Antônio Godiño Cabas
Certamente, pode parecer demasiado,
despropositado, senão demasiado quixotesco o gesto que aqui nos propomos ao
propormos dar razão à loucura, logo à loucura a quem a razão cartesiana
empenha-se em situar o universo de sem-razão!
E, contudo, este empreendimento quixotesco não
é senão a duplicação de um outro gesto, este de cunho teórico; concretamente,
do postulado psicanalítico quanto às psicoses. Não havia dito Freud em sua
análise das memórias do presidente Daniel Paul Schreber que o que interessa ao
analista no relato do louco é precisamente seu método, sua lógica, enfim, sua
inteligência? Ao adotarmos este como nosso ponto de partida, não será difícil
esboçar a ideia de que a loucura desdobra e desenvolve “uma” razão lógica.
Consequentemente, o delírio que a tradição psiquiátrica costumava descrever
como torturado rompimento, como um pesadelo desgarrado e desgarrador se
transforma em polemica, em dissertação, em suma, em debate.
Um debate, deve ser dito, cujas chaves parecem
estar cifradas numa linguagem inescrutável e portanto de difícil leitura. Em
nome desta dificuldade, a loucura se constititui em nosso enigma. Mas também
devemos ser claros sobre este particular, porque o certo é que na abordagem
desta questão, não se está em posição de
quem nada sabe. Sucede que o que a loucura coloca é um enigma relativo ao saber
e justamente, quando se trata de saber, o analista nunca parte de um zero
absoluto; quero dizer, não se move entre trevas, mas pelo contrário, dispõe de
uma das mais luminosas premissas de que se possa dispor. Essa premissa é tão
simples como elementar: advém da observação de que a loucura é eminentemente um
fato humano de modo que, dizendo de outra maneira, as fronteiras da loucura são
as da subjetividade.
Depois de tudo, quem poria em dúvida o fato de
que somente um sujeito pode enlouquecer, assim como a recíproca, ou seja, que a
loucura somente pode ocorrer no lugar onde está prescrita a existência de um
sujeito?
Entende-se, é por esse lado (o lado do sujeito)
que a loucura põe a teoria em situação de xeque. Um xeque que é acima de tudo
pergunta que sempre demanda uma resposta. Eis aqui a razão pela qual a
psicanálise é convocada para explicar aquilo que a loucura argumenta quando
quem fala, fala sob forma de delírios.
Vê-se: a psicose entra em tudo isto em posição
de esfinge.
Só nos resta deixar claramente estabelecido que
no diálogo com a esfinge deve-se olhar a coisa como quem sabe algo de bilhar;
não se deve esquecer, depois de tudo, que o delírio joga sempre com duas
tabelas, ou, o que é o mesmo, discute em duas pontas enquanto não somente toca
a questão do mais além (...da razão) , como também toca a questão de seu mais
aquém ao tocar em cheio a questão do sujeito.
Em Freud
Certamente quando se trata da loucura na obra
freudiana, as coisas nunca são demasiado claras. Além do mais, não direi nada
de novo ao dizer que o próprio Freud não parece ter-se ocupado demais das
psicoses. E claro está que em nome desta crítica nunca falta quem conclua que a
experiência psicótica constitui um campo muito alheio ao da experiência
freudiana e, por extensão, da própria psicanálise.
A partir dai o terreno pertence ao mito. Mais
exatamente aos mitos.
Refiro-me ao mito da impossibilidade analítica
das psicoses.
Refiro-me ao mito que sustenta a insuficiência
teórica do inconsciente para dar conta da loucura.
Refiro-me ao mito biológico (e por que não?)
hormonal, quando não genético da esquizofrenia.
Refiro-me ao mito sociológico que reivindica a
loucura como sendo nada mais (e absolutamente nada mais) que um modo de
produção social.
Refiro-me ao mito daqueles que dizendo-se
participantes do marco freudiano juram e perjuram que é necessário fortificar
primeiro o eu do psicótico (sic) para depois submetê-lo ao processo da
reconstrução analítica (resic).
Como se vê, a lista – ainda quando não pretende
ser exaustiva é longa – longa demais para não se pensar que em tudo isto há
algo que cheire a sintoma. E certamente há... tão fecunda mitologia não pode
ser senão isso: pura mitologia. Recorde-se agora nossa definição sobre os mitos
(que os considera como relatos que pretendem descobrir cobrindo uma certa ordem
de verdade) e se compreenderá nossa conclusão: em tudo há sintoma a partir do
momento em que há “verdade”, mas “verdade em estado de repressão”.
É que não se pode desconhecer que há um
esquecimento na base de toda esta conversa, que é nada menos que o esquecimento
da experiência freudiana. Trata-se, por exemplo, que as psicoses aparecem como
o recurso fundamental do trabalho de Freud ainda em uma época em que esse
trabalho não podia aspirar nem ao título de analítico, nem sequer ao de
freudiano.
