Transcrevo abaixo, artigo que trata da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal.
Por: Josué
de Matos Ferreira - Acadêmico do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais de Ubá/MG – UNIPAC; Estagiário do Ministério
Público do Estado de Minas Gerais.
Artigo
publicado no link: http://www.modusfaciendi.com.br/eca.pd
visitado em 13/11/2011, as 10:07 horas - Publicação da Procuradoria-Geral
de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ano II - Edição
Especial, Outubro – 2007, ISSN 1809-8673
Da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal
“É MELHOR prevenir os crimes do que ter de
puni-los; e todo legislador sábio deve procurar
antes
impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de
proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os
sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males
desta vida”.
Cesare Beccaria
1.
Introdução
Movida pelo clamor e profunda comoção social,
atrelada aos auspícios de um pensamento massificado pela mídia, é recorrente a
intenção de alguns parlamentares – ao menos em discurso – à redução da
maioridade penal.
Trata-se de resquícios de um direito penal máximo,
que vem perdendo força, progressivamente, nos ordenamentos jurídicos contemporâneos,
substituído por medidas de reeducação social, atreladas a políticas públicas
sociais e de descriminalização de condutas.
Essa nova mentalidade vem evoluindo desde o
pensamento de Michel Foucaut e Cesare Beccaria, propondo uma reflexão acerca da
legitimidade do jus puniendi e da efetividade da pena. Muito evoluiu a
civilização humana no que se refere ao abandono das penas cruéis. Constatou-se
que, apesar de a dosimetria da pena necessariamente dever ser conjugada à
lesividade e gravidade da conduta praticada, muito mais importante o aspecto ressocializador
e reeducador da intervenção ativa do Estado em face da prática delituosa
(incluindo aqui tanto a pena quanto as medidas protetivas e socioeducativas) do
que a gravidade do “castigo” aplicado.
Nosso ordenamento pátrio não deixou de acompanhar tal
evolução. Desde a promulgação da Constituição da República de 1988, cujo corpo
de direitos individuais e sociais fez com que fosse conhecida como
“Constituição Cidadã”, foram editados diversos diplomas normativos com essa
nova mentalidade. Notadamente a lei dos juizados especiais criminais (lei 9.099/95)
e o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), associados à
reforma da parte geral do Código Penal (que autoriza, e. g., a substituição da
pena privativa de liberdade por restritiva de direitos), são sinais do rumo
tomado pelo legislador brasileiro.
Entretanto, como, em se tratando de uma sociedade
capitalista e consumista, mais aparentemente fácil é isolar, marginalizar,
excluir, segregar, que efetivamente compreender, trabalhar e transformar
condutas, a sociedade não tem alcançado a plena acepção dessa nova política
criminal. Diante das alternativas de
reeducar um infrator ou depositá-lo à margem do
convívio social, infelizmente a sociedade não titubeia em optar pela segunda. Não
obstante esses e outros desvalores sociológicos e filosóficos que renderiam uma
discussão infinitamente mais aprofundada sobre o tema2, , o presente
artigo se propõe a uma análise jurídica acerca da possibilidade ou não da
redução da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro.
2. Da origem
do direito de punir
O estado natural do homem, de fato, era a plenitude
de sua liberdade sem qualquer limitação ou restrição. O exercício desta era
pleno, de forma que a sua vontade e seus desejos sofriam apenas as limitações
naturais de suas ações, como as leis da física, por exemplo. Legítima era ao
homem qualquer conduta, pois esta dependia exclusivamente de sua vontade
individual. Mas o ser humano não se satisfaz com o isolamento. Ele é
eminentemente um ser social. E, assim, passou a atender à necessidade de
agrupar e, juntamente com semelhantes seus, estabelecer a sociedade.
Entretanto, com esse novo modelo – a transição da
vivência, para a convivência – suas liberdades individuais passaram a se
conflitar com as dos demais integrantes do meio social. Pois cada um buscava a
obtenção de seus interesses particulares, muitas vezes opostos aos dos
interesses dos demais. Passou a ser necessária a limitação dessas liberdades
para a viabilização da vida em comunidade. Para tanto, os homens viram-se
obrigados a delegar parte delas, de forma isonômica, por meio de um instrumento
hábil que é a norma. Para a elaboração dessa norma, a sociedade humana viveu as
mais variadas formas de governo, de estruturação socioeconômica e de tentativas
de se justificar a titularidade do poder de editá-las. Desde a antigüidade até
a modernidade, passando pelos sistemas feudais, pela formação do estado
absolutista, chegando à moderna concepção do estado democrático de direito,
muito mudou, à exceção da necessidade de se limitarem as liberdades individuais.
Essa norma, expressão dos valores sociais, para que surta o efeito de
regramento de condutas deve ser um comando imperativo, obrigatório,
irresistível.
Para tanto imprescindível a coerção inibitória das
condutas avessas ao ordenamento normativo posto. Surge então, em favor do
estado (hoje seu titular exclusivo), o jus puniendi, ou direito de punir.
