segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

O ENIGMA DA LOUCURA


Antônio Godiño Cabas

Certamente, pode parecer demasiado, despropositado, senão demasiado quixotesco o gesto que aqui nos propomos ao propormos dar razão à loucura, logo à loucura a quem a razão cartesiana empenha-se em situar o universo de sem-razão!

E, contudo, este empreendimento quixotesco não é senão a duplicação de um outro gesto, este de cunho teórico; concretamente, do postulado psicanalítico quanto às psicoses. Não havia dito Freud em sua análise das memórias do presidente Daniel Paul Schreber que o que interessa ao analista no relato do louco é precisamente seu método, sua lógica, enfim, sua inteligência? Ao adotarmos este como nosso ponto de partida, não será difícil esboçar a ideia de que a loucura desdobra e desenvolve “uma” razão lógica. Consequentemente, o delírio que a tradição psiquiátrica costumava descrever como torturado rompimento, como um pesadelo desgarrado e desgarrador se transforma em polemica, em dissertação, em suma, em debate.

Um debate, deve ser dito, cujas chaves parecem estar cifradas numa linguagem inescrutável e portanto de difícil leitura. Em nome desta dificuldade, a loucura se constititui em nosso enigma. Mas também devemos ser claros sobre este particular, porque o certo é que na abordagem desta questão, não se está em  posição de quem nada sabe. Sucede que o que a loucura coloca é um enigma relativo ao saber e justamente, quando se trata de saber, o analista nunca parte de um zero absoluto; quero dizer, não se move entre trevas, mas pelo contrário, dispõe de uma das mais luminosas premissas de que se possa dispor. Essa premissa é tão simples como elementar: advém da observação de que a loucura é eminentemente um fato humano de modo que, dizendo de outra maneira, as fronteiras da loucura são as da subjetividade.

Depois de tudo, quem poria em dúvida o fato de que somente um sujeito pode enlouquecer, assim como a recíproca, ou seja, que a loucura somente pode ocorrer no lugar onde está prescrita a existência de um sujeito?
Entende-se, é por esse lado (o lado do sujeito) que a loucura põe a teoria em situação de xeque. Um xeque que é acima de tudo pergunta que sempre demanda uma resposta. Eis aqui a razão pela qual a psicanálise é convocada para explicar aquilo que a loucura argumenta quando quem fala, fala sob forma de delírios.

Vê-se: a psicose entra em tudo isto em posição de esfinge.

Só nos resta deixar claramente estabelecido que no diálogo com a esfinge deve-se olhar a coisa como quem sabe algo de bilhar; não se deve esquecer, depois de tudo, que o delírio joga sempre com duas tabelas, ou, o que é o mesmo, discute em duas pontas enquanto não somente toca a questão do mais além (...da razão) , como também toca a questão de seu mais aquém ao tocar em cheio a questão do sujeito.



  Em Freud

Certamente quando se trata da loucura na obra freudiana, as coisas nunca são demasiado claras. Além do mais, não direi nada de novo ao dizer que o próprio Freud não parece ter-se ocupado demais das psicoses. E claro está que em nome desta crítica nunca falta quem conclua que a experiência psicótica constitui um campo muito alheio ao da experiência freudiana e, por extensão, da própria psicanálise.
A partir dai o terreno pertence ao mito. Mais exatamente aos mitos.

Refiro-me ao mito da impossibilidade analítica das psicoses.
Refiro-me ao mito que sustenta a insuficiência teórica do inconsciente para dar conta da loucura.
Refiro-me ao mito biológico (e por que não?) hormonal, quando não genético da esquizofrenia.
Refiro-me ao mito sociológico que reivindica a loucura como sendo nada mais (e absolutamente nada mais) que um modo de produção social.
Refiro-me ao mito daqueles que dizendo-se participantes do marco freudiano juram e perjuram que é necessário fortificar primeiro o eu do psicótico (sic) para depois submetê-lo ao processo da reconstrução analítica (resic).

Como se vê, a lista – ainda quando não pretende ser exaustiva é longa – longa demais para não se pensar que em tudo isto há algo que cheire a sintoma. E certamente há... tão fecunda mitologia não pode ser senão isso: pura mitologia. Recorde-se agora nossa definição sobre os mitos (que os considera como relatos que pretendem descobrir cobrindo uma certa ordem de verdade) e se compreenderá nossa conclusão: em tudo há sintoma a partir do momento em que há “verdade”, mas “verdade em estado de repressão”.

É que não se pode desconhecer que há um esquecimento na base de toda esta conversa, que é nada menos que o esquecimento da experiência freudiana. Trata-se, por exemplo, que as psicoses aparecem como o recurso fundamental do trabalho de Freud ainda em uma época em que esse trabalho não podia aspirar nem ao título de analítico, nem sequer ao de freudiano.