Porque, com efeito, o que os manuscritos de sua
correspondência com Fliess descobrem para qualquer um que tenha olhos para ver
o que está à vista é que a loucura importa desde muito antes da constituição da
ciência psicanalítica. Como desconhecer que o manuscrito B (fevereiro de 1893)
inclui não somente uma reflexão sobre as relações existentes entre a neurose de
angústia e a melancolia, como também a colocação desta psicose no quadro
nosográfico da época? Como não ver a repetição e a insistência deste tema no
manuscrito E (1894), no manuscrito G (também de 1894) ou ainda a reflexão sobre a paranoia lançada
no manuscrito H (1895)? Como é que se pode não ler o quadro nosográfico em que
sistematiza a confusão alucinatória, a paranoia e até as psicoses histéricas e
com o qual encerra esse mesmo manuscrito?
Não há dúvidas de que, além de toda e qualquer
omissão, a renovação do gesto freudiano, isto é, a insistência desta repetição
não é alheia à insistência de algo que desde o mais profundo da loucura,
interroga e fustiga a psicanalise antes mesmo de sê-la, operando como a
quase-causa da busca freudiana. Esquecê-lo é como esquecer que Freud conciliava
Charcot com Meynert e que foi, precisamente, pelo lado de Meynert que a loucura
entra como problema no universo freudiano, desta maneira o escrito sobre
Schreber não é apenas um texto de abordagem... em verdade, é o texto de um
reencontro.
E falo de um “reencontro” porque no começo de
1900 ou, como quem diz, na esquina do século, o tema das psicoses entra em
recesso e permanece em estado de hibernação, simplesmente porque a histeria é
muito mais que um simples quadro clínico. É uma magna reflexão sobre o desejo,
e é sob este título que se constitui no centro da experiência analítica nos
anos em que Freud elabora o corte que haveria de conduzir à fundação da ciência
do inconsciente. E ainda assim, não se pode nem se deve esquecer que é justamente
o caráter errático próprio do desejo, sua indestrutibilidade, sua
insaciabilidade, sua perene insatisfação e sua estrutura nostálgica de
repetição e retorno o que permite compreender a mais errática, inexorável,
insaciável, insatisfeita e repetidamente nostálgica das experiências humanas: a
prática da loucura.
Concretamente, quero dizer que não há abordagem
possível das psicoses se não se tiver levantado previamente a hipoteca teórica
da noção do desejo. Afinal, não é mistério algum que o desejo é profundamente
misterioso e, portanto, capaz de desenvolver um espectro de sombras nas quais
não vacilaremos em entrever a razão louca (verdadeira e profundamente louca) e
toda a experiência do homem mesmo naqueles casos em que não mereceria a
qualificação de psicótico.
Ocorre que o desejo põe sobre a mesa uma
dimensão, e por conseguinte, uma realidade profundamente metafísicas, coisa que
não há de se assombrar desde que se sabe que, quando se trata do desejo,
trata-se sempre e inexoravelmente de “outra coisa”. Neste sentido, o fantasma
não é senão a testemunha crua e carnal, se assim posso dizê-lo, de uma
realidade que é indefectivelmente equívoca.
O mundo das sombras?
O certo é que depois da Interpretação dos sonhos, o problema não é mais o de fixar os
limites da loucura, mas o de saber se há (embora seja por pura casualidade)
algum campo, algum lugar ou, quem sabe, algum sítio na prática do humano que
possa ser considerado não-louco. O problema é agora o de saber que classe de
coisa é a coisa não-louca, ou tratar de uma dimensão realmente existente, coisa
que a esta altura se apresenta como muito duvidosa. Por esta razão, Freud
rastreia toda a largura e altura do universo dos atos falhos, dos sintomas da
vida cotidiana, e dos chistes, na busca de algum espaço de consciência alheio à
influencia e determinação do desejo. Em vão. Uma vez formulada sua teoria
sexual, na qual apóia o insólito de sua descoberta sobre o desejo, a
irrealidade ou o pouco-de-realidade que caracteriza a vida do sujeito, colocam
em posição absolutamente crítica o saber até então vigente sobre a questão
psicótica.
Acontece que esta questão era entendida como
uma fuga; mais especificamente, uma fuga massiva da realidade. Em seu delírio o
psicótico seria alguém que, sendo incapaz de aceitar o penoso da realidade
objetiva, fugiria espavorido em louca corrida traçando um caminho delirante
rumo a impossíveis paraísos. Definitivamente, se enlouquece quando se perde o
“sentido” da realidade.
Pois bem, este critério, essencialmente
pré-freudiano, reaparece (tal qual o fazem os sintomas) nas formulações
autoproclamadas pós-freudianas de certos discípulos de Fenichel, de Ferenczi,
de Anna Freud. É o anafreudismo fazendo escola sobre a base de um programa no
qual a saúde advém do reconhecimento da realidade, coisa unicamente possível
enquanto compreendermos a importância do eu-de-realidade, esse mesmo que sendo
maduro é adulto e nunca se engana quanto ao seu mundo...
Obviamente, estamos ante uma regressão teórica
na qual se reifica uma ideologia do realismo e em nome da qual a loucura é um
desvario da razão enquanto a sua é uma rebelde e obstinada negação de todo
reconhecimento criterioso da realidade. É o dito então que sem razão é sinônimo
de sem-realidade, e a partir dai é construída uma torre de Babel na qual se
enfatiza o seguinte: é uma construção que se apoia eminentemente na “clínica”.
