sábado, 26 de janeiro de 2013

A MÚSICA NAS INTERAÇÕES HUMANAS (1a parte)


Este texto é parte da monografia de Kelly Elaine de Oliveira e Ludmila Helena de Assis e Freitas Moura, apresentada no curso de graduação em Licenciatura em Música da UEMG em julho/2012, com o título "A música nas interações humanas: estudo teórico aplicado no Hospital Espírita André Luiz, sob orientação do Prof. José Antônio Baeta Zille, tendo Eliana Olímpio como co-orientadora. (contato com as autoras, vide final do texto)


1  INTERLIGAÇÃO SUJEITO-OBJETO

“Isto sabemos.  
Todas as coisas estão ligadas  
como o sangue que une uma famlia... 
  
Tudo o que acontece com a Terra,  
acontece com os filhos e filhas da Terra.  
O homem não tece a teia da vida;  
ele é apenas um fio.  
Tudo o que faz à teia,  
ele faz a si mesmo.”  

Ted Perry  

 
A  interação  dos  elementos  do  ambiente  com  os  seres  vivos  possibilita  a  troca  de  matéria, energia  e  informação,  interligando  coisas,  processos,  pessoas  e  consciências,  garantindo  a dinâmica  vital  da  Terra.  A  qualidade  desse  ambiente  não  é  fator  nem  do  espaço  físico, tão pouco do homem, mas da relação que se processa entre eles. Relação esta, que se organiza em sistemas complexos e abertos, sujeitos a toda sorte de  influências e  interferências.  Por sua vez,  por  ser  complexo,  o  ambiente  não  deixa  de  ser  um  sistema,  que  em  última  análise, envolve  uma  infinidade  de  outros  sistemas.  São  as  relações  entre  estes  sistemas,  o  fator essencial  que  favorece  ou  não  o  desenvolvimento  e  a  existência  dos  seres  inseridos  no ambiente. 

Neste  capítulo,  estudar-se-á  o  paradigma  emergente  que  abarca  uma  nova  concepção sistêmica,  em  que  as  interações  entre os  seres  humanos  e  meio  são  determinantes  para  um ciclo vital saudável. Em seguida, serão apresentadas algumas ideias interacionistas que fazem eco  com  essa  visão  e,  por  último,  serão  traçadas  algumas  considerações  sobre  a  arte  e  seu papel no meio e sua relação com o ser humano. 

 

1.1 Uma nova concepção sistêmica 

Para  se  compreender  da  natureza  da  vida  à  dimensão  social  do  ser  humano  é  necessário refletir sobre o paradigma emergente, pelo qual se tem uma visão do mundo como um sistema integrado e ecológico, deixando para trás as ciências mecanicistas dos séculos passados. Nesta concepção,  entre  outras  coisas,  não  se  concebe  uma  separação  entre  mente  e  corpo.  A consciência e a mente, sob essa perspectiva, são entendidas como processos integrados.  

A física quântica permitiu entender que a matéria é energia. Sob essa perspectiva, a relação que  se  estabelece  entre  matéria  e  energia  pode  ser  compreendida  a  partir  do  todo.  Esta maneira  de  ver  o  universo  e  tudo  que  o  constitui,  levou  a  conceber  que  corpo  e  ambiente podem  ser  compreendidos  a  partir  também  de  um  todo,  mostrando  que  as  barreiras  que  os colocavam  em  condições  distintas  se  tornam  cada  vez  menos  definidas.  Esta  concepção sistêmica  da  vida  não  classifica  as  coisas  como  elementos  separados,  mas  como  partes  de padrões  vibratórios  integrados,  onde  as  características  mais  importantes  não  estão  em  suas partes,  mas  na  maneira  como  estas  se  relacionam  (CAPRA,  2002).  Os  elementos  que compõem o universo perdem os seus contornos e estendem-se num continum onde “os objetos têm  fronteiras cada  vez  menos definidas; são constituídos por anéis que  se entrecruzam em teias complexas com os dos restantes objetos, a tal ponto que os objetos em si são menos reais que as relações entre eles.” (SANTOS, 1991, p. 34) 

É também de Santos (1991) a afirmação de que “Heisenberg e Bohr demonstram que não é possível observar ou medir um objeto sem interferir nele, sem o alterar, e a tal ponto que o objeto que sai de um processo de medição não é o mesmo que lá entrou”. O mesmo autor cita Ilya Prigogine, cuja teoria estabelece que as estruturas funcionam através de  sistemas abertos, com  interação  de  processos  segundo  uma  lógica  de  auto-organização  em  que  a  mínima flutuação  de  energia  pode  conduzir  a  um  estado  distinto.  Neste  sentido,  os  ambientes  e  os indivíduos  nele  inseridos  estão  em  constante  interação.  Assim,  qualquer  interferência produziria uma modificação neste ambiente e nos indivíduos nele inseridos. 

