VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER:
MATAR EM NOME DO AMOR
Sabemos da existência
de Programas de Combate à Violência Doméstica que, em Belo Horizonte, buscam a
criação de abrigos com o propósito de acolher e abrigar temporariamente
mulheres e seus filhos em situação de violência e risco iminente de morte. O
programa oferece serviços na área jurídica, psicológica e social com o intuito
de reinseri-las na sociedade e resgatar sua auto-estima.
Inicialmente a
violência inicia-se com insultos e palavras com a intenção de desqualificar a
parceira e estes ataques vão crescendo até culminar com a violência física
mesclada com a violência psicológica, tornando a convivência insuportável. Quando a mulher ameaça sair de casa o parceiro
promete mudanças que não serão cumpridas. Inicia-se novamente os insultos e a
violência até que ela decida romper o relacionamento. Para que ocorra uma
ruptura definitiva, várias “separações e retornos” são ensaiados, pois
sentimentos ambíguos de amor e ódio estão presentes, descontentamento e
esperança.
A violência doméstica é um processo cíclico, e a mulher tem
dificuldade de reconhecê-la até que se instaure o medo. A mulher já não sabe quando seu companheiro
vai agredi-la. Muitas vezes ela se
culpabiliza, achando que a agressão foi desencadeada por alguma coisa que ela
disse ou fez e que ela não vai mais “provocá-lo”.
Citando Chauí:
“Entendemos
por violência uma realização determinada das relações de
força,
tanto de classes sociais quanto em termos interpessoais. (...) como uma ação
que trata o outro não como sujeito, mas como coisa. Esta se caracteriza pela
inércia, pela passividade e pelo silêncio, de modo que, quando a atividade e a fala
de outrem são impedidas ou anuladas, há violência.”
O fenômeno da
violência contra as mulheres é engendrado dentro de um contexto político de
gênero e uma conjuntura sócio-econômica, com seus mitos e verdades, que com seu
discurso fragiliza a mulher e “sacraliza a tolerância à violência em nome da
manutenção da família”. A violência é abrigada pelas relações de poder que
visam a dominação e a exploração. SAFFIOTI e ALMEIDA (1995: 159), apontam que a
violência de gênero “visa a preservação da organização social de gênero,
fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuados que
subalternizam o gênero feminino, e amplia-se e reatualiza-se na proporção
direta em que o poder masculino é ameaçado”.
Ora, demorou
muito para que a sociedade reconhecesse e acolhesse o sofrimento das mulheres
vítimas de violência. Historicamente sabemos que na antiguidade a mulher era
vista como ser inferior. Foi considerada como alguém tomada pelas emoções, tentada
pela paixão, espreitada pela loucura, e por isso não merecedora de um lugar de
razão dentro da família. No Brasil, somente com a Constituição de 1934 ela
passou a ter direito ao voto. São vários os argumentos que legitimam a
violência dos homens contra suas mulheres. A violência era vista como fator
educativo.
Hoje a violência
deixa de ser singular para ser referida no plural: “violências” – violência
física, psicológica, moral... violência que é mais exarcerbada e legitimada
dependendo da raça, do exercício sexual, da aparência física, da condição
sócio-econômica, e outras.
Grossi (1994),
ressalta essa singularidade:
“Considero, no entanto, que para ampliar a
luta contra a violência que as mulheres sofrem é necessário que se tenha em
mente que não se pode continuar denunciando a violência no singular, como se
todas as formas de agressão
fossem percebidas e vivenciadas da mesma forma por todas as mulheres
brasileiras.”
Por exemplo, ser
mulher pobre, feia, gorda, homossexual torna-a mais vulnerável a violências,
inclusive psicológica, que não é menos danosa que a violência física, mas é
mais difícil de ser reconhecida.
Essas mulheres, vítimas
de violência, apresentam um discurso aterrorizador em relação ao parceiro que
seria capaz de matá-las. Porém, autores
como GREGORI (1989); SAFFIOTI e ALMEIDA (1995), nos orientam que “no contexto
de relações de violência de gênero não se pode falar em vítimas passiva ou de
objetos da ação de outrem, sem considerar toda uma trama de relações densas
constitutivas do sujeito e por ele constituídas”.
Assim, não é
porque essas mulheres são vítimas de violência que necessitam de alguém que
assumam o controle de suas vidas. É necessário que elas falem das suas
angústias, seus desejos e busquem soluções para a saída da violência. Da
sociedade se espera que as acolham e comecem a desnaturalizar e desautorizar a
violência cometida pelos homens: maridos, amantes, namorados... Devemos lembrar
que namoradas também sofrem violência quando rompem com os namorados, podendo
inclusive perder a própria vida quando decidem separar-se deles.
Referências bibliográficas:
CHAUÍ, M., “Participando
do debate sobre mulher e violência”, in Cardoso, R. et al., Perspectivas antropológicas
da
mulher. RJ, Zahar Editora,
p. 35.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso – Aula Inaugural no
Collège de France – 1970
Grossi, M. – Comunicação proferida no painel
“Violência de gênero – uma abordagem antropológica”. Seminário Nacional Violência
contra a Mulher. SP, 1994.
SAFFIOTI, Heleieth I. B.;
ALMEIDA, Suely de. Violência de Gênero.
Poder e Impotência. Rio de Janeiro, Revinter, 1995.
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