Desta forma, os deslizamentos ao se levantar
essa torre (deslizamentos que a Bíblia já se havia encarregado de definir: “são
linguísticos”) terminam querendo que esse parâmetro converta-se no pattern para o estabelecimento de uma
psicopatologia. Enfim, toda a nosografia terminará apoiando-se nesse modo de
ver as coisas... um modo que o capricho das modas terminológicas definiu assim:
visão quantitativa do fenômeno patológico. Essa quantidade, falando alto e
claro, é uma quantidade de fuga. Desta maneira o cálculo diagnóstico se torna
possível: quanto maior é a distancia que separa o sujeito do reconhecimento da
realidade, maior é sua possibilidade psicótica, sendo que quanto menor é a
distancia que separa de dito reconhecimento, maior é seu “grau de saúde”. Não é
muito difícil apreciar que o que aqui está em jogo é um sistema métrico que
funciona como um fator de cálculo. Mede-se a distancia de fuga da realidade e
essa medida nos dá um nível de enfermidade.
É realmente curioso. O pivô e ponto de apoio
dessas tabelas de medição é composto de um critério de realidade que, na
verdade, nunca foi rigorosamente definido. Ocorre que quando se trata da
realidade o que podemos chegar a encontrar, e isto no melhor dos casos, é com a
seguinte formulação tautológica: a realidade? Elementar! A realidade é a
realidade...
Bem, sabemos que uma tautologia é um
instrumento útil para ilustrar e descrever o princípio da identidade absoluta,
tanto que é dessa maneira que a lógica consegue por em cena a noção de verdade,
tal como demonstra o trabalho de Ludwig Wittgenstein no sentido de que uma
tautologia nunca predica nada; simplesmente não é uma ferramenta de definição.
Desta forma, constatamos que ao adotar esta suposta definição da realidade,
adotamos um sistema de cálculo que se apoia sobre uma estéril verdade sem que,
por outro lado, nada em nosso esquema teórico nos permita dar conta da aporia?
Mais estranho ainda é quando ao ler Freud, descobrimos
que nossa aporia é em verdade um paradoxo. Não somente não há nada nos escritos
de Freud que nos permita dar conta do grau de realidade da realidade em si,
senão que, pelo contrário, o que neles nos diz é que a realidade é o fruto do
desejo. Em outras palavras, define-se como o efeito necessário e inevitável do
delírio... “o supor uma realidade-em-si à qual o sujeito teria acesso é como
supor que existe a possibilidade de que o sujeito deixa de ser sujeito”.
Sejamos objetivos, diz-nos então, “há uma realidade ai, que independe do
desejo, coisa que é bastante evidente”... sem dúvida. Mas não haverá um certo
contra-senso nessa exigência de um sujeito objetivo enquanto isso seria o mesmo
que demandar-lhe que deixe de ser... sujeito? Será realmente possível pensar em
um sujeito objetivo? Não é esse um enunciado demasiado paradoxal? É que em
última análise, seja o que for que se está pretendendo assinalar em Introdução ao narcisismo é que o
narcisismo não é uma simples fase, uma mera etapa evolutiva que chega e passa
como chuva de verão, mas uma estrutura profundamente determinante de toda a
experiência humana.
Decerto isso não significa que a objetivação é
uma pura utopia. O campo freudiano dedicou um amplo espaço à reflexão sobre os
objetos. Mas acontece que essa reflexão nos demonstra que os objetos (e por
consequinte a objetividade) explicam-se em função da falta. Não é o
objeto-em-si mas a falta de objetos que explica a posição objetiva (ou não) do
sujeito inconsciente. Pela muito simples razão que o que está em jogo é uma
falta que o sujeito tende a suturar com sua produção.
Então, os objetos são objetivações do
narcisismo (leia-se: “declinações”ou ainda “conjugações” do narcisismo), de
forma que a suposta objetividade não é outra coisa do que um efeito derivado da
inscrição objetiva do desejo. Não é sabido que o objeto é determinado por
aposição? E não é sabido que a aposição determina uma busca cuja direção e cujo
sentido estão qualificados? E, finalmente, não é sabido que essa qualificação
define o que é buscado como estando modelado pela experiência da mãe nutriz, ou
do pai protetor e que, neste sentido, o que se busca é a quem me alimenta ou a
quem me protege bem?
Depois da escrita dos Três ensaios a realidade tem uma única definição possível: como uma
realização do desejo. Trata-se portanto, de uma inscrição no real de algo que
pertence à ordem do sujeito ou dito de outra forma, trata-se da realidade do
desejo cuja estrutura essencialmente errática colocará em xeque todo o suposto
de realidade positiva à maneira do empirismo clássico. Como entender então o
paradoxo da sexualidade humana que quer que os homens amem as mulheres que
sendo suas mães não o são?
Repito: o mundo das sobras? Sem dúvida sim, se
assim queremos nomear o desejo.
