Antônio Godiño Cabas
Certamente, pode parecer demasiado,
despropositado, senão demasiado quixotesco o gesto que aqui nos propomos ao
propormos dar razão à loucura, logo à loucura a quem a razão cartesiana
empenha-se em situar o universo de sem-razão!
E, contudo, este empreendimento quixotesco não
é senão a duplicação de um outro gesto, este de cunho teórico; concretamente,
do postulado psicanalítico quanto às psicoses. Não havia dito Freud em sua
análise das memórias do presidente Daniel Paul Schreber que o que interessa ao
analista no relato do louco é precisamente seu método, sua lógica, enfim, sua
inteligência? Ao adotarmos este como nosso ponto de partida, não será difícil
esboçar a ideia de que a loucura desdobra e desenvolve “uma” razão lógica.
Consequentemente, o delírio que a tradição psiquiátrica costumava descrever
como torturado rompimento, como um pesadelo desgarrado e desgarrador se
transforma em polemica, em dissertação, em suma, em debate.
Um debate, deve ser dito, cujas chaves parecem
estar cifradas numa linguagem inescrutável e portanto de difícil leitura. Em
nome desta dificuldade, a loucura se constititui em nosso enigma. Mas também
devemos ser claros sobre este particular, porque o certo é que na abordagem
desta questão, não se está em posição de
quem nada sabe. Sucede que o que a loucura coloca é um enigma relativo ao saber
e justamente, quando se trata de saber, o analista nunca parte de um zero
absoluto; quero dizer, não se move entre trevas, mas pelo contrário, dispõe de
uma das mais luminosas premissas de que se possa dispor. Essa premissa é tão
simples como elementar: advém da observação de que a loucura é eminentemente um
fato humano de modo que, dizendo de outra maneira, as fronteiras da loucura são
as da subjetividade.
Depois de tudo, quem poria em dúvida o fato de
que somente um sujeito pode enlouquecer, assim como a recíproca, ou seja, que a
loucura somente pode ocorrer no lugar onde está prescrita a existência de um
sujeito?
Entende-se, é por esse lado (o lado do sujeito)
que a loucura põe a teoria em situação de xeque. Um xeque que é acima de tudo
pergunta que sempre demanda uma resposta. Eis aqui a razão pela qual a
psicanálise é convocada para explicar aquilo que a loucura argumenta quando
quem fala, fala sob forma de delírios.
Vê-se: a psicose entra em tudo isto em posição
de esfinge.
Só nos resta deixar claramente estabelecido que
no diálogo com a esfinge deve-se olhar a coisa como quem sabe algo de bilhar;
não se deve esquecer, depois de tudo, que o delírio joga sempre com duas
tabelas, ou, o que é o mesmo, discute em duas pontas enquanto não somente toca
a questão do mais além (...da razão) , como também toca a questão de seu mais
aquém ao tocar em cheio a questão do sujeito.