domingo, 13 de novembro de 2011


Adolescente em conflito com a lei, o que precisamos reduzir?

Raquel Assunção Silveira
Psicóloga – PUC/MG 1995, Pós Graduada em Educação Social  - UNISAL/Campinas – 2002, Mestranda em Administração Pública com ênfase  em Gestão de Políticas Sociais – 2006/2007, Diretora do Centro de atendimento ao Adolescente - CEAD  - BH/MG

Reduzir a idade penal tem sido a solução apontada pelo senso comum para a diminuição da violência que envolve o adolescente em conflito com a lei. Reduzir é um verbo adequado para a questão, porém é necessário descobrir de fato o que é preciso reduzir e o que é preciso ampliar para superar as causas diversas da violência. 

Na problemática do adolescente em conflito com a lei convergem fatores socioeconômicos, culturais, familiares, individuais e institucionais. Esses adolescentes têm perfis diversos e trajetórias diferenciadas ainda que se possa perceber situações sociais similares marcadas no limite pela pobreza, exclusão e desigualdades.
 No Brasil, as desigualdades socioeconômicas apresentam índices elevados e vem mantendo-se numa estabilidade há 50 anos. Conforme dados do IPEA, o Brasil possui um dos índices mais elevados de desigualdade da América Latina e somente na última década e de forma incipiente ocorreu redução em seus níveis. Desigualdade é aqui interpretada no sentido mais amplo, incidindo não apenas no aspecto socioeconômico associado à insuficiência de renda dos indivíduos e famílias, mas também as condições de acessibilidade dos serviços de infra-estrutura no social, possibilidades de ascensão social, participação política, etc.

O crescimento econômico, conforme o obtido nos últimos anos deve ser visto como condição necessária para reduzir a pobreza e elevar qualidade de vida no País, mas não é suficiente para reduzir o quadro de desigualdades e exclusão social no Brasil.

O agravamento da pobreza e exclusão social no Brasil vem ocorrendo destacadamente nas regiões metropolitanas dando origem à expressão “metropolização da pobreza”. Esse processo deveu-se principalmente ao crescimento do desemprego nas regiões metropolitanas como um todo e no sudeste em particular.

Nesse contexto, a situação  especifica dos jovens de 15 a 24 anos, em relação à taxa de desocupação, cresceu cerca de 68%, no caso dos indigentes, e cerca de 48%, no caso dos pobres, entre 1993 e 2002. Esses números mostram a importância de iniciativas voltadas para melhorar as possibilidades de inserção de jovens pobres no mercado de trabalho, o que contribuiria para reduzir os índices de criminalidade e delinqüência nas grandes cidades.   

Conforme dados do Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento das Unidades que executam Medida de Privação de Liberdade ao Adolescente em Conflito com a Lei, 2002, a análise de rendimentos das famílias dos adolescentes brasileiros revela aspectos importantes de desigualdades, sobretudo quando a comparação se dá entre brancos e não-brancos ( pardos, pretos e indígenas). Há maior pobreza nas famílias dos não-brancos do que dos brancos. Os dados de rendimento familiar, coletados pelo Mapeamento, mostram que os adolescentes internados nas instituições de execução de medida socioeducativa de privação de liberdade são oriundos de famílias pobres, com rendimento mensal que varia de menos de 1 (um) até dois salários mínimos vigentes em setembro de 2002. Em relação à raça/cor os dados mostram que mais de 60% dos adolescentes privados de liberdade no Brasil são afrodescendentes, 21% são pretos e 40% são pardos e no que se refere ao grau de instrução dos adolescentes internos, (faixa etária de 16 a 18 anos) 89,6%  não concluíram o ensino fundamental, 6% são analfabetos,  2,7% concluíram o ensino fundamental e 7,6% iniciaram o ensino médio. A partir desses dados ficam evidenciados a situação de pobreza, exclusão social, desigualdades de possibilidades e dificuldade de mobilidade social da grande maioria de adolescentes em conflito com a lei, considerando  também as limitações de acessos desses aos serviços essenciais.