Pois bem, creio que não é difícil apreciar a
esta altura de nosso desenvolvimento que a psicose está presente nas
entrelinhas desta elaboração, de forma que não pode surpreender o fato de que o
ano de 1911 ponha na mesa o tema do delírio psicótico desta vez em primeiro plano,
na linha de frente da mira teórica freudiana. Por isso deve-se insistir sobre
este ponto: Schreber é muito mais que uma polemica com a escola de Zurich,
entenda-se Jung ou mesmo Adler. É a demonstração palpável, no real da clínica,
de que há uma dimensão de desejo em toda loucura e que somente ela pode dar
razão da razão delirante.
Schreber afirma, para quem quiser escutá-lo,
que o que está no centro do seu delírio é um “estranho desejo”, ou melhor
ainda, o “estranho de um desejo”. Direi então que Schreber debate-se ante a
brutal emergência de um desejo cujas características correspondem ao pé da
letra aos atributos de sinistro. “Ama-se a um pai” parece nos dizer como quem se aventura a
dizer que “batem-se em uma criança”. Eis aqui o núcleo motor do delírio
paranoico. Mas por que? Simplesmente porque há algo de muito enigmático nesse
desejo, e esse algo é o lugar do sujeito. Quem ama? Poderia se perguntar como
quem pergunta: “Quem fala”? E sem sobra
de dúvidas, o Presidente ser veria em sérios apuros ao ter que responder a essa
pergunta, como de fato ocorreu, já que justamente seu drama parece haver sido o
de não poder estabelecer um sujeito capaz de ocupar (recordemos que esse termo
concerne a uma política das catexias na obra de Freud – besetzung) - o lugar que na
fórmula está denotado de maneira anônima e impessoal: “ama-se”...
E não obstante, que ninguém se engane: Schreber
sabe, sabe que não sabe qual é o sujeito capaz. Por esta razão seu delírio se
renova em um constante re-perguntar(se) “quem ama?”. É uma re-pergunta
balbuciada sob o signo do mal-estar e a inquieta preocupação daquelas perguntas
que se sabem de antemão sem resposta. “Quem ama – pergunta-se o paranoico – se
de qualquer forma esse não sou eu, visto que pelo que eu sei, eu apenas o odeio
pela justa razão que ele... ele me persegue?”
O debate schreberiano transcorre num plano de
marchas e contra-marchas como o passo titubeante de um bêbado da meia noite que
oscila e vacila mas ao final sai andando e se perde... seu gesto é um ensaio,
nunca um gesto. É o esboço e nunca um plano, porque algo lhe ficou confuso. E
certamente Schreber sabe disso. Por isso, dedica-se a conjugar pronomes: os
pronomes do verbo fundamental, ele que tanto se preocupava com a norma da
língua fundamental (Grundsprache). Já observei, em outro lugar, que se
tornarmos gramatical o discurso de Schreber ou mesmo o discurso das paranoias
em geral, o que obteríamos é uma estranha declinação verbal: “eu o amo – eu o
odeio – ele me odeia. Ao constatar essa circulação na qual o sujeito gramatica
termina alterado, poderíamos concluir que o enigma schreberiano é pronominal. E
a partir dessa perspectiva não é difícil concluir que há algo em Schreber que
somente poderia ser definido como uma indeterminação quanto ao lugar do sujeito.
O fato de que essa indeterminação produza efeitos de projeção não é senão sua
logica consequência se atendemos à lei que quer que “ali onde não é possível
determinar um sujeito haverá sempre uma projeção”, formula com a qual
traduzimos o efeito psicótico do imperativo do id (“Ali onde era o Isso, o
sujeito há de advir” – Wo es war, sol Ich werden).
É sabido que esse fenômeno de projeção é o que
mais chamou a atenção dos estudiosos do fenômeno psicótico, e por fim da
maioria dos comentaristas deste caso. Dai a importância outorgada à projeção em
todos os capítulos que a psicanalise dedicou à loucura. Claro está que
tratando-se da projeção estamos diante de um fenômeno libidinal. Haverá quem
pense então que o drama do sujeito deve ser entendido assim: se ele tem uma
certa quantidade de libido com a qual não se sabe o que fazer, e então ela é
projetada... ao substantivar a libido atribui-se-lhe uma forma material e a
partir dai incorre-se no deslizamento de pensa-la como uma certa quantidade de
energia. Em oposição a isto gostaria de salientar que a dita projeção libidinal
manifesta-se em uma conjugação gramatical errática, ou seja, se manifesta como
um ostensivo devaneio acerca do lugar do sujeito. Dito de maneira mais simples:
o que está em jogo é o próprio sujeito.
Di-lo-ei à minha maneira: do que se trata na
libido é de um principio de equivalência simbólica (pense-se então na série:
criança, pênis, fezes, presente e dinheiro) e portanto de um sistema de
relações. Consequentemente, supô-la como uma “energia” está certo, sempre e
quando tenhamos em conta que se está operando com uma simples analogia, com um
“como se”, com uma petite fiction
scientifique. Caso contrário cairemos no terrível engano de pensar que o
sujeito funciona com pilhas.
E a pilha – se ela existe – é o desejo. Já
dizia Aristóteles quando falava de seu “primeiro motor imóvel” demonstrando com
isso que já em sua época o que importava era definir ao sujeito, embora sendo
uma época na qual Volta não existia e portanto não poderia ter deixado a marca
de “sua” pilha.