3. Da
manutenção dos direitos mínimos
Como já apontado, a delegação da liberdade
individual é parcial. Essa proporcionalidade entre as liberdades conservadas e
delegadas variou conforme os sistemas de organização social adotados ao longo
da evolução da civilização humana. Partiu-se de uma quase negação absoluta a
eles, até um sistema de garantias mais aprimorado e ampliado. A edição da
Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, entre outras de
natureza semelhante, vieram como uma tentativa da comunidade internacional a
coibir, na ordem interna dos países que compõe o Globo, os ordenamentos que subtraem
excessiva parcela de liberdades individuais e deixam o cidadão absolutamente
sujeitado. Embora, ainda hoje, encontremos sistemas jurídicos em que o
indivíduo vê subtraída a quase totalidade de suas liberdades mínimas.
O sistema de garantias no Brasil, autodenominado
Estado Democrático de Direito, é aquele previsto em sua Norma Fundamental, como
um rol de garantias do cidadão em face do Estado, ou seja, liberdades
individuais deste em detrimento dos interesses da coletividade, chamados
Direitos Individuais
A esses direitos, pela sua essencialidade à
democracia e à dignidade humana (princípio fundamental da República Federativa
do Brasil, art. 1º, inc. III CR/88), a Constituição estabeleceu status de
imutabilidade, vedando ao legislador constituinte derivado emendas
constitucionais tendentes a aboli-los (art. 60, §4º, inc. IV). Estão, portanto,
incluídos no rol das chamadas cláusulas pétreas.
Absolutamente necessária a intangibilidade dos
direitos individuais pelo Poder Reformador, para coibirem-se atentados contra a
cidadania, como os ocorridos durante a ditadura militar no Brasil, e peculiares
aos regimes autocráticos na história da formação dos povos.
Assim, dedica a Constituição Brasileira um Capítulo
aos denominados Direitos e Deveres
Individuais e Coletivose consagra em seu art. 5º que ”Todos são iguais perante
a lei, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade...” Entretanto, o rol de direitos individuais não se limita aos
previstos no artigo ou mesmo no capítulo retrocitado, conforme poder-se-ia
concluir através de uma leitura superficial do texto constitucional.
Nesse sentido têm-se posicionado tanto a doutrina
quanto a jurisprudência pátria. Alexandre de Moraes afirma “Relembrese que o
rol do art. 5.° é exemplificativo, existindo outros direitos e garantias
individuais espalhados pela Constituição Federal e, consequentemente, existindo
outras cláusulas pétreas com base
no art. 60, § 4.°, IV. CF. ...” 4; 5.
Como, pois, identificar se um determinado
dispositivo constitucional consiste em um direito individual? O próprio conceito
e origem destes direitos, traçados linhas atrás, apontam-nos a direção para tal
operação. Em complementação a esses fatores, o caput do art. 5º delineia quais
os direitos individuais básicos (vida, liberdade, igualdade, segurança,
propriedade) sendo, portanto, os demais, derivações destes, tais como os
previstos nos incisos do supracitado artigo. O direito de liberdade de
pensamento e crença (inc. VI) como derivação do direito à liberdade, o de
isonomia entre homens e mulheres (inc. I) como derivação do direito à
igualdade, e assim por diante.
Podemos concluir, portanto, que serão direitos
individuais aqueles cujas normas estabeleçam liberdades públicas – negativas contra
a atuação do Estado na esfera individual e positivas como dever do Estado em
torná-las eficazes – que derivem de um dos cinco direitos básicos previstos no
caput do art. 5º da CR.
4. Da norma
constitucional de fixação da inimputabilidade penal
Prevê o art. 228 da Constituição da República: “São
penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da
legislação especial.”
A norma acima transcrita impõe exceção ao jus
puniendi do Estado aos menores de 18 (dezoito) anos de idade. Ou seja, impede
ao Estado que atue na esfera individual dos cidadãos que não tenham atingido
tal idade, restringindo a sua liberdade (física e patrimonial) a fim de
compeli-los a se absterem de determinadas condutas postas (normas penais
típicas) no ordenamento jurídico.
Ora, como é de concluir, não obstante não esteja no
bojo do art. 5º, trata-se claramente de uma liberdade individual dos menores de
dezoito anos, contra a atuação do Estado, que se deriva diretamente do direito
individual básico à liberdade. Assim sendo, em se tratando de direito
individual é imutável, não
podendo ser objeto de emenda constitucional, como
pretendem freqüentemente os legisladores pátrios. Estamos aqui alinhados com a
lição de Alexandre de Morais, em sua obra Direitos Humanos Fundamentais, quando
após demonstrar que, não obstante a imputabilidade penal em limite etário aquém
dos dezoito anos não contraria a Convenção sobre os Direitos da Criança, da
qual o Brasil é signatário, afirma:
Essa previsão transforma em especialíssimo o
tratamento dado ao menor de 18 anos em relação à lei penal. Dessa forma,
impossível a legislação ordinária prever responsabilidade penal aos menores de
18 anos.