Porque, com efeito, o que os manuscritos de sua correspondência com Fliess descobrem para qualquer um que tenha olhos para ver o que está à vista é que a loucura importa desde muito antes da constituição da ciência psicanalítica. Como desconhecer que o manuscrito B (fevereiro de 1893) inclui não somente uma reflexão sobre as relações existentes entre a neurose de angústia e a melancolia, como também a colocação desta psicose no quadro nosográfico da época? Como não ver a repetição e a insistência deste tema no manuscrito E (1894), no manuscrito G (também de 1894)  ou ainda a reflexão sobre a paranoia lançada no manuscrito H (1895)? Como é que se pode não ler o quadro nosográfico em que sistematiza a confusão alucinatória, a paranoia e até as psicoses histéricas e com o qual encerra esse mesmo manuscrito?

Não há dúvidas de que, além de toda e qualquer omissão, a renovação do gesto freudiano, isto é, a insistência desta repetição não é alheia à insistência de algo que desde o mais profundo da loucura, interroga e fustiga a psicanalise antes mesmo de sê-la, operando como a quase-causa da busca freudiana. Esquecê-lo é como esquecer que Freud conciliava Charcot com Meynert e que foi, precisamente, pelo lado de Meynert que a loucura entra como problema no universo freudiano, desta maneira o escrito sobre Schreber não é apenas um texto de abordagem... em verdade, é o texto de um reencontro.

E falo de um “reencontro” porque no começo de 1900 ou, como quem diz, na esquina do século, o tema das psicoses entra em recesso e permanece em estado de hibernação, simplesmente porque a histeria é muito mais que um simples quadro clínico. É uma magna reflexão sobre o desejo, e é sob este título que se constitui no centro da experiência analítica nos anos em que Freud elabora o corte que haveria de conduzir à fundação da ciência do inconsciente. E ainda assim, não se pode nem se deve esquecer que é justamente o caráter errático próprio do desejo, sua indestrutibilidade, sua insaciabilidade, sua perene insatisfação e sua estrutura nostálgica de repetição e retorno o que permite compreender a mais errática, inexorável, insaciável, insatisfeita e repetidamente nostálgica das experiências humanas: a prática da loucura.

Concretamente, quero dizer que não há abordagem possível das psicoses se não se tiver levantado previamente a hipoteca teórica da noção do desejo. Afinal, não é mistério algum que o desejo é profundamente misterioso e, portanto, capaz de desenvolver um espectro de sombras nas quais não vacilaremos em entrever a razão louca (verdadeira e profundamente louca) e toda a experiência do homem mesmo naqueles casos em que não mereceria a qualificação de psicótico.
Ocorre que o desejo põe sobre a mesa uma dimensão, e por conseguinte, uma realidade profundamente metafísicas, coisa que não há de se assombrar desde que se sabe que, quando se trata do desejo, trata-se sempre e inexoravelmente de “outra coisa”. Neste sentido, o fantasma não é senão a testemunha crua e carnal, se assim posso dizê-lo, de uma realidade que é indefectivelmente equívoca.

O mundo das sombras?

O certo é que depois da Interpretação dos sonhos, o problema não é mais o de fixar os limites da loucura, mas o de saber se há (embora seja por pura casualidade) algum campo, algum lugar ou, quem sabe, algum sítio na prática do humano que possa ser considerado não-louco. O problema é agora o de saber que classe de coisa é a coisa não-louca, ou tratar de uma dimensão realmente existente, coisa que a esta altura se apresenta como muito duvidosa. Por esta razão, Freud rastreia toda a largura e altura do universo dos atos falhos, dos sintomas da vida cotidiana, e dos chistes, na busca de algum espaço de consciência alheio à influencia e determinação do desejo. Em vão. Uma vez formulada sua teoria sexual, na qual apóia o insólito de sua descoberta sobre o desejo, a irrealidade ou o pouco-de-realidade que caracteriza a vida do sujeito, colocam em posição absolutamente crítica o saber até então vigente sobre a questão psicótica.

Acontece que esta questão era entendida como uma fuga; mais especificamente, uma fuga massiva da realidade. Em seu delírio o psicótico seria alguém que, sendo incapaz de aceitar o penoso da realidade objetiva, fugiria espavorido em louca corrida traçando um caminho delirante rumo a impossíveis paraísos. Definitivamente, se enlouquece quando se perde o “sentido” da realidade.

Pois bem, este critério, essencialmente pré-freudiano, reaparece (tal qual o fazem os sintomas) nas formulações autoproclamadas pós-freudianas de certos discípulos de Fenichel, de Ferenczi, de Anna Freud. É o anafreudismo fazendo escola sobre a base de um programa no qual a saúde advém do reconhecimento da realidade, coisa unicamente possível enquanto compreendermos a importância do eu-de-realidade, esse mesmo que sendo maduro é adulto e nunca se engana quanto ao seu mundo...
Obviamente, estamos ante uma regressão teórica na qual se reifica uma ideologia do realismo e em nome da qual a loucura é um desvario da razão enquanto a sua é uma rebelde e obstinada negação de todo reconhecimento criterioso da realidade. É o dito então que sem razão é sinônimo de sem-realidade, e a partir dai é construída uma torre de Babel na qual se enfatiza o seguinte: é uma construção que se apoia eminentemente na “clínica”.