A partir de Schreber o tema fica em aberto. Que
coisa é o sujeito se o sujeito não é o eu? A resposta não se faz esperar. Introdução ao narcisismo introduz a
noção de que o sujeito é indissolúvel da questão narcisista ou seja, de uma dimensão
em que a alteridade domina e reina como dona e senhora. Um sujeito não é um “si
mesmidade”, mas uma estranha dialética de alteridades. Contudo, deve-se ser
franco... também se trata de uma estranha alteridade visto que, afinal, sobre
esse montículo de outros se acavala um eu.
Introdução ao
narcisismo nos
introduz a esse aspecto de coisas onde o outro é a causa do eu, mas onde o eu –
embora sendo outro – não é alheio ao sujeito. Ve-se: para ser (humano) é
necessário ao humano remontar alguns paradoxos. E convem observar que o
remontar paradoxos é juntamente com o remontar barriletes uma das funções da
infância que, ao fazer voar a coisa deixa a marca de um estilo: o estilo da
psicose, o estilo da neurose, enfim, o estilo de um broto de homem.
Lacan insistirá sobre este particular ao forjar
sua noção de sujeito. Dirá: o estilo é o próprio homem.
Em 1914, juntamente com a introdução ao
narcisismo, Freud reintroduz a questão da psicose ao ocupar-se novamente de um
caso de paranoia. Trata-se desta vez de um caso contrário à teoria
psicanalítica desde que quem persegue o sujeito não é uma mulher – como seria
de esperar atendendo à premissa da homossexualidade na paranoia – mas um homem.
Vejamos a história: o sujeito é um paciente,
mas não é paciente de Freud. Na realidade, a jovem havia consultado um advogado
a quem se dirigia em busca de um sistema de garantias contra as perseguições a
que estava exposta por se haver exposto (leia-se entregue?) a um homem. Por sua
parte, o advogado em questão, querendo saber o que é que a paciente lhe pede,
pede a Freud um sistema de garantias; quer saber quanta loucura há na loucura
da sua cliente. Freud responde: quem persegue à sujeito é a mãe ainda que sob a
tênue máscara do chefe. Nesta trama de intrigas palacianas o homem não é nada
mais que um instrumento, e as fotos que este haveria estabelecido com a ajuda
de um sujeito (terceiro, anônimo, misterioso e oculto) seriam submetidas à consideração para com sua
subordinada. Eis ai uma perfeita linha mestra para um drama perfeito.
Como explicar a uma mãe que foi tentado o
condenável gesto de uma traição? Mas, também, como ocultar de uma mãe que foi
tentada sua substituição, se ao faze-lo, a jovem deixou um lugar vazio, o mesmo
que na ocasião haveria de ser ocupado por uma câmera fotográfica, perfeita
paródia aos olhos de uma mãe que tudo vê? Uma mãe que tudo vê... a figura do
sujeito onisciente faz sua entrada nos relatos clínicos. É a forma que o
psicótico tem de ler ao sujeito-suposto-saber, causa de sua insólita transferência.
Já Schreber havia entreaberto esta dimensão ao falar de um Fleschig cuja
onisciência ficaria comprovada ao se descobrir que seu cúmplice era nada mais,
nada menos que Deus. E falando de transferência, não deixaremos de notar o
sintomático do pedido que motiva a entrevista com o advogado. A paranoia pede
um “sistema de garantias” como quem pede que se instaure o “nome-de-Um-pai”.
Mas o mais curioso, e isto sempre ocorre com a loucura, é que este pedido é
reduplicado pelo advogado a alguém que, fora da relação de demanda, possa
declinar os limites e as fronteiras desse diálogo. Este fenômeno da
reduplicação dos delírios do louco por parte da instituição manicomial é o
ponto chave do dia-a-dia no hospício. É também o pior dos artifícios
institucionais para a abordagem da loucura visto que no final todos terminam
como nos espelhos: o hospício diz do louco o que o louco diz do hospício.
Mas antes de entrar na análise da
transferência, atendamos à logica do delírio que é, enfim, o objeto central do
trabalho de Freud neste momento. Como ser mulher, se a mulher é minha mãe?
Parece dizer em seu delírio, o dizer da paranoica... Interessa notar que este
enunciado confirma todas as críticas formuladas a uma suposição da realidade. É
que, na verdade, deve-se reconhecer que a atitude da jovem não é nada realista:
pensa ser sua mãe quando esta sendo mulher, pensa que sua mãe a observa quando
está a sós, pensa que seu amante a trai quando a beija, e pensa que o engano
deste não é com outra senão com sua própria mãe. Mas também interessa notar que
a esta altura de sua elaboração Freud sabe que tanta fantasmagoria não é
propriedade exclusiva das psicoses. Ao contrario, é um traço comum – se
porventura há alguma – que une e amarra a normalidade da loucura com a loucura
de toda normalidade.