Morin  (1979,  p.120),  referindo-se  à  complexidade  dos  ambientes  e  de  seus  indivíduos, escreve que  

[...]  a  diferença  fundamental  entre  os  organismos  vivos  e  as  máquinas artificiais diz respeito à desordem, ao ruído, ao erro. Na máquina artificial, tudo  o  que  é  erro,  desordem,  aumenta  a  entropia,  provocando  a  sua degradação,  sua  desorganização  enquanto  que,  no  organismo  vivo,  apesar de,  e  com  a  desordem,  erro,  os  sistemas  não  provocam  necessariamente entropia,  podem  até  ser  regeneradores.  É  o  processo  (organização  do  ser vivo)   de   autoprodução   permanente   ou   autopoiesis   ou   reorganização permanente,  proporcionando,  aos  sistemas  vivos,  flexibilidade  e  liberdade em relação às máquinas. Princípios estes que são os de organização da vida, que são os da complexidade.  


Analogamente às ideias de Prigogine apresentadas por Santos (1991), Morin (2000) considera os ambientes  funcionando em redes de  interação em que  seus elementos agem e retroagem uns sobre os outros, assim como entre as partes e o todo. Este processo se dá mediante lógicas já conhecidas, e ainda, consideras as que estão por conhecer, numa dialógica que consiste em reconhecer a unidade, a multiplicidade e a diversidade. Esta lógica funciona numa perspectiva de organização e reorganização permanente tendo na sua base a instabilidade e o caos.  

Estas  ideias deram  condições para  se  considerar  o planeta Terra como um grande  ser  vivo, como proposto na hipótese de Gaia, do autor Lovelock, citado por Capra (2002). Para aquele autor o mundo possui a capacidade de auto sustentação, ou seja, é capaz de gerar, manter e alterar suas próprias condições de existência. A partir dessa visão, Maturana e Varela (1984) desenvolvem a teoria de Santiago, que consiste numa formulação sistemática dos princípios de organização dos seres vivos e não vivos com seu ambiente.  A ideia central dessa teoria é a identificação  da  cognição,  o  processo  de  conhecimento  com  o  processo  do  viver.  Segundo Maturana  e  Varela  (1984)  a  cognição  é  a  atividade  que  garante  a  auto  geração  e  a  auto perpetuação das redes vivas. Em outras palavras, o processo cognitivo é o próprio processo da vida.  A  atividade  organizadora  dos  sistemas  vivos,  em  todos os  níveis  de  vida  é,  portanto, uma atividade mental. 

Para Capra (2002, p.14): 

As interações de um organismo vivo vegetal, animal ou humano - com seu ambiente  são  interações  cognitivas.  Assim,  a  vida  e  a  cognição  tornam-se inseparavelmente ligadas. A mente – ou melhor, a atividade mental – é algo imanente  à  matéria,  em  todos  os  níveis  de  vida.  Essa  é  uma  expansão radical do conceito de cognição e, implicitamente, do conceito de mente. De acordo  com  essa  nova  concepção,  a  cognição  envolve  todo  o  processo  da vida - inclusive a percepção, as emoções e o comportamento - e nem sequer depende  necessariamente  da  existência  de  um  cérebro  e  de  um  sistema nervoso.  

Com  o  avanço  da  ciência,  cada  vez  mais  as  diferenças  entre  o  orgânico  e  o  inorgânico  se tornam menos evidentes. Santos (1991, p. 37) cita: 

As   características   da   auto-organização,   do   metabolismo   e   da   auto-reprodução,  antes  consideradas  específicas  dos  seres   vivos,  são  hoje atribuídas aos sistemas pré-celulares de moléculas. E quer num quer noutros reconhecem-se    propriedades    e    comportamentos    antes    considerados específicos dos seres humanos e das relações sociais. 

Algumas  teorias  orientam  a  superar  as  visões  positivistas  e  homocêntricas,  ao  considerar  o ambiente como parte de uma subjetividade.  É o caso, dentre outras, da teoria das estruturas dissipativas de Prigogine 2  (1996) e da teoria da matriz de Geoffrey Chew 3  também chamada ‘bootstrap’. Estas teorias trazem em sua concepção a ideia de que a aparente organização do universo é ilusória, já que este é concebido no caos. Organismos vivos e não vivos, matéria inerte  e  em  movimento,  ondas  e  vibrações  interagem  aleatoriamente  e  contém  em  si consciência que, não necessariamente, será percebida pela consciência humana.  Por sua vez, este  mesmo  universo  e  o  que  o  compõe  se  estabelecem  nessa  dinâmica,  como  sistemas complexos que se relacionam de forma efetiva, exercendo ações uns nos outros.   