Desta forma, os deslizamentos ao se levantar essa torre (deslizamentos que a Bíblia já se havia encarregado de definir: “são linguísticos”) terminam querendo que esse parâmetro converta-se no pattern para o estabelecimento de uma psicopatologia. Enfim, toda a nosografia terminará apoiando-se nesse modo de ver as coisas... um modo que o capricho das modas terminológicas definiu assim: visão quantitativa do fenômeno patológico. Essa quantidade, falando alto e claro, é uma quantidade de fuga. Desta maneira o cálculo diagnóstico se torna possível: quanto maior é a distancia que separa o sujeito do reconhecimento da realidade, maior é sua possibilidade psicótica, sendo que quanto menor é a distancia que separa de dito reconhecimento, maior é seu “grau de saúde”. Não é muito difícil apreciar que o que aqui está em jogo é um sistema métrico que funciona como um fator de cálculo. Mede-se a distancia de fuga da realidade e essa medida nos dá um nível de enfermidade.
É realmente curioso. O pivô e ponto de apoio dessas tabelas de medição é composto de um critério de realidade que, na verdade, nunca foi rigorosamente definido. Ocorre que quando se trata da realidade o que podemos chegar a encontrar, e isto no melhor dos casos, é com a seguinte formulação tautológica: a realidade? Elementar! A realidade é a realidade...

Bem, sabemos que uma tautologia é um instrumento útil para ilustrar e descrever o princípio da identidade absoluta, tanto que é dessa maneira que a lógica consegue por em cena a noção de verdade, tal como demonstra o trabalho de Ludwig Wittgenstein no sentido de que uma tautologia nunca predica nada; simplesmente não é uma ferramenta de definição. Desta forma, constatamos que ao adotar esta suposta definição da realidade, adotamos um sistema de cálculo que se apoia sobre uma estéril verdade sem que, por outro lado, nada em nosso esquema teórico nos permita dar conta da aporia?

Mais estranho ainda é quando ao ler Freud, descobrimos que nossa aporia é em verdade um paradoxo. Não somente não há nada nos escritos de Freud que nos permita dar conta do grau de realidade da realidade em si, senão que, pelo contrário, o que neles nos diz é que a realidade é o fruto do desejo. Em outras palavras, define-se como o efeito necessário e inevitável do delírio... “o supor uma realidade-em-si à qual o sujeito teria acesso é como supor que existe a possibilidade de que o sujeito deixa de ser sujeito”. Sejamos objetivos, diz-nos então, “há uma realidade ai, que independe do desejo, coisa que é bastante evidente”... sem dúvida. Mas não haverá um certo contra-senso nessa exigência de um sujeito objetivo enquanto isso seria o mesmo que demandar-lhe que deixe de ser... sujeito? Será realmente possível pensar em um sujeito objetivo? Não é esse um enunciado demasiado paradoxal? É que em última análise, seja o que for que se está pretendendo assinalar em Introdução ao narcisismo é que o narcisismo não é uma simples fase, uma mera etapa evolutiva que chega e passa como chuva de verão, mas uma estrutura profundamente determinante de toda a experiência humana.

Decerto isso não significa que a objetivação é uma pura utopia. O campo freudiano dedicou um amplo espaço à reflexão sobre os objetos. Mas acontece que essa reflexão nos demonstra que os objetos (e por consequinte a objetividade) explicam-se em função da falta. Não é o objeto-em-si mas a falta de objetos que explica a posição objetiva (ou não) do sujeito inconsciente. Pela muito simples razão que o que está em jogo é uma falta que o sujeito tende a suturar com sua produção.
Então, os objetos são objetivações do narcisismo (leia-se: “declinações”ou ainda “conjugações” do narcisismo), de forma que a suposta objetividade não é outra coisa do que um efeito derivado da inscrição objetiva do desejo. Não é sabido que o objeto é determinado por aposição? E não é sabido que a aposição determina uma busca cuja direção e cujo sentido estão qualificados? E, finalmente, não é sabido que essa qualificação define o que é buscado como estando modelado pela experiência da mãe nutriz, ou do pai protetor e que, neste sentido, o que se busca é a quem me alimenta ou a quem me protege bem?

Depois da escrita dos Três ensaios a realidade tem uma única definição possível: como uma realização do desejo. Trata-se portanto, de uma inscrição no real de algo que pertence à ordem do sujeito ou dito de outra forma, trata-se da realidade do desejo cuja estrutura essencialmente errática colocará em xeque todo o suposto de realidade positiva à maneira do empirismo clássico. Como entender então o paradoxo da sexualidade humana que quer que os homens amem as mulheres que sendo suas mães não o são?