Por esta razão, ao chegar a 1915 – apenas um
ano depois -, Freud não pode deixar por menos. É necessário pensar que coisa
está em jogo no delírio atendendo ao fato que o sujeito – dito normal – também
põe na mesa a realidade inexorável do irreal, ainda que mais não seja, do que
através do enigma dos sonhos. Suplemento
metapsicológico à teoria dos sonhos
debate exatamente esse ponto, ao submeter à analise a realidade da alucinação
neurótica (além de tudo o sonho é uma realização alucinatória de desejos)
juntamente com a realidade da alucinação nas esquizofrenias.
Dito esquematicamente, trata-se de estudar a
alucinação do sonho depois de analisar a alucinação do esquizofrênico, para
finalmente compará-las e extrair algumas conclusões. E a primeira destas
conclusões não faz mais que confirmar a tese de 1905 ao reiterar que a
realidade é o efeito de realização desiderativa. Mas a partir daqui, uma
segunda conclusão se impõe: a distinção entre a realidade neurótica e a
realidade psicótica será unicamente possível a partir do momento em que
possamos dar conta dos modos específicos de realização em uma e outra. E é no
prosseguimento desta hipótese que Freud termina observando:
Revela-se aqui a
diferença decisiva entre o trabalho onírico e a esquizofrenia. Nesta são
trabalhados pelo processo primário as próprias palavras... enquanto que o
trabalho onírico não recai sobre as palavras mas sobre as representações
objetivas a que as mesmas são previamente reduzidas.
Concretamente, enquanto a esquizofrenia trata
as palavras como coisas, a neurose as distingue. Tudo ocorre como se o esquizo
atribuísse à palavra dimensão a propriedades ônticas. Nisto o louco se parece
aos pré-linguistas que supunham que todo elemento da linguagem aludia a uma
realidade material ou então a uma
propriedade objetiva. Não é difícil adiantar o seguinte: ao esquizo escapa o
que aos pré-liguistas escapava, o caráter arbitrário de todo signo.
Não é um escape qualquer. Quero dizer que é uma
falta fundamental desde o momento em que esta falta impede (preclui?) o acesso
ao simbólico. O desconhecimento do caráter puramente relacional da estrutura
significante condenou os pensadores pré-linguisticos a meros exercícios
gramaticais (ou mesmo neo-gramaticais) onde o objeto do estudo é a norma, e a
norma enquanto razão do “bem dizer”, assim como o louco é condenado a buscar a
norma do “bem fazer” para ser. Não é isso o que está em jogo no delírio de
Schreber acerca da ordem universal?
De nossa parte, sabemos que a língua faz
sistema, mas o que não se deve esquecer é que esse sistema não é nada mais que
um sistema de relações, um sistema de deslizamentos, um sistema de permutações
tal como demonstra a fecunda investigação lévi-straussiana. Em suma, a
permutação dos elementos, coisa que é possível enquanto existia um lugar vazio
na estrutura, é a nota distintiva fundamental que nos permite ler a noção de
sistema. Mas, então, ao se impedir a permutação dos significantes (para o qual
basta tampar o lugar vazio) se estará impedindo a possibilidade de que um
significante, como o que se terminará perdendo o traço fundamental de toda
linguagem: sua possibilidade e sua dimensão metafóricas.
É o que exatamente ocorre com o louco o qual,
ao tratar as palavras como coisas revela seu calcanhar de Aquiles, mas também
ao mesmo tempo põe a descoberto sua razão lógica. Desnuda a condição legal que
anima seus enunciados; não há possibilidade material de estruturar um universo
metafórico. Dai que sua linguagem termine sempre sendo um deserto de objetos,
um paraíso da objetividade, enfim, o universo do sem-sentido. Porque o que deve
ser dito é que essa dimensão metafórica não se limita ao mundo do tagarelar, ou
ao universo da fala. Para constatá-lo bastaria recordar que a identifição não é
senão uma estruturação metafórica enquanto fixa e substitui ao sujeito um traço
outrora delineado pelo desejo. Onde havia uma catexia haverá uma identificação.
É o que demonstra o caso Dora ao demonstrar que a tosse histérica não é mais
que a substituição identificatória de um traço da senhora K, enquanto a senhora
K havia sido ocupada pela catexia. Desta maneira, a tosse transforma Dora em
representante de outra mulher conforme o que a homossexualidade do desejo
histérico, coisa que exigiu tempo e esforço por parte de Freud visto que somente
pode decifrá-la ao tentar a epicrise em uma autocrítica.
Pois bem, se Dora é – enquanto sua tosse fala –
uma maneira de substituição da Senhora K em nome de seu amor pela mulher (e não
pelo homem, como inicialmente acreditara Freud), o que Dora põe em questão é a
questão eminentemente metafórica da identificação histérica em primeiro lugar,
e em segundo lugar, por extensão, da identificação no humano, único animal da
criação no qual a mimese responde a essa função de “substituição no simbólico”.
Consequentemente, ser não é outra coisa que
produzir substituições, declinar metáforas. É o mesmo que dizer que do que se
trata é de declinar o narcisismo no plano secundário; narcisismo secundário. E
a partir daqui, a importância que assume a função metafórica no universo da
loucura deixará esta em condições que podemos definir como anteriores ao
símbolo, ou o que é o mesmo, anteriores à condição subjetiva.