1.2 O homem e o meio 

Aristóteles (1973), em seu livro, Metafísica, em sua explicação sobre o Cosmos, refere-se ao significado do ser 4  como uma variada e extensa gama de possibilidades. Segundo o autor, que viveu entre 384 a 322 a.C., todo ser compartilha de um mesmo princípio, uma essência que une todos os seres. Afirma, ainda, que esta essência se apresenta em diversas aparências e que há quatro causas responsáveis por proporcionar mudanças em sua aparência: causa material, causa  formal,  causa  eficiente  e  causa  final.  Assim,  tudo  o  que  compõe  o  universo  é constituído da mesma essência que se manifesta segundo essas causas, fazendo com que umas sejam distintas às outras. Com base nestes princípios é que Aristóteles reconhecia o cosmos 
como parte do ser e vice versa. 

                                                 
2  Ilya Prigogine aponta para a instabilidade do universo  e sustenta que a ciência deve incorporar no seu escopo os critérios do indeterminismo, da assimetria do tempo e da irreversibilidade. 
3   O modelo bootstrap de Geoffrey F. Chew afirma que a percepção de concretude e finitude da matéria devem-se a uma ilusão provocada pelas limitações humanas no nível sensorial e de consciência.    
4  Para Aristóteles o Ser é tudo o que é passível de existência. 

Em outro estudo, Aristóteles amplia seu pensamento e discorre sobre a estrutura da sociedade e evidencia a essência do homem enquanto um ser social.  Sob uma perspectiva semelhante, Vygotsky  (1995)  postula  que  o  homem   não  se  constitui   humano  por  características unicamente  biológicas,  mas  por  fatores  sócio  culturais.  Segundo  o  mesmo  autor, o  humano não está apenas nas suas características genéticas, mas na combinação dessas características com  as  interações  que  ele  estabelece  com  o  outro,  no  meio  em  que  vive.  “Na  ausência  do outro, o homem não se constrói homem”. (VYGOTSKY, 1994, p.68) 
  
O foco de Vygotsky (1995) é sobre a relação que cada indivíduo estabelece com o meio. Ou seja, sobre a experiência pessoalmente significativa, em que o homem modifica o meio e é por ele modificado. Este autor ainda postula que cada ser humano se desenvolve de acordo com suas vivências, aliadas a processos biológicos, psicológicos e genéticos e que o aprendizado se dá no contato do homem com o seu meio.  
   
O  processo  psicológico  de  pensamentos  e  ações  não  está  pronto  quando  nascemos.  É  no decorrer  da  vida  que  vão  sendo  construídos.  Com  isso,  o  ser  humano  vai  criando  um repertório de conhecimentos, habilidades e percepções. A partir desse pressuposto, Vygotsky (1994) classifica o desenvolvimento psicológico em filogenético, sociogenético, ontogenético e microgenético.  

Para  entender  o  desenvolvimento  psicológico  é  preciso  levar  em  conta  o desenvolvimento: filogenético, ou seja, da espécie; sóciogenético, em outras palavras,    o    desenvolvimento    social/cultural    da    espécie    humana; ontogenético, ou a história do indivíduo, seu desenvolvimento ao longo de sua  história;  e  microgenético,  ou  um  aspecto  da  história  de  determinado indivíduo.  Esses  quatro  planos  interagem:  pertencemos  a  uma  espécie, estamos   inseridos   em   uma   cultura,   vivemos   nossa   ontogênese   e   as microgêneses  vão  acontecendo  a  vida  toda,  no  decorrer  dos  nossos  dias. (FITTIPALDI, 2006, p.77) 

Segundo este autor, para Vygotsky os quatro planos de desenvolvimento, juntos, caracterizam o funcionamento psicológico do ser humano. O processo de evolução da espécie humana e do desenvolvimento  de  cada  um  resultam  das  evoluções  naturais  e  culturais  e  ambas  estão interligadas. 
                                                 
5   Em  A  Política,  Aristóteles,  trata  do  sistema  social  da  sua  época,  influenciando  muitos  dos  pensadores  que vieram posteriormente.