Repito: o mundo das sobras? Sem dúvida sim, se assim queremos nomear o desejo.
Pois bem, creio que não é difícil apreciar a esta altura de nosso desenvolvimento que a psicose está presente nas entrelinhas desta elaboração, de forma que não pode surpreender o fato de que o ano de 1911 ponha na mesa o tema do delírio psicótico desta vez em primeiro plano, na linha de frente da mira teórica freudiana. Por isso deve-se insistir sobre este ponto: Schreber é muito mais que uma polemica com a escola de Zurich, entenda-se Jung ou mesmo Adler. É a demonstração palpável, no real da clínica, de que há uma dimensão de desejo em toda loucura e que somente ela pode dar razão da razão delirante.

Schreber afirma, para quem quiser escutá-lo, que o que está no centro do seu delírio é um “estranho desejo”, ou melhor ainda, o “estranho de um desejo”. Direi então que Schreber debate-se ante a brutal emergência de um desejo cujas características correspondem ao pé da letra aos atributos de sinistro. “Ama-se a um pai”  parece nos dizer como quem se aventura a dizer que “batem-se em uma criança”. Eis aqui o núcleo motor do delírio paranoico. Mas por que? Simplesmente porque há algo de muito enigmático nesse desejo, e esse algo é o lugar do sujeito. Quem ama? Poderia se perguntar como quem pergunta: “Quem fala”?  E sem sobra de dúvidas, o Presidente ser veria em sérios apuros ao ter que responder a essa pergunta, como de fato ocorreu, já que justamente seu drama parece haver sido o de não poder estabelecer um sujeito capaz de ocupar (recordemos que esse termo concerne a uma política das catexias na obra de Freud – besetzung)  - o lugar que na fórmula está denotado de maneira anônima e impessoal: “ama-se”...
E não obstante, que ninguém se engane: Schreber sabe, sabe que não sabe qual é o sujeito capaz. Por esta razão seu delírio se renova em um constante re-perguntar(se) “quem ama?”. É uma re-pergunta balbuciada sob o signo do mal-estar e a inquieta preocupação daquelas perguntas que se sabem de antemão sem resposta. “Quem ama – pergunta-se o paranoico – se de qualquer forma esse não sou eu, visto que pelo que eu sei, eu apenas o odeio pela justa razão que ele... ele me persegue?”
O debate schreberiano transcorre num plano de marchas e contra-marchas como o passo titubeante de um bêbado da meia noite que oscila e vacila mas ao final sai andando e se perde... seu gesto é um ensaio, nunca um gesto. É o esboço e nunca um plano, porque algo lhe ficou confuso. E certamente Schreber sabe disso. Por isso, dedica-se a conjugar pronomes: os pronomes do verbo fundamental, ele que tanto se preocupava com a norma da língua fundamental (Grundsprache). Já observei, em outro lugar, que se tornarmos gramatical o discurso de Schreber ou mesmo o discurso das paranoias em geral, o que obteríamos é uma estranha declinação verbal: “eu o amo – eu o odeio – ele me odeia. Ao constatar essa circulação na qual o sujeito gramatica termina alterado, poderíamos concluir que o enigma schreberiano é pronominal. E a partir dessa perspectiva não é difícil concluir que há algo em Schreber que somente poderia ser definido como uma indeterminação quanto ao lugar do sujeito. O fato de que essa indeterminação produza efeitos de projeção não é senão sua logica consequência se atendemos à lei que quer que “ali onde não é possível determinar um sujeito haverá sempre uma projeção”, formula com a qual traduzimos o efeito psicótico do imperativo do id (“Ali onde era o Isso, o sujeito há de advir” – Wo es war, sol Ich werden).
É sabido que esse fenômeno de projeção é o que mais chamou a atenção dos estudiosos do fenômeno psicótico, e por fim da maioria dos comentaristas deste caso. Dai a importância outorgada à projeção em todos os capítulos que a psicanalise dedicou à loucura. Claro está que tratando-se da projeção estamos diante de um fenômeno libidinal. Haverá quem pense então que o drama do sujeito deve ser entendido assim: se ele tem uma certa quantidade de libido com a qual não se sabe o que fazer, e então ela é projetada... ao substantivar a libido atribui-se-lhe uma forma material e a partir dai incorre-se no deslizamento de pensa-la como uma certa quantidade de energia. Em oposição a isto gostaria de salientar que a dita projeção libidinal manifesta-se em uma conjugação gramatical errática, ou seja, se manifesta como um ostensivo devaneio acerca do lugar do sujeito. Dito de maneira mais simples: o que está em jogo é o próprio sujeito.
Di-lo-ei à minha maneira: do que se trata na libido é de um principio de equivalência simbólica (pense-se então na série: criança, pênis, fezes, presente e dinheiro) e portanto de um sistema de relações. Consequentemente, supô-la como uma “energia” está certo, sempre e quando tenhamos em conta que se está operando com uma simples analogia, com um “como se”, com uma petite fiction scientifique. Caso contrário cairemos no terrível engano de pensar que o sujeito funciona com pilhas.
E a pilha – se ela existe – é o desejo. Já dizia Aristóteles quando falava de seu “primeiro motor imóvel” demonstrando com isso que já em sua época o que importava era definir ao sujeito, embora sendo uma época na qual Volta não existia e portanto não poderia ter deixado a marca de “sua” pilha.
A partir de Schreber o tema fica em aberto. Que coisa é o sujeito se o sujeito não é o eu? A resposta não se faz esperar. Introdução ao narcisismo introduz a noção de que o sujeito é indissolúvel da questão narcisista ou seja, de uma dimensão em que a alteridade domina e reina como dona e senhora. Um sujeito não é um “si mesmidade”, mas uma estranha dialética de alteridades. Contudo, deve-se ser franco... também se trata de uma estranha alteridade visto que, afinal, sobre esse montículo de outros se acavala um eu.
Introdução ao narcisismo nos introduz a esse aspecto de coisas onde o outro é a causa do eu, mas onde o eu – embora sendo outro – não é alheio ao sujeito. Ve-se: para ser (humano) é necessário ao humano remontar alguns paradoxos. E convem observar que o remontar paradoxos é juntamente com o remontar barriletes uma das funções da infância que, ao fazer voar a coisa deixa a marca de um estilo: o estilo da psicose, o estilo da neurose, enfim, o estilo de um broto de homem.
Lacan insistirá sobre este particular ao forjar sua noção de sujeito. Dirá: o estilo é o próprio homem.
Em 1914, juntamente com a introdução ao narcisismo, Freud reintroduz a questão da psicose ao ocupar-se novamente de um caso de paranoia. Trata-se desta vez de um caso contrário à teoria psicanalítica desde que quem persegue o sujeito não é uma mulher – como seria de esperar atendendo à premissa da homossexualidade na paranoia – mas um homem.
Vejamos a história: o sujeito é um paciente, mas não é paciente de Freud. Na realidade, a jovem havia consultado um advogado a quem se dirigia em busca de um sistema de garantias contra as perseguições a que estava exposta por se haver exposto (leia-se entregue?) a um homem. Por sua parte, o advogado em questão, querendo saber o que é que a paciente lhe pede, pede a Freud um sistema de garantias; quer saber quanta loucura há na loucura da sua cliente. Freud responde: quem persegue à sujeito é a mãe ainda que sob a tênue máscara do chefe. Nesta trama de intrigas palacianas o homem não é nada mais que um instrumento, e as fotos que este haveria estabelecido com a ajuda de um sujeito (terceiro, anônimo, misterioso e oculto)  seriam submetidas à consideração para com sua subordinada. Eis ai uma perfeita linha mestra para um drama perfeito.

