quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012


VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: MATAR EM NOME DO AMOR

Sabemos da existência de Programas de Combate à Violência Doméstica que, em Belo Horizonte, buscam a criação de abrigos com o propósito de acolher e abrigar temporariamente mulheres e seus filhos em situação de violência e risco iminente de morte. O programa oferece serviços na área jurídica, psicológica e social com o intuito de reinseri-las na sociedade e resgatar sua auto-estima.

Inicialmente a violência inicia-se com insultos e palavras com a intenção de desqualificar a parceira e estes ataques vão crescendo até culminar com a violência física mesclada com a violência psicológica, tornando a convivência insuportável.  Quando a mulher ameaça sair de casa o parceiro promete mudanças que não serão cumpridas. Inicia-se novamente os insultos e a violência até que ela decida romper o relacionamento. Para que ocorra uma ruptura definitiva, várias “separações e retornos” são ensaiados, pois sentimentos ambíguos de amor e ódio estão presentes, descontentamento e esperança. 



A violência doméstica é um processo cíclico, e a mulher tem dificuldade de reconhecê-la até que se instaure o medo.  A mulher já não sabe quando seu companheiro vai agredi-la.  Muitas vezes ela se culpabiliza, achando que a agressão foi desencadeada por alguma coisa que ela disse ou fez e que ela não vai mais “provocá-lo”.

Citando Chauí:

“Entendemos por violência uma realização determinada das relações de
força, tanto de classes sociais quanto em termos interpessoais. (...) como uma ação que trata o outro não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala de outrem são impedidas ou anuladas, há violência.”

O fenômeno da violência contra as mulheres é engendrado dentro de um contexto político de gênero e uma conjuntura sócio-econômica, com seus mitos e verdades, que com seu discurso fragiliza a mulher e “sacraliza a tolerância à violência em nome da manutenção da família”. A violência é abrigada pelas relações de poder que visam a dominação e a exploração. SAFFIOTI e ALMEIDA (1995: 159), apontam que a violência de gênero “visa a preservação da organização social de gênero, fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuados que subalternizam o gênero feminino, e amplia-se e reatualiza-se na proporção direta em que o poder masculino é ameaçado”.

Ora, demorou muito para que a sociedade reconhecesse e acolhesse o sofrimento das mulheres vítimas de violência. Historicamente sabemos que na antiguidade a mulher era vista como ser inferior. Foi considerada como alguém tomada pelas emoções, tentada pela paixão, espreitada pela loucura, e por isso não merecedora de um lugar de razão dentro da família. No Brasil, somente com a Constituição de 1934 ela passou a ter direito ao voto. São vários os argumentos que legitimam a violência dos homens contra suas mulheres. A violência era vista como fator educativo.

Hoje a violência deixa de ser singular para ser referida no plural: “violências” – violência física, psicológica, moral... violência que é mais exarcerbada e legitimada dependendo da raça, do exercício sexual, da aparência física, da condição sócio-econômica, e outras.

Grossi (1994), ressalta essa singularidade:

 “Considero, no entanto, que para ampliar a luta contra a violência que as mulheres sofrem é necessário que se tenha em mente que não se pode continuar denunciando a violência no singular, como se todas as formas de agressão fossem percebidas e vivenciadas da mesma  forma por todas as mulheres brasileiras.”

Por exemplo, ser mulher pobre, feia, gorda, homossexual torna-a mais vulnerável a violências, inclusive psicológica, que não é menos danosa que a violência física, mas é mais difícil de ser reconhecida.

Essas mulheres, vítimas de violência, apresentam um discurso aterrorizador em relação ao parceiro que seria capaz de matá-las.  Porém, autores como GREGORI (1989); SAFFIOTI e ALMEIDA (1995), nos orientam que “no contexto de relações de violência de gênero não se pode falar em vítimas passiva ou de objetos da ação de outrem, sem considerar toda uma trama de relações densas constitutivas do sujeito e por ele constituídas”.

Assim, não é porque essas mulheres são vítimas de violência que necessitam de alguém que assumam o controle de suas vidas. É necessário que elas falem das suas angústias, seus desejos e busquem soluções para a saída da violência. Da sociedade se espera que as acolham e comecem a desnaturalizar e desautorizar a violência cometida pelos homens: maridos, amantes, namorados... Devemos lembrar que namoradas também sofrem violência quando rompem com os namorados, podendo inclusive perder a própria vida quando decidem separar-se deles.

Referências bibliográficas:

CHAUÍ, M., “Participando do debate sobre mulher e violência”, in Cardoso, R. et al., Perspectivas antropológicas da
mulher. RJ, Zahar Editora, p. 35.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso – Aula Inaugural no Collège de France – 1970

 Grossi, M. – Comunicação proferida no painel “Violência de gênero – uma abordagem antropológica”. Seminário Nacional Violência contra a Mulher. SP, 1994.

SAFFIOTI, Heleieth I. B.; ALMEIDA, Suely de. Violência de Gênero. Poder e Impotência. Rio de Janeiro, Revinter, 1995.


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