Desta forma, a realidade do louco é uma
realidade na qual a impossibilidade da substituição transforma o sujeito em um
enigma e, o que é pior, em enigma absolutamente insolúvel. Eis aqui a razaqo de
Schreber, da paranoia, do delírio e sobretudo a peculiaridade projetiva de todo
enunciado psicótico. Eis aqui também a causa deste registro homossexual próprio
de toda psicose. Não é uma homossexualidade no sentido do ato erótico, mas uma
homossexualidade no sentido de uma definição erótica do homólogo. Diremos então
que a homossexualidade das psicoses é a aproximação máxima possível ao espaço
de semelhança e da substituição. Mas também teremos que dizer então que a
premissa lógica da loucura é aquela que toma a palavra como sendo coisa, ou
seja, conforme o princípio de identidade absoluta, de identidade radical, da
impossibilidade substitutiva no simbólico.
Por sua vez, a realidade neurótica obedece a
princípios diametralmente opostos como se a neurose fosse antípoda da loucura.
É o universo da substituição. Dora é a Sra. K sempre que tosse. Elizabeth Von
R. ama seu cunhado enquanto possa alimentar com isso a ilusão de ser sua irmã.
O homem dos ratos é (ou não é?) seu pai. O problema do ser se resolve na
substituição, configurando-se deste modo
uma realidade na qual o ponto de ancoragem e o sujeito, e na qual a
subjetividade é a conquisa da substituição. Não se disse que o sujeito há de
ser ali onde o Isso era?
Entende-se então que a grande diferença entre o
universo neurótico e o universo psicótico reside na estrutura das ligações
internas (maneira com a qual aludimos à organização libidinal). O louco seria
aquele que liga de acordo com a lógica de deslocamentos, onde reina a
metonímia. O louco seria alguém a quem teria sido proibido – de maneira
anterior (preclusão) – toda ligação de substituição e em consequência, toda
possibilidade de discurso metafórico. Por esta razão o louco é aquele que não
tem acesso ao mundo da ficção, ao mundo do “como se”, em suma, é alguém que não
pode jogar com os exemplos. E em consequenacia, se o que define a loucura é a
sem-razão, haverá que especificar agora que essa sem-razão é sinônima de
sem-metáfora, e que, enfim, a sem-razão responde a um tipo de razão na qual a
ligação é sempre metonímica.
Em 1917 Freud retoma a questão a partir de algo
que parece ser um outro ângulo; concretamente desde o ponto de vista da
identificação. Claro que convém apostar demais nessa diferença já que a
continuidade teórica é muito maior do que à primeira vista se pode pensar.
Sucede que a identificação nos fala de um modo de substituição simbólica como
já vimos. Consequentemente, o fato de que as psicoses apresentem um tipo
qualquer de estrutura identificatória nos sóbria a revisar e rever até que
ponto há prescrição e ate que ponto há proscrição para a substituição da
loucura. Sobretudo depois de descobrir que é justamente no sentido da
substituição que corre a causa do drama psicótico. E para isso será necessário
dar conta da diferença que existe entre a perda de objeto na neurose e a perda
de objeto na psicose, tendo em vista que toda perda de objeto costuma-se
resolver em uma forma particular de identificação.
Luto e melancolia é o titulo com que Freud apresenta seu
raciocínio. O eixo central da reflexão poderia ser resumido com as seguintes palavras;
palavras que – por outro lado – serão do próprio Freud: “... a perda, causa da
melancolia, é conhecida para o doente o qual sabe a quem perdeu, mas não o que
com ele perdeu”.
Embora com o risco de ser muito repetitivo,
gostaria de enfatizar e sublinhar as palavras de Freud: nos diz que o melancólico
sabe que coisa perdeu, mas não sabe o significado do objeto perdido. Ou seja,
do que se trata na melancolia é de um transtorno no processo da significação. Um
transtorno que advém do fato de que o psicótico percebe a perda em si mesma,
mas nunca o sentido de dita perda enquanto o objeto suturava uma falta cuja
percepção lhe é vedada. A reação psicótica é instantânea, imediatista se se
preferir. Ao identificar-se com o objeto, seu objetivo parece ser o de manter
em presença algo cuja ausência o faria sumir no sem-sentido absoluto. Sua identificação
responde pois ao modelo da identidade absoluta, coisa que já vimos. A partir de
sua reação, o psicótico não é definível como um sujeito estruturado em volta de
um orifício, mas como um sujeito estruturado em volta de um outro. Um outro
cuja função ele não pode explicar mas de cuja presença jamais poderá
prescindir.
Dito de outro modo, assim como se fala do
cocainômano ou do morfinômano, quando o que está na mesa é o tema das psicoses,
poderíamos sem dúvida dizer que se trata de um outrômano.
Daqui em diante Freud não tem mais dúvida
quanto à diferença que separa e distingue a neurose da psicose. O sonho, o
sintoma, o fantasma ou o delírio do neurótico são estruturas deliberativas nas
quais se tematiza a questão da falta e por fim, o cordão constitutivo da
subjetividade. Estamos falando sem sombra de dúvidas da castração. Por sua
parte, o psicótico é alguém que delira. A esse respeito não há dúvidas. Quero dizer
que o delírio psicótico não tem a função deliberativa que apresenta o delírio neurótico.