Como explicar a uma mãe que foi tentado o condenável gesto de uma traição? Mas, também, como ocultar de uma mãe que foi tentada sua substituição, se ao faze-lo, a jovem deixou um lugar vazio, o mesmo que na ocasião haveria de ser ocupado por uma câmera fotográfica, perfeita paródia aos olhos de uma mãe que tudo vê? Uma mãe que tudo vê... a figura do sujeito onisciente faz sua entrada nos relatos clínicos. É a forma que o psicótico tem de ler ao sujeito-suposto-saber, causa de sua insólita transferência. Já Schreber havia entreaberto esta dimensão ao falar de um Fleschig cuja onisciência ficaria comprovada ao se descobrir que seu cúmplice era nada mais, nada menos que Deus. E falando de transferência, não deixaremos de notar o sintomático do pedido que motiva a entrevista com o advogado. A paranoia pede um “sistema de garantias” como quem pede que se instaure o “nome-de-Um-pai”. Mas o mais curioso, e isto sempre ocorre com a loucura, é que este pedido é reduplicado pelo advogado a alguém que, fora da relação de demanda, possa declinar os limites e as fronteiras desse diálogo. Este fenômeno da reduplicação dos delírios do louco por parte da instituição manicomial é o ponto chave do dia-a-dia no hospício. É também o pior dos artifícios institucionais para a abordagem da loucura visto que no final todos terminam como nos espelhos: o hospício diz do louco o que o louco diz do hospício.

Mas antes de entrar na análise da transferência, atendamos à logica do delírio que é, enfim, o objeto central do trabalho de Freud neste momento. Como ser mulher, se a mulher é minha mãe? Parece dizer em seu delírio, o dizer da paranoica... Interessa notar que este enunciado confirma todas as críticas formuladas a uma suposição da realidade. É que, na verdade, deve-se reconhecer que a atitude da jovem não é nada realista: pensa ser sua mãe quando esta sendo mulher, pensa que sua mãe a observa quando está a sós, pensa que seu amante a trai quando a beija, e pensa que o engano deste não é com outra senão com sua própria mãe. Mas também interessa notar que a esta altura de sua elaboração Freud sabe que tanta fantasmagoria não é propriedade exclusiva das psicoses. Ao contrario, é um traço comum – se porventura há alguma – que une e amarra a normalidade da loucura com a loucura de toda normalidade.

Por esta razão, ao chegar a 1915 – apenas um ano depois -, Freud não pode deixar por menos. É necessário pensar que coisa está em jogo no delírio atendendo ao fato que o sujeito – dito normal – também põe na mesa a realidade inexorável do irreal, ainda que mais não seja, do que através do enigma dos sonhos. Suplemento metapsicológico à teoria dos sonhos debate exatamente esse ponto, ao submeter à analise a realidade da alucinação neurótica (além de tudo o sonho é uma realização alucinatória de desejos) juntamente com a realidade da alucinação nas esquizofrenias.