Esta  ideia,  de  que  os  seres  humanos  nascem  num  meio  sócio  cultural,  e  isso  será  uma  das principais influências no seu desenvolvimento, é a base da teoria interacionista de Vygotsky. Segundo suas ideias, é pela interação social que o ser humano  aprende e se desenvolve, cria novas  formas  de  agir  no  mundo,  ampliando  ferramentas  de  atuação  no  contexto  cultural complexo em que se está inserido, durante todo o ciclo vital. 

Pensamento  semelhante  tem  Mogilka  (2005),  para  quem  o  homem  se  torna  homem  pelo resultado da interação de três grandes forças: a genética, a sociedade e a cultura. Segundo o autor, sem a  interação desses  fatores, não seria possível  a construção do ser homem, pois o que  existe  “são  potencialidades,  tendências,  funções,  impulsos,  desejos.  As  formas  e estruturas são o resultado da interação dessas tendências e potencialidades com a cultura e as relações sociais.” (MOGILKA, 2005, p. 372). Segundo o mesmo autor, sem a interação entre cultura  e  genética  não  existiria  a  construção  humana.  O  ser  humano  precisa  de  uma  boa constituição   genética   e   bons   estímulos   culturais   para   que,   cognitivamente,   possa   se desenvolver.  

Nesse contexto, a mediação do outro e com o outro e, também, das coisas e com as coisas são fundamentais  para  que  ocorra  o  desenvolvimento,  já  que  é  por  meio  das  interações,  que  o sujeito  passa  a  ter  uma  significação  subjetiva,  internalizando  suas  vivências.  Quando  essa mediação  é  feita  pelo  outro,  trata-se  de  mediação  pedagógica,  assim  como  a  mediação semiótica são as interações feitas pelos e com os signos. Nesse sentido, o autor esclarece que: “todo estímulo condicional criado pelo homem artificialmente e que se utiliza como meio para dominar a conduta – própria ou alheia – é um signo [...]” (VYGOTSKY, 1995, p. 83). 

Sob  essa  perspectiva,  há  de  se  considerar  dois  momentos  importantes  que  favorecem  a explicação  do  uso  dos  signos  no  desenvolvimento  humano.  O  primeiro,  diz  respeito  ao estímulo  externo  que  tem  uma  representação  específica  para  cada  sujeito.  O  segundo momento refere-se aos estímulos que já introduzidos no contexto social, se tornam símbolos e que  na  sua  interação,  passam  a  ter  uma  significação  coletiva,  desencadeando  assim,  um processo de linguagem. 

Segundo  Vygotsky  (1994)  se  de  um  lado  a  combinação  da  cognição  e  da  afetividade  seria capaz de dar conta da quantidade de estímulos que o ser humano recebe do meio, de outro, o sistema nervoso humano não consegue processar todos os estímulos que chegam. No entanto,  na cultura existem artifícios para se conseguir unificar estas duas dimensões do humano. Um destes artifícios é a arte. 

Vygostky  (2001)  relaciona  as  artes,  a  semiótica  e  a  educação,  e  analisa  os  mecanismos  de construção estética a partir da dialética homem cultura. Em citação de Cunha (2009, p. 4) vê-se que o imaginário do ser humano é construído 

[…] nos fatos que encontra e vivencia no decorrer das interações sociais. As fantasias   seriam   combinações   de   elementos   retirados   da   realidade   e reelaborados  pela  imaginação.  Percebe-se  por  essa  exposição  que  os sentimentos,  imagens  e  pensamentos  que  se  reorganizam  enquanto  o  ser 
humano partilha a música, procedem de vivências reais, de experiências já apropriadas e constituintes de suas subjetividades.  

A arte seria um  instrumento que possibilitaria equilibrar o organismo ao seu  meio, além de também, externalizar emoções e sentimentos como: alegria, ansiedade, agressividade, medo, raiva, angústia e outros. Os sentimentos provocados pelo contato com a arte podem superar os sentimentos vivenciados e ainda não resolvidos, rompendo o equilíbrio interno. Assim, ao ser afetado  pela  arte, toda  sorte  de  sensações  podem  se  manifestar  e  vir  a  tona.  Nesse  sentido, Vygotsky (2001, p. 315) esclarece que “a refundição das emoções fora de nós realiza-se por força  de  um  sentimento  social  que  foi  objetivado,  levado  para  fora  de  nós,  materializado  e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumentos da sociedade”. 


Contatos:
 Kelly: mgprodutoracultural@yahoo.com.br
 Ludimilla: ludmilahe@yahoo.com.br
Orientador José Antônio: jbzille@yahoo.com.br

2 comentários:

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