Adolescente
em conflito com a lei, o que precisamos reduzir?
Raquel Assunção Silveira
Psicóloga – PUC/MG 1995, Pós Graduada em
Educação Social - UNISAL/Campinas – 2002,
Mestranda em Administração Pública com ênfase
em Gestão de Políticas Sociais – 2006/2007, Diretora do Centro de atendimento
ao Adolescente - CEAD - BH/MG
Reduzir a idade penal tem sido a solução apontada
pelo senso comum para a diminuição da violência que envolve o adolescente em
conflito com a lei. Reduzir é um verbo adequado para a questão, porém é
necessário descobrir de fato o que é preciso reduzir e o que é preciso ampliar
para superar as causas diversas da violência.
Na problemática do adolescente em conflito com a
lei convergem fatores socioeconômicos, culturais, familiares, individuais e
institucionais. Esses adolescentes têm perfis diversos e trajetórias
diferenciadas ainda que se possa perceber situações sociais similares marcadas
no limite pela pobreza, exclusão e desigualdades.
O crescimento econômico, conforme o obtido nos
últimos anos deve ser visto como condição necessária para reduzir a pobreza e
elevar qualidade de vida no País, mas não é suficiente para reduzir o quadro de
desigualdades e exclusão social no Brasil.
O agravamento da pobreza e exclusão social no
Brasil vem ocorrendo destacadamente nas regiões metropolitanas dando origem à
expressão “metropolização da pobreza”. Esse processo deveu-se principalmente ao
crescimento do desemprego nas regiões metropolitanas como um todo e no sudeste
em particular.
Nesse contexto, a situação especifica dos jovens de 15 a 24 anos, em
relação à taxa de desocupação, cresceu cerca de 68%, no caso dos indigentes, e
cerca de 48%, no caso dos pobres, entre 1993 e 2002. Esses números mostram a
importância de iniciativas voltadas para melhorar as possibilidades de inserção
de jovens pobres no mercado de trabalho, o que contribuiria para reduzir os índices
de criminalidade e delinqüência nas grandes cidades.
Conforme dados do Mapeamento Nacional da Situação do
Atendimento das Unidades que executam Medida de Privação de Liberdade ao
Adolescente em Conflito com a Lei, 2002, a análise de rendimentos das famílias
dos adolescentes brasileiros revela aspectos importantes de desigualdades,
sobretudo quando a comparação se dá entre brancos e não-brancos ( pardos,
pretos e indígenas). Há maior pobreza nas famílias dos não-brancos do que dos
brancos. Os dados de rendimento familiar, coletados pelo Mapeamento, mostram
que os adolescentes internados nas instituições de execução de medida
socioeducativa de privação de liberdade são oriundos de famílias pobres, com
rendimento mensal que varia de menos de 1 (um) até dois salários mínimos
vigentes em setembro de 2002. Em relação à raça/cor os dados mostram que mais
de 60% dos adolescentes privados de liberdade no Brasil são afrodescendentes,
21% são pretos e 40% são pardos e no que se refere ao grau de instrução dos
adolescentes internos, (faixa etária de 16 a 18 anos) 89,6% não concluíram o ensino fundamental, 6% são
analfabetos, 2,7% concluíram o ensino
fundamental e 7,6% iniciaram o ensino médio. A partir desses dados ficam
evidenciados a situação de pobreza, exclusão social, desigualdades de
possibilidades e dificuldade de mobilidade social da grande maioria de
adolescentes em conflito com a lei, considerando também as limitações de acessos desses aos
serviços essenciais.
O ato infracional juvenil não pode ser justificado
pela pobreza, mas fatores de desigualdade social, exclusão social, não-exercício
da cidadania, ausência de mobilidade social e ausência de políticas públicas
sociais e econômicas efetivas têm contribuído negativamente e
significativamente para ocorrência desses atos. Contudo existem dificuldades de
analise do impacto desses fatores nessa problemática, diante da complexidade
que envolve a questão do adolescente em conflito com a lei.
Apesar desse cenário negativo apresentado, algumas mudanças
positivas vêm acontecendo. Conforme o IPEA, vários fatores, como a ampliação
dos direitos sociais na Constituição e transferências de renda para segmentos
mais desfavorecidos, contribuíram para evolução positiva dos indicadores
sociais, entendidos como estatísticas da
realidade social do País, em saúde, saneamento básico, educação, trabalho,
rendimento, domicílios, famílias, grupos populacionais e trabalhos de crianças e
adolescente entre outros aspectos. Porém esses fatores são importantes para
redução da pobreza, mas não suficientes para reverter o quadro da exclusão e
desigualdades sociais. É necessário melhorar a eficácia das ações sociais do
governo, adotar políticas de fomento à produtividade do trabalho e de apoio à produção
familiar e microempresarial, como criar condições para melhorar oportunidades
de ascensão do trabalhador informal, entre outros. É importante também rever o
padrão de financiamento das políticas sociais.
Diante desse contexto, os adolescentes em conflito
com a lei que, na sua grande maioria, são não-brancos, têm baixa escolaridade,
têm dificuldades de acessos essenciais e mobilidade social, foram pouco
afetados por essa melhoria de indicadores sociais e, dessa maneira, revelam
significativamente a dimensão da desigualdade, exclusão e injustiça social. Dessa forma, o jovem que vivencia essa
situação depende em grande medida da possibilidade de mobilidade social, para
contribuição de reversão do quadro. Para isso, deve ter, entre outros fatores,
melhores condições de acessos aos serviços essenciais.
Portanto a discussão que se faz em torno do rebaixamento da idade penal como solução para redução da criminalidade é uma
discussão reduzida para uma problemática tão ampla. Não existem soluções
simples para o complexo problema da violência. É necessário reduzir as causas
diversas que motivam a violência. Reduzir a idade penal é reduzir as
possibilidades de ressocialização e responsabilização do adolescente em
conflito com a lei. As medidas socioeducativas
propostas no Estatuto da criança e adolescente (ECA) se de fato
executadas conforme o estabelecido na lei proporcionam possibilidades de
superação eficaz das causas e conseqüências da atuação delitiva. Porém o
desafio que se faz é a aplicação e otimização dessas medidas que ainda hoje não
estão sendo executadas de forma ideal em todo o Brasil. Esse fato aponta então
para a necessidade de fortalecimento dessa diretriz do ECA. Antes de modificar
a lei é importante executá-la.
Dessa maneira é necessário e urgente ampliar o
olhar para a questão da violência e do adolescente em conflito com a lei. Alguns
aspectos sociais e econômicos que motivam a violência foram destacados nesse
artigo, porém é importante ressaltar que esses fatores não são únicos nem
determinantes. A pobreza, desigualdade social, exclusão social e o adolescente
em conflito com a lei são fenômenos diferenciados mas interligados e demandam repensar
um conjunto de práticas econômicas e sociais que devem ser consolidadas
enquanto ações públicas assumidas pelo conjunto dos governos e pela sociedade
em seus diversos níveis.
Referências
bibliográficas
IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada.”Brasil, o estado de uma nação”. Brasília, agosto 2005
(www.em.ipea.gov.br)
Mapeamento Nacional da Situação do Atendimento das
Unidades que executam Medida de Privação de Liberdade ao Adolescente em
Conflito com a Lei, 2002.
Artigo
publicado no link: http://www.modusfaciendi.com.br/eca.pd
visitado em 13/11/2011, as 10:07 horas - Publicação da Procuradoria-Geral
de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ano II - Edição
Especial, Outubro – 2007, ISSN 1809-8673
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