Dito esquematicamente, trata-se de estudar a alucinação do sonho depois de analisar a alucinação do esquizofrênico, para finalmente compará-las e extrair algumas conclusões. E a primeira destas conclusões não faz mais que confirmar a tese de 1905 ao reiterar que a realidade é o efeito de realização desiderativa. Mas a partir daqui, uma segunda conclusão se impõe: a distinção entre a realidade neurótica e a realidade psicótica será unicamente possível a partir do momento em que possamos dar conta dos modos específicos de realização em uma e outra. E é no prosseguimento desta hipótese que Freud termina observando:

Revela-se aqui a diferença decisiva entre o trabalho onírico e a esquizofrenia. Nesta são trabalhados pelo processo primário as próprias palavras... enquanto que o trabalho onírico não recai sobre as palavras mas sobre as representações objetivas a que as mesmas são previamente reduzidas.

Concretamente, enquanto a esquizofrenia trata as palavras como coisas, a neurose as distingue. Tudo ocorre como se o esquizo atribuísse à palavra dimensão a propriedades ônticas. Nisto o louco se parece aos pré-linguistas que supunham que todo elemento da linguagem aludia a uma realidade  material ou então a uma propriedade objetiva. Não é difícil adiantar o seguinte: ao esquizo escapa o que aos pré-liguistas escapava, o caráter arbitrário de todo signo.

Não é um escape qualquer. Quero dizer que é uma falta fundamental desde o momento em que esta falta impede (preclui?) o acesso ao simbólico. O desconhecimento do caráter puramente relacional da estrutura significante condenou os pensadores pré-linguisticos a meros exercícios gramaticais (ou mesmo neo-gramaticais) onde o objeto do estudo é a norma, e a norma enquanto razão do “bem dizer”, assim como o louco é condenado a buscar a norma do “bem fazer” para ser. Não é isso o que está em jogo no delírio de Schreber acerca da ordem universal?

De nossa parte, sabemos que a língua faz sistema, mas o que não se deve esquecer é que esse sistema não é nada mais que um sistema de relações, um sistema de deslizamentos, um sistema de permutações tal como demonstra a fecunda investigação lévi-straussiana. Em suma, a permutação dos elementos, coisa que é possível enquanto existia um lugar vazio na estrutura, é a nota distintiva fundamental que nos permite ler a noção de sistema. Mas, então, ao se impedir a permutação dos significantes (para o qual basta tampar o lugar vazio) se estará impedindo a possibilidade de que um significante, como o que se terminará perdendo o traço fundamental de toda linguagem: sua possibilidade e sua dimensão metafóricas.

É o que exatamente ocorre com o louco o qual, ao tratar as palavras como coisas revela seu calcanhar de Aquiles, mas também ao mesmo tempo põe a descoberto sua razão lógica. Desnuda a condição legal que anima seus enunciados; não há possibilidade material de estruturar um universo metafórico. Dai que sua linguagem termine sempre sendo um deserto de objetos, um paraíso da objetividade, enfim, o universo do sem-sentido. Porque o que deve ser dito é que essa dimensão metafórica não se limita ao mundo do tagarelar, ou ao universo da fala. Para constatá-lo bastaria recordar que a identifição não é senão uma estruturação metafórica enquanto fixa e substitui ao sujeito um traço outrora delineado pelo desejo. Onde havia uma catexia haverá uma identificação. É o que demonstra o caso Dora ao demonstrar que a tosse histérica não é mais que a substituição identificatória de um traço da senhora K, enquanto a senhora K havia sido ocupada pela catexia. Desta maneira, a tosse transforma Dora em representante de outra mulher conforme o que a homossexualidade do desejo histérico, coisa que exigiu tempo e esforço por parte de Freud visto que somente pode decifrá-la ao tentar a epicrise em uma autocrítica.

Pois bem, se Dora é – enquanto sua tosse fala – uma maneira de substituição da Senhora K em nome de seu amor pela mulher (e não pelo homem, como inicialmente acreditara Freud), o que Dora põe em questão é a questão eminentemente metafórica da identificação histérica em primeiro lugar, e em segundo lugar, por extensão, da identificação no humano, único animal da criação no qual a mimese responde a essa função de “substituição no simbólico”.

Consequentemente, ser não é outra coisa que produzir substituições, declinar metáforas. É o mesmo que dizer que do que se trata é de declinar o narcisismo no plano secundário; narcisismo secundário. E a partir daqui, a importância que assume a função metafórica no universo da loucura deixará esta em condições que podemos definir como anteriores ao símbolo, ou o que é o mesmo, anteriores à condição subjetiva.