Sua função é outra a partir do momento em que apresenta um caráter enunciativo.
Explico-me: a alucinação pretende enunciar um sujeito embora evitando toda e
qualquer possibilidade de discorrer sobre a falta. A alucinação anuncia o
objeto capaz de suturar com o que omite o sujeito capaz.
Convém atender a esta distinção sobre a base de
uma função deliberativa na neurose e uma função enunciativa nas psicoses. Sobretudo
porque talvez a partir dai possamos entender que o neurótico seja sempre o
sujeito de uma dúvida e, à sua maneira, um sujeito cartesiano, enquanto que o
psicótico é mais um objeto de certezas. Por isso prediz, e dai seu ar de
profeta – quando delira – ou de morto em vida – quando silencia.
Em 1919, Freud apresenta um texto de
incalculável valor. Seu título O estranho
pretende dar conta desse estranho inquietante: o duplo. Se poderia dizer então que
é um texto no qual documenta a trágica derivação de um caso de outromania. Esse
‘vicio’ da outridade.
O destino de Nathaniel é o mesmo que o do
narciso. Assim como este se precipita nas águas querendo abraçar uma imagem que
ele não sabia que era a própria. Nathaniel se lança do alto da torre para
segurar e aprisionar um Copola que não é senão ele mesmo. Como se vê, as
psicoses terminam se comprometendo com algo que poderíamos descrever como “um
transtorno do espaço” e que convém estudar a fundo na medida em que este
transtorno nos fala de uma topologia sumamente particular.
Em 1924, dois títulos culminam o debate
inaugurado por Freud nos idos de 1893. Transcorrem-se 31 anos, a idade de um
homem adulto. O primeiro desses títulos Neurose
e psicose reflete bem o espirito freudiano no sentido de que há uma
diferença de estrutura entre dois estilos. Mas para os efeitos de nosso
desenvolvimento e dado que temos adotado como eixo da reflexão sobre o
principio da realidade, mais nos interessa o outro trabalho, cujo título é
altamente evocador: A perda da realidade
na neurose e na psicose. Em seu interior, Freud reitera que a neurose e a
psicose são estruturas qualitativamente diferenciáveis e distinguíveis não só
porque produzem sintomas diferentes, mas também pela razão fundamental que essa
diferença sintomática corresponde a causas diferentes apesar de que a etiologia
seja sempre a mesma. Efetivamente, é ante a emergência da falta que o sujeito
adoece, e esse adoecer se expressará numa crise, ambos perdem a realidade ao
perder o objeto com o qual manipulavam a falta.
Nesse contexto, Freud observa que a diferença
que separa ambas estruturas reside no estilo, ou mais precisamente, nos
operadores que decidem o estilo do sujeito:
“...o novo mundo
exterior fantástico da psicose quer substituir a realidade exterior, enquanto
que o da neurose gosta de se apoiar, como os jogos infantis, em um fragmento da
realidade...”
Concretamente, enquanto a neurose apresenta um
estilo fictício, a psicose esboça um estilo fático. Dois universos, dois
estilos. Mas ao chegar aqui, entendo que seria importante introduzir uma
chamada no sentido de prevenir o erro sempre possível de que se considere o
estilo psicótico não já como sendo simplesmente “um” estilo, mas como sendo o
paradigma, o non-plus-ultra do
doente, enquanto que se veria na neurose nada menos do que a metáfora da saúde. A tendência a qualificar os polos de uma comparação
parece ser inevitável, de onde me parecer tão igualmente inevitável introduzir
este alerta. Ao definir comparativamente a neurose e a psicose, não estamos senão
operando como quem denota que Leste e Oeste são antípodas, sem que isso nos
permita atribuir a qualquer destas duas posições a função métrica. No fundo, se
algum parâmetro há em tudo isto, só pode ser a relação que, ao unir dois
elementos, separa-os no interior de um mesmo campo. Sendo assim, será possível
aproximarmo-nos ao estudo da questão nosográfica pensando que assim como Leste
e Oeste são referencias do espaço geográfico, da mesma forma neurose e psicose são
estruturações peculiares do espaço simbólico.
Além disso, neurose e psicose não são nada
mais, mas também nada menos que dois estilos, ou mesmo, dois modos de produzir
a realidade: “Resulta pois, que ambas afecções, a neurose e a psicose, se
desenvolve não só da perda da realidade, mas também uma substituição da realidade”.
Enfim, ocorre que ambas estruturas produzem uma
realidade, e que se há algum mal em tudo isto, é o da dor de produzir uma
realidade para substituir a perda constitutiva do sujeito, digo então: a falta,
direi: a castração.
Como conclusão, espero haver conseguido
demonstrar que para Freud, a neurose e a psicose são dois tipos de estruturas
perfeitamente distinguíveis, sendo o que as diferencia não uma maior ou menor
medida de quantidade. O louco não é um neurótico exacerbado, nem um neurótico
elevado.
Artigo estudado
na aula da Professora Mercedes Merry Brito, Instituto Cultural Newton Paiva,
curso de psicologia, ano de 1994.
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