WINNICOTT E A MÃE
SUFICIENTEMENTE BOA
Donald
Woods Winnicott (1896-1971), nasceu em Plymouth, Inglaterra, estudou medicina e
especializou-se em pediatria. Após
contato com trabalhos de Freud, Winnicott decidiu-se por se tornar analista de
crianças. Assim, sob a orientação de Melanie Klein, psicanalista de crianças em
Londres, iniciou seu trabalho analítico.
Formulou
conceitos sobre os transtornos em crianças com base em suas observações de
crianças abandonadas e institucionalizadas, separadas de seus pais. Observando
as relações familiares, reparou que o desenvolvimento psicológico dos primeiros
anos de vida da criança são fundamentais para a saúde psíquica do indivíduo.
Durante
as sessões de atendimento, Winnicott procurava interagir com a criança e muitas
vezes a presenteava com um aviãozinho de papel ou um leque, como uma forma dela
levar para a sua vida um pouco do espaço terapêutico.
Winnicott
valorizava o atendimento interdisciplinar, incluindo assistentes sociais,
profissionais de saúde, religiosos e educadores em suas intervenções. Também
orientava pais e mães nos cuidados com seus filhos. Acreditava que a mãe era a
principal referência amorosa para o bebê. Por isso o vínculo mãe e filho era
importante por toda a vida do sujeito, pois para existir como pessoa o bebê
precisa dos cuidados de um outro sujeito humano.
O ser
humano, para Winnicott, nasce como um conjunto desorganizado de pulsões,
instintos, capacidades perceptivas e motoras que conforme progride o
desenvolvimento vão se integrando, até alcançar uma imagem unificada de si e do
mundo externo. Para isso, inicialmente, o bebê depende da mãe ou de alguém que exerça a função
materna e do ambiente. O Recém-nascido
não consegue distinguir uma “coisa” de outra, uma coisa externa do seu próprio
corpo e não percebe o que o rodeia como sendo separado dele. O seio materno,
que satisfaz suas necessidades, é percebido como parte de si.
Para
Winnicott, o papel da mãe é prover o bebê de um ego auxiliar que lhe permita
integrar suas sensações corporais, os estímulos ambientais e suas capacidades
motoras nascentes. Desde a gravidez a
mãe desenvolve uma preocupação em que coloca o bebê como o seu centro e essa
preocupação vai se extinguindo progressivamente. Essa preocupação maternal
primária dá à mãe a capacidade de se colocar no lugar de seu filho e responder
às suas necessidades e graças a essa adequação precoce, o bebê não sente
nenhuma ameaça de aniquilação e pode investir, sem perigo, no self.
A mãe suficientemente boa funcionará
como uma proteção ao ego frágil da criança, fortalecendo assim o seu self. O
bebê sente-se como onipotente e Winnicott diz que a “mãe boa” é a que responde
a onipotência do lactante e, de certo modo, dá-lhe sentido até que pouco a
pouco a criança procurará substituir a proteção que lhe falta por uma
“fabricada” por ela mesma. Posteriormente, a mãe se cura desse estado e aceita
não ser mais totalmente gratificadora para seu filho: torna-se simplesmente uma mãe suficientemente boa, isto é, uma mãe que apresenta deficiências
transitórias, mas que jamais serão superiores àquilo que seu bebê pode
experimentar.
Quando a mãe
não fornece a proteção necessária ao frágil ego do recém-nascido; a criança
perceberá esta falha como uma ameaça à sua continuidade existencial, a qual,
por sua vez, provocará nela a vivência subjetiva de que todas as suas
percepções e atividades motoras são apenas uma resposta diante do perigo a que
se vê exposta.
A mãe que
“não é boa”, inadequada, é incapaz de interpretar as necessidades da criança deixando de
responder ao seu imaginário onipotente. Isso fará com que a criança desenvolva
uma “casca” (mecanismos de defesa), com a finalidade de se proteger da
hostilidade do ambiente. A criança na
maior parte do tempo se sentirá submissa ao ambiente, à mãe. Criará um falso
self que utilizará para lidar com a realidade na qual convive. Winnicott diz que o self falso se encontra
representado por toda a organização da atitude social cortês e bem educada.
Produziu-se um aumento da capacidade do individuo para renunciar a onipotência
ganhando assim um lugar na sociedade que jamais se pode conseguir manter
mediante unicamente o self verdadeiro. O falso self, especialmente quando se
encontra no extremo mais patológico da escala, é acompanhado geralmente por uma
sensação subjetiva de vazio, futilidade e irrealidade devido às várias “cascas”
sobrepostas.
Em
contrapartida, quando a mãe é
suficientemente boa, a criança desenvolve um sentimento de onipotência: tem
a ilusão ativa de criar o mundo em torno de si. Essa “atividade mental da
criança transforma um ambiente suficientemente bom em ambiente perfeito”. Isso
permite à psique da criança residir no corpo, atingindo a unidade psique-soma,
base de um self autêntico. Ao mesmo tempo, diante das
inelutáveis pequenas deficiências da mãe, a criança experimenta uma desilusão
moderada.
Tal
desilusão é necessária e a criança se adapta a ela ativamente substituindo a
ilusão primitiva por uma área intermediária, área da criatividade primária: é a
isto que Winnicott chama de área transicional, cujo representante mais
característico é o objeto transicional – um brinquedo ou um objeto no qual a
criança se apega e com ele interage.
Apesar da relação mãe e filho (díade) ser tão desigual, ela constitui experiência fundamental para o ser humano,
pois, certamente, pode conter, para o sujeito que a experimenta, a origem, o
substrato de toda as subseqüentes características das relações sociais que ele
vai desenvolver de ordem superior ao longo de sua vida.
Espera-se que os bons aspectos da mãe prevaleçam sobre os maus aspectos
e, da mesma maneira, o impulso libidinal da criança prevaleça sobre o
agressivo. Conseqüentemente, o objeto bom parece predominar nessa fusão e, por
isso, é que o objeto libidinal foi chamado objeto de amor. Se suprimirmos a
expressão de um dos impulsos ou facilitarmos em detrimento de outro, estaremos
dando início às relações objetais mal formadas.
Em geral, é a mãe que facilita ou reprime. Ela pode acentuar o objeto
bom ou o objeto mau. A capacidade de adiar a satisfação do impulso, de tolerar
uma demora na descarga da tensão, de desistir de um prazer imediato e talvez
incerto em troca de prazer posterior, é um passo importante na humanização do
homem.
Referências
Bibliográficas
Winnicott, D. W. (1965a). A Família e o
Desenvolvimento Individual. Belo Horizonte: Interlivros, 1980.
Winnicott, D. W. (1965b). O ambiente e os
processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
Anotações em aulas do curso de especialização em
adolescência da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (1999-2000), ministrado por Marília de Freitas Maakaroun
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