Desta forma, a realidade do louco é uma realidade na qual a impossibilidade da substituição transforma o sujeito em um enigma e, o que é pior, em enigma absolutamente insolúvel. Eis aqui a razaqo de Schreber, da paranoia, do delírio e sobretudo a peculiaridade projetiva de todo enunciado psicótico. Eis aqui também a causa deste registro homossexual próprio de toda psicose. Não é uma homossexualidade no sentido do ato erótico, mas uma homossexualidade no sentido de uma definição erótica do homólogo. Diremos então que a homossexualidade das psicoses é a aproximação máxima possível ao espaço de semelhança e da substituição. Mas também teremos que dizer então que a premissa lógica da loucura é aquela que toma a palavra como sendo coisa, ou seja, conforme o princípio de identidade absoluta, de identidade radical, da impossibilidade substitutiva no simbólico.
Por sua vez, a realidade neurótica obedece a princípios diametralmente opostos como se a neurose fosse antípoda da loucura. É o universo da substituição. Dora é a Sra. K sempre que tosse. Elizabeth Von R. ama seu cunhado enquanto possa alimentar com isso a ilusão de ser sua irmã. O homem dos ratos é (ou não é?) seu pai. O problema do ser se resolve na substituição, configurando-se deste  modo uma realidade na qual o ponto de ancoragem e o sujeito, e na qual a subjetividade é a conquisa da substituição. Não se disse que o sujeito há de ser ali onde o Isso era?

Entende-se então que a grande diferença entre o universo neurótico e o universo psicótico reside na estrutura das ligações internas (maneira com a qual aludimos à organização libidinal). O louco seria aquele que liga de acordo com a lógica de deslocamentos, onde reina a metonímia. O louco seria alguém a quem teria sido proibido – de maneira anterior (preclusão) – toda ligação de substituição e em consequência, toda possibilidade de discurso metafórico. Por esta razão o louco é aquele que não tem acesso ao mundo da ficção, ao mundo do “como se”, em suma, é alguém que não pode jogar com os exemplos. E em consequenacia, se o que define a loucura é a sem-razão, haverá que especificar agora que essa sem-razão é sinônima de sem-metáfora, e que, enfim, a sem-razão responde a um tipo de razão na qual a ligação é sempre metonímica.

Em 1917 Freud retoma a questão a partir de algo que parece ser um outro ângulo; concretamente desde o ponto de vista da identificação. Claro que convém apostar demais nessa diferença já que a continuidade teórica é muito maior do que à primeira vista se pode pensar. Sucede que a identificação nos fala de um modo de substituição simbólica como já vimos. Consequentemente, o fato de que as psicoses apresentem um tipo qualquer de estrutura identificatória nos sóbria a revisar e rever até que ponto há prescrição e ate que ponto há proscrição para a substituição da loucura. Sobretudo depois de descobrir que é justamente no sentido da substituição que corre a causa do drama psicótico. E para isso será necessário dar conta da diferença que existe entre a perda de objeto na neurose e a perda de objeto na psicose, tendo em vista que toda perda de objeto costuma-se resolver em uma forma particular de identificação.

Luto e melancolia é o titulo com que Freud apresenta seu raciocínio. O eixo central da reflexão poderia ser resumido com as seguintes palavras; palavras que – por outro lado – serão do próprio Freud: “... a perda, causa da melancolia, é conhecida para o doente o qual sabe a quem perdeu, mas não o que com ele perdeu”.

Embora com o risco de ser muito repetitivo, gostaria de enfatizar e sublinhar as palavras de Freud: nos diz que o melancólico sabe que coisa perdeu, mas não sabe o significado do objeto perdido. Ou seja, do que se trata na melancolia é de um transtorno no processo da significação. Um transtorno que advém do fato de que o psicótico percebe a perda em si mesma, mas nunca o sentido de dita perda enquanto o objeto suturava uma falta cuja percepção lhe é vedada. A reação psicótica é instantânea, imediatista se se preferir. Ao identificar-se com o objeto, seu objetivo parece ser o de manter em presença algo cuja ausência o faria sumir no sem-sentido absoluto. Sua identificação responde pois ao modelo da identidade absoluta, coisa que já vimos. A partir de sua reação, o psicótico não é definível como um sujeito estruturado em volta de um orifício, mas como um sujeito estruturado em volta de um outro. Um outro cuja função ele não pode explicar mas de cuja presença jamais poderá prescindir.
Dito de outro modo, assim como se fala do cocainômano ou do morfinômano, quando o que está na mesa é o tema das psicoses, poderíamos sem dúvida dizer que se trata de um outrômano.

Daqui em diante Freud não tem mais dúvida quanto à diferença que separa e distingue a neurose da psicose. O sonho, o sintoma, o fantasma ou o delírio do neurótico são estruturas deliberativas nas quais se tematiza a questão da falta e por fim, o cordão constitutivo da subjetividade. Estamos falando sem sombra de dúvidas da castração. Por sua parte, o psicótico é alguém que delira. A esse respeito não há dúvidas. Quero dizer que o delírio psicótico não tem a função deliberativa que apresenta o delírio neurótico. Sua função é outra a partir do momento em que apresenta um caráter enunciativo. Explico-me: a alucinação pretende enunciar um sujeito embora evitando toda e qualquer possibilidade de discorrer sobre a falta. A alucinação anuncia o objeto capaz de suturar com o que omite o sujeito capaz.