A questão, todavia, deve ser analisada em seu
aspecto mais complexo, qual seja, a possibilidade de alteração constitucional que
possibilitasse uma redução da idade geradora da imputabilidade penal. Seria
possível uma emenda constitucional, nos termos do art. 60 da Constituição
Federal. para alteração do art. 228? Entendemos impossível essa hipótese, por
tratar-se a inimputabilidade penal, prevista no art. 288 da Constituição
Federal, de verdadeira garantia individual da criança e do adolescente em não
serem submetidos à persecução penal em Juízo, tampouco poderem ser
responsabilizados criminalmente, com conseqüente aplicação de sanção penal. Assim,
o art. 288 da CF encerraria hipótese de garantia individual prevista fora do
rol exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo
Supremo Tribunal Federal.
Destarte, constitucionalistas de renome, incluindo
a Ministra Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie, têm-se
posicionado contrariamente à redução da maioridade penal, por entendê-la
inconstitucional.
5. Conclusão
Assim, embora, o urgir da sociedade por soluções e políticas
de segurança pública deságüe no clamor público pela redução da maioridade
penal, através da manipulação da mídia e de uma compreensão parca da própria
sociedade brasileira e suas crises como um todo, isso é juridicamente
impossível em nosso ordenamento pátrio.
O legislador constituinte, em um momento de
sabedoria e iluminação, não omitiu a questão da limitação etária à
imputabilidade penal no texto da Norma Fundamental Brasileira, protegendo-a
contra políticas imediatistas, irrefletidas e certamente equivocadas de alguns
defensores da alteração constitucional mencionada.
Dessa feita, o esforço empreendido em um discurso
eivado de inconstitucionalidade adotado por tantos em nosso contexto social
deveria – não combatido, mas redirecionado –, buscar uma compreensão do
problema da falta de segurança pública em que vive a sociedade brasileira.
Perseguindo a aplicação efetiva das disposições do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), uma norma reconhecidamente avançada na defesa dos direitos e
imposição dos deveres à criança e ao adolescente pela condição peculiar de
pessoas em desenvolvimento em que se encontram.
Referências
bibliográficas
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito
Constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. 3. ed.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13.
ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos
Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
Notas
1 - “Para
que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal que
causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se ainda como
parte do castigo os terrores que precedem a execução e a perda das vantagens
que o crime devia produzir.” BECCARIA, Cesare.
2 - Para um
aprofundamento no tema sob este aspecto, indicamos a obra de João Batista Costa
Saraiva, denominada: Desconstruindo o Mito da Impunidade – Um ensaio de Direito
(Penal) Juvenil.
3 - “Dá-se o
nome de liberdades públicas, de direitos humanos ou individuais àquelas
prerrogativas que tem o indivíduo em face do Estado. É um dos componentes mínimos
do Estado constitucional ou do Estado de Direito. Neste, o exercício dos seus
poderes soberanos não vai ao ponto de ignorar que há limites para a sua
atividade além dos quais se invade a esfera jurídica do cidadão. Há como que
uma repartição da tutela que a ordem jurídica oferece: de um lado ela guarnece
o Estado com instrumentos necessários à sua ação, e de outro protege uma área
de interesses do indivíduo contra qualquer intromissão do aparato oficial.
Estas liberdades públicas dizem respeito, ao menos num primeiro momento, a uma
inibição do poder estatal ou, se preferirmos, a uma prestação meramente
negativa. É dizer, o Estado se exonera dos seus deveres nesses campos,
abstendo-se da prática de certos atos. Dissemos num primeiro momento porque
hoje as coisas já não se passam exatamente assim. Ao Estado não compete
tão-somente deveres de abstenção, mas também deveres de prestação ...” BASTOS,
Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 20. Ed. São Paulo: Saraiva,
1999.
4 - MORAES,
Alexandre de. Direito Constitucional. 13. Ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 333
5 - Sobre o
tema e sobre o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto à matéria, o
mesmo autor expõe na seguinte obra: Direitos humanos fundamentais. ed. São
Paulo: Atlas, 1998. p. 297.
Por: Josué
de Matos Ferreira - Acadêmico do 10º Período do Curso de Direito da Faculdade de
Ciências Jurídicas e Sociais de Ubá/MG – UNIPAC; Estagiário do Ministério
Público do Estado de Minas Gerais.
Artigo
publicado no link: http://www.modusfaciendi.com.br/eca.pd
visitado em 13/11/2011, as 10:07 horas - Publicação da Procuradoria-Geral
de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ano II - Edição
Especial, Outubro – 2007, ISSN 1809-8673
Parabéns pelo Show de besteira,primeiro não se pode previnir o crime e sim tentar evita-lo ao maximo,ele ocorre derrepente e mesmo com alguém acima da suspeita,outra farsa a inconstitucionalidade da redução penal é contestavel pois esse entulho chamado de cf diz " não se fara emenda que tenda abolir direitos individuais" o que é direito individual?o direito de nãoser preso é um direito individual?outro os poderes do stf não são clausulas petreas
ResponderExcluirOutra cois a a vontade popular perante a cf tem o mesmo poder que o stf o stf considera inconstitucional a idade penal essa decisao pode depois ser derrubada via plebiscito popular,o stf vai plantar batata,publiquei anonimo pois não consegui publicar o nome
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