O ato infracional juvenil não pode ser justificado pela pobreza, mas fatores de desigualdade social, exclusão social, não-exercício da cidadania, ausência de mobilidade social e ausência de políticas públicas sociais e econômicas efetivas têm contribuído negativamente e significativamente para ocorrência desses atos. Contudo existem dificuldades de analise do impacto desses fatores nessa problemática, diante da complexidade que envolve a questão do adolescente em conflito com a lei.

Apesar desse cenário negativo apresentado, algumas mudanças positivas vêm acontecendo. Conforme o IPEA, vários fatores, como a ampliação dos direitos sociais na Constituição e transferências de renda para segmentos mais desfavorecidos, contribuíram para evolução positiva dos indicadores sociais,  entendidos como estatísticas da realidade social do País, em saúde, saneamento básico, educação, trabalho, rendimento, domicílios, famílias, grupos populacionais e trabalhos de crianças e adolescente entre outros aspectos. Porém esses fatores são importantes para redução da pobreza, mas não suficientes para reverter o quadro da exclusão e desigualdades sociais. É necessário melhorar a eficácia das ações sociais do governo, adotar políticas de fomento à produtividade do trabalho e de apoio à produção familiar e microempresarial, como criar condições para melhorar oportunidades de ascensão do trabalhador informal, entre outros. É importante também rever o padrão de financiamento das políticas sociais.

Diante desse contexto, os adolescentes em conflito com a lei que, na sua grande maioria, são não-brancos, têm baixa escolaridade, têm dificuldades de acessos essenciais e mobilidade social, foram pouco afetados por essa melhoria de indicadores sociais e, dessa maneira, revelam significativamente a dimensão da desigualdade, exclusão e injustiça social.   Dessa forma, o jovem que vivencia essa situação depende em grande medida da possibilidade de mobilidade social, para contribuição de reversão do quadro. Para isso, deve ter, entre outros fatores, melhores condições de acessos aos serviços essenciais.

Portanto a discussão que se faz  em torno do rebaixamento da idade penal  como solução para redução da criminalidade é uma discussão reduzida para uma problemática tão ampla. Não existem soluções simples para o complexo problema da violência. É necessário reduzir as causas diversas que motivam a violência. Reduzir a idade penal é reduzir as possibilidades de ressocialização e responsabilização do adolescente em conflito com a lei. As medidas socioeducativas  propostas no Estatuto da criança e adolescente (ECA) se de fato executadas conforme o estabelecido na lei proporcionam possibilidades de superação eficaz das causas e conseqüências da atuação delitiva. Porém o desafio que se faz é a aplicação e otimização dessas medidas que ainda hoje não estão sendo executadas de forma ideal em todo o Brasil. Esse fato aponta então para a necessidade de fortalecimento dessa diretriz do ECA. Antes de modificar a lei é importante executá-la.

Dessa maneira é necessário e urgente ampliar o olhar para a questão da violência e do adolescente em conflito com a lei. Alguns aspectos sociais e econômicos que motivam a violência foram destacados nesse artigo, porém é importante ressaltar que esses fatores não são únicos nem determinantes. A pobreza, desigualdade social, exclusão social e o adolescente em conflito com a lei são fenômenos diferenciados mas interligados e demandam repensar um conjunto de práticas econômicas e sociais que devem ser consolidadas enquanto ações públicas assumidas pelo conjunto dos governos e pela sociedade em seus diversos níveis.

Referências bibliográficas
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.”Brasil, o estado de uma nação”. Brasília, agosto 2005 (www.em.ipea.gov.br)  
Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento das Unidades que executam Medida de Privação de Liberdade ao Adolescente em Conflito com a Lei, 2002.
Artigo publicado no link: http://www.modusfaciendi.com.br/eca.pd visitado em 13/11/2011, as 10:07 horas - Publicação da Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ano II - Edição Especial, Outubro – 2007, ISSN 1809-8673


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