Convém atender a esta distinção sobre a base de uma função deliberativa na neurose e uma função enunciativa nas psicoses. Sobretudo porque talvez a partir dai possamos entender que o neurótico seja sempre o sujeito de uma dúvida e, à sua maneira, um sujeito cartesiano, enquanto que o psicótico é mais um objeto de certezas. Por isso prediz, e dai seu ar de profeta – quando delira – ou de morto em vida – quando silencia.

Em 1919, Freud apresenta um texto de incalculável valor. Seu título O estranho pretende dar conta desse estranho inquietante: o duplo. Se poderia dizer então que é um texto no qual documenta a trágica derivação de um caso de outromania. Esse ‘vicio’ da outridade.
O destino de Nathaniel é o mesmo que o do narciso. Assim como este se precipita nas águas querendo abraçar uma imagem que ele não sabia que era a própria. Nathaniel se lança do alto da torre para segurar e aprisionar um Copola que não é senão ele mesmo. Como se vê, as psicoses terminam se comprometendo com algo que poderíamos descrever como “um transtorno do espaço” e que convém estudar a fundo na medida em que este transtorno nos fala de uma topologia sumamente particular.

Em 1924, dois títulos culminam o debate inaugurado por Freud nos idos de 1893. Transcorrem-se 31 anos, a idade de um homem adulto. O primeiro desses títulos Neurose e psicose reflete bem o espirito freudiano no sentido de que há uma diferença de estrutura entre dois estilos. Mas para os efeitos de nosso desenvolvimento e dado que temos adotado como eixo da reflexão sobre o principio da realidade, mais nos interessa o outro trabalho, cujo título é altamente evocador: A perda da realidade na neurose e na psicose. Em seu interior, Freud reitera que a neurose e a psicose são estruturas qualitativamente diferenciáveis e distinguíveis não só porque produzem sintomas diferentes, mas também pela razão fundamental que essa diferença sintomática corresponde a causas diferentes apesar de que a etiologia seja sempre a mesma. Efetivamente, é ante a emergência da falta que o sujeito adoece, e esse adoecer se expressará numa crise, ambos perdem a realidade ao perder o objeto com o qual manipulavam a falta.

Nesse contexto, Freud observa que a diferença que separa ambas estruturas reside no estilo, ou mais precisamente, nos operadores que decidem o estilo do sujeito:

“...o novo mundo exterior fantástico da psicose quer substituir a realidade exterior, enquanto que o da neurose gosta de se apoiar, como os jogos infantis, em um fragmento da realidade...”

Concretamente, enquanto a neurose apresenta um estilo fictício, a psicose esboça um estilo fático. Dois universos, dois estilos. Mas ao chegar aqui, entendo que seria importante introduzir uma chamada no sentido de prevenir o erro sempre possível de que se considere o estilo psicótico não já como sendo simplesmente “um” estilo, mas como sendo o paradigma, o non-plus-ultra do doente, enquanto que se veria na neurose nada menos do que a metáfora da saúde.  A tendência a qualificar os polos de uma comparação parece ser inevitável, de onde me parecer tão igualmente inevitável introduzir este alerta. Ao definir comparativamente a neurose e a psicose, não estamos senão operando como quem denota que Leste e Oeste são antípodas, sem que isso nos permita atribuir a qualquer destas duas posições a função métrica. No fundo, se algum parâmetro há em tudo isto, só pode ser a relação que, ao unir dois elementos, separa-os no interior de um mesmo campo. Sendo assim, será possível aproximarmo-nos ao estudo da questão nosográfica pensando que assim como Leste e Oeste são referencias do espaço geográfico, da mesma forma neurose e psicose são estruturações peculiares do espaço simbólico.

Consequentemente, seria altamente conveniente instituir uma epoché ao aproximarmo-nos da psicose e particularmente, evitar incorrer na ingenuidade de supô-la uma catastrófica degeneração da organização neurótica.

Além disso, neurose e psicose não são nada mais, mas também nada menos que dois estilos, ou mesmo, dois modos de produzir a realidade: “Resulta pois, que ambas afecções, a neurose e a psicose, se desenvolve não só da perda da realidade, mas também uma substituição da realidade”.
Enfim, ocorre que ambas estruturas produzem uma realidade, e que se há algum mal em tudo isto, é o da dor de produzir uma realidade para substituir a perda constitutiva do sujeito, digo então: a falta, direi: a castração.

Como conclusão, espero haver conseguido demonstrar que para Freud, a neurose e a psicose são dois tipos de estruturas perfeitamente distinguíveis, sendo o que as diferencia não uma maior ou menor medida de quantidade. O louco não é um neurótico exacerbado, nem um neurótico elevado.


Artigo estudado na aula da Professora Mercedes Merry Brito, Instituto Cultural Newton Paiva, curso de psicologia, ano de 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário