
os primeiros afetos amorosos e rancorosos, é através dela que ele cumpre seu
papel social e é inserido no espaço humano. É através desse contato que a mãe
frusta a criança, quando não atende seu desejo de uma mamadeira docinha na hora
que o bebê deseja, mas atrasa, ou dá a
mamadeira na hora que ele está chorando, sem entender que ele está precisando é
que troquem as fraldas. É através da mãe que ele vai conhecendo os outros
membros da familia, ensinando-o o quem é a titia, ou mostrando-lhe que o papai
chegou. Ela vai socializando a criança. O complexo de Édipo é essa relação da
mãe com a criança e o mundo. É essa mãe tão amada que vai mostrando a criança que existe um
mundo além dela, um mundo que ela participa, que ela se submete às suas leis e
que ele deverá se submeter também. É a mãe que mostra ao bebê que ela tem que
sair as tantas horas para trabalhar, que ela só pode ficar o dia inteiro com
ele no domingo, que ela tem outros filhos também para cuidar, que ela gosta do
seu marido além dele, que as outras pessoas também tem desejos e que esses
desejos a limitam os desejos dos outros de alguma forma. O complexo de édipo é
a relação em que a criança percebe que não é a única pessoa na vida da mãe. É
no complexo de édipo que por mais que os pais amem a criança, não permitirão
que ela viagem no banco da frente do carro, porque eles a amam mas também
obedecem as leis do trânsito, mesmo que seja para ir só ali no supermercado,
pertinho de casa. É o complexo de édipo que limitam a criança dizendo que os
pais a amam, mas que ela tem que dormir na caminha dela, que a cama de casal é
do casal e que ela é dona da casa também, mas tem alguns lugares nessa casa que
não são reservados para ela. São esses pequenos limites, essas pequenas regras
que vão estruturando o sujeito, castrando-o da sua onipotência e tornando-o
humano. O que não se deve fazer é negociar com a criança: “Faça isso e fique
bem bonitinha porque vou trabalhar e trago um docinho para você!” – Isso não é
impor regras, mas é negociar com a criança, estabelecer uma relação de troca. O
que não pode, não pode, e não se deve
fazer para ganhar um docinho, mas é porque não pode! É claro que se pode
explicar a criança o por que que não pode. É bom lembrar que é na tenra
infancia, quando a mãe diz que não pode colocar a mão no fogão quente porque
queima o dedinho, inicia-se, através do corpo, o que pode e não pode. É a falta
de limites que vai delineando o contorno psíquico da criança. A palavra
Não! É a primeira frase completa do bebê. Quando ele diz não ele já
manifesta um desejo e já tem em si a simbolização do desejo do outro, que vem através
da função paterna – é a função paterna que impõe as regras de castração e a mae não deve destituir a lei. Mais tarde, na
adolescência a criança reeditará esse complexo, não mais na sua relação
pai/mãe/filho, mas Eu, o Outro e as Regras Sociais.
7. Bem,
até aqui falamos da estruturação do sujeito. Cada familia pega um bebê que tem
inicialmente uma conformação difusa, como as nuvens, e vai dando-lhe um
formato, que pode ser quadrado, triangular, estrelado... não importa. O que
sabemos é vários fatores estão imbricados nessa conformação: a própria
individualidade da criança, os valores familiares e, inclusive, a genética, que afirma que muito das
características individuais e psíquicas do sujeito estão determinados pelos
genes. Mas sabemos que a família, principalmente, tem papel preponderante nessa
estruturação.
8. Na
adolescência, temos o que Freud denominou como Reedição do Édipo. O jovem, já
crescido transfere para o meio social sua relação vivenciada com a familia.
Assim, a relação afetiva, a relação com a autoridade e a relação com o
conhecimento vai ser experimentada agora, sob nova conformação. Não mais no
mundinho familiar, mas na ampliação para o grupo, para os amigos. Lembremos das
características listadas por Knobel, sobre tendência grupal, necessidade de ser
aceito, etc. Estará em jogo aqui aquelas características para a formação da
identidade do sujeito. É aqui que inicia-se de fato a cristalização da
personalidade daquela pessoa. Assim, é nova oportunidade para que a sociedade,
não mais apenas a familia, mas a sociedade de forma geral participe na
construção desse sujeito. O saber agora é geral, e o adolescente tem muito mais
condições de estabelecer para si o que é certo e errado, e não está tão a mercê
mais das regras familiares. Ele inclusive pode ditar novas regras através das
suas atitudes reivindicatórias. Ele pode se rebelar, ele pode construir novo
mundo. Ele sabe: pode ser criativo ou destruidor.
Ele manifesta sua afetividade
através dos seus contatos sociais: pode ser extremamente carinhoso, amoroso,
como pode ser rancoroso, desconfiado, indiferente. É momento de ser aceito e
aceitar. O grupo a que pertence, seja na escola, no clube, no judô contribuirá
efetivamente para a cristalização das suas manifestações afetivas, dependendo de como será aceito ou
rejeitado.
E é o momento dele manifestar suas
regras, impor autoridade, liderar, ou
submeter-se as autoridades, as leis e as regras. O equilibrio nesses aspectos é
de extrema importância. O sujeito não deve se sentir o sabe tudo, não deve ser
amorosamente bobo, inocente, não deve ser o autoritário. Deve haver uma
harmonia entre esses pilares, fundamentados principalmente com base na
auto-estima.
9. A
auto estima tem muito a ver com o afeto. Se a criança se sentiu amada ou
rejeitada, se ela sentiu que suas produções foram bem aceitas, reconhecidas ou
rechassadas, se ela sentiu que ocupava um lugar de respeitabilidade naquela
familia ou não tinha voz alguma, nenhuma autoridade, nenhum poder.
11. Assim,
pais, professores e líderes deverão representar para o adolescente, aquela
figura reeditada, mas que encarnam esses três pilares: saber, poder e afeto.
12. A
autoridade é um poder. A autoridade faz com que o liderado aceite o que lhe é
ditado supondo que quem o dita sabe e o ama. Essa a chave: A autoridade é
diferente do autoritarismo porque supõe que quem o exerce seja afetuoso e
sábio. Diferente daquele que é rancoroso e egocêntrico, que usa o saber em
benefício próprio.
13. Pais, professores e líderes devem impor os limites, amorosamente e com sabedoria.
14. Devem
estar atentos à individualidade de cada um. O jeito de ser. O mais bonzinho não
significa que seja o mais saudável. O mais bonzinho pode estar massacrando seus
próprios desejos para ser amado. O mais danadinho pode estar querendo chamar a
atenção com a mesma intensão do bonzinho – para também ser amado. Precisamos
observar e acolher.
15. É
importante observar os vários ângulos, se colocar no lugar do outro. Lembrar da
sua própria adolescência. Acolher sem ser conivente, sem ser omisso. Posicionar-se
amorosamente.
16. Não
podemos nos enrijecer, congelar.
17. Precisamos buscar informações (isso que
estamos fazendo agora), adotar atitudes positivas (sermos exemplares), com
consciência.
18. Sermos
farol, iluminarmos, conduzirmos, orientarmos.
19.
Tudo isso com Amor, cuidado,
envolvimento e comprometimento.
MUITO OBRIGADA.
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