terça-feira, 15 de novembro de 2011


ESTRESSE NA INFÂNCIA: A SÍNDROME DO PEQUENO EXECUTIVO

Crianças e adolescentes com a agenda mais carregada do que a dos pais, sem tempo para brincar, apáticos, mal-humorados e introspectivos. Este perfil é cada vez mais freqüente e pode caracterizar uma criança estressada, que acabou absorvendo as ansiedades e expectativas de seus próprios pais. O mais grave no estresse infantil é que os pais demoram a perceber o problema. “estas crianças só são levadas ao médico especialista quando começam a atrapalhar a rotina e a relação familiar ou quando tornam-se agressivas demais para serem notadas”, diz o Dr. Bernik. No entanto, esta falta de atenção pode ter conseqüências bem mais graves do que as doenças psiquiátricas ou físicas: o suicídio. No Brasil ainda não há estatísticas gerais, mas no National Institute for Mental Health (NIMH - EUA) patrocionou uma série de estudos no começo da década de 90 e constatou que, em 1991, o suicídio infanto-juvenil já representava 0,3% das causas de morte nas crianças e adolescentes entre 5 e 14 anos, e 14% de todas as mortes na faixa etária entre 15 e 19 anos – a segunda causa geral de óbitos nessa idade. Na maioria das vezes, o jovem age por impulso e, em quase todos os casos, as principais causas são o medo de punição dos pais face ao mau rendimento escolar ou dos castigos impostos pelos colégios.

O ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

A descoberta e os estudos sobre o estresse pós-traumático datam do final da Guerra do Vietnã, quando médicos especialistas identificaram a síndrome nos soldados veteranos da guerra. Esta doença ocorre com quadros agudos de angústia, graves e até mesmo invalidantes, sempre quando a ex-vítima é exposta a situações similares àquelas traumatizantes a que foi submetida no passado. Isso torna a desencadear todos os sintomas ansiosos severos que o organismo sofreu no período estressante. São os chamados “flash-backs”. Hoje percebemos o estresse pós-traumático no dia-a-dia; por exemplo, nas pessoas que vivem quadros de desespero permanente frente ao crescimento da violência urbana, com assaltos e assassinatos.

ESTRESSE: ALTA TENSÃO

O estresse ganha espaço na sociedade atual, atingindo um número cada vez maior de pessoas.

A doença do terceiro milênio é hoje um sério problema econômico e social no munto todo. Já foi, num passado distante, aquilo que nunca deveria ter deixado de ser: apenas um processo fisiológico natural do organismo humano, que o ajusta a situações inesperadas, permitindo a absorção e adaptação normal do corpo a um impacto externo. Mas perto do século 21, a relação entre o homem e o meio onde ele vive vem se tornando cada vez mais difícil, atrapalhando esta adaptação que, na maioria das vezes, agora foge da normalidade, causando distúrbios transitórios ou doenças graves numa parcela gigantesca da população mundial. Estamos falando do estresse ou do “resultado da criação de uma civilização que o próprio criador, no caso o homem, já não consegue mais suportar”, como propôs o fisiologista Hans Selye, autor da conceituação moderna do estresse.
Ele atinge cerca de 60% dos executivos e seu aumento anual chega a 1%; atinge pessoas jovens – inclusive crianças (veja no quadro) – em idade produtiva e geralmente ocupando cargos de responsabilidade; é ainda mais significativo em países jovens como o Brasil, porque invalida pessoas necessárias ao seu desenvolvimento. O estresse é um matador silencioso. Direto no coração, ele pode causar ou agravar as doenças coronárias: “uma ativação do sistema nervoso autônomo numa pessoa já com problemas endoteliais coronários ou alteroscleróticos pode promover isquemia, trombose, ruptura de placa ou arritmias letais pela alteração da transmissão neuronal ao coração”, diz o Dr. Vladimir Bernik, médico psiquiatra e ex-professor regente de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de Santos (SP). No campo clínico, ele chama atenção para os distúrbios ditos neurovegetativos, como as tensões musculares com cãibras, cefaléias, tremores, hipertensão arterial e as dores urinárias sem sinais de infecção, que também são conseqüências comuns do quadro de estresse. Afora outros detalhes que o laboratório clínico fornece, como a hemoconcentração e o aumento plaquetário, a alteração do cortisol e de hormônios hipofisários e sexuais e o aumento da glicemia e do colesterol LDL, ou o colesterol ruim.  “E o pior de tudo isso é que não há nenhum plano social para estancar este mal”- continua Bernik – “a competitividade, o acúmulo de funções e a cobrança por resultados mais rápidos e eficientes só tendem a ascender, englobando grupos antes poupados como as crianças e as mulheres”.
Os gastos relacionados direta ou indiretamente com o estresse também crescem na mesma proporção. No Brasil ainda não há estatísticas, mas só nos Estados Unidos eles somam cerca de 300 bilhões de dólares anuais, o que significa 900 dólares pó pessoa que trabalha. Estima-se que 75% de todo o tempo perdido por afastamento no trabalho deve-se a doenças ou acidentes relacionados com o estresse; e em média 15 bilhões de dólares são gastos anualmente só com as faltas, hospitalizações e com a morte prematura dos executivos norte-americanos.

SINTOMAS PSÍQUICOS

Se no corpo e no bolso os efeitos do ACTH (hormônio do estresse) respingam impedosamente, na cabeça a coisa não é diferente. O Dr. Bernik explica que o estresse é hoje a causa desencadeante da maior parte das moléstias psiquiátricas, como a depressão, a ansiedade, as dependências químicas e as alterações de impulso. “Para se ter uma idéia 25% da população mundial sofre de ansiedade e 20% de depressão”, exemplifica ele. Tudo resultado da somatória entre a predisposição genética e os fatores estressantes da vida do paciente, principalmente aqueles referentes a mais ou menos um ano antes da eclosão da doença.
Dentro da chave da ansiedade estão o pânico, as fobias, os distúrbios obsessivos compulsivos (TOC) e o estresse pós-traumático, sistematizado dentro das classificações das doenças mentais depois da Guerra do Vietnã. A depressão, por sua vez, tem inúmeros sintomas característicos, como a fadiga, os sentimentos de culpa e de inutilidade, a perda de apetite e a insônia; e quem como demais, compra demais, bebe demais ou faz sexo demais pode estar sofrendo alterações de impulso, ocasionadas pela queda da serotonina no organismo.

Diagnosticar o risco de estresse e perceber estes problemas a tempo tem sido o mais difícil. “O estresse ainda não está bem posicionado no conceito dos médicos”- diz Bernik – “ainda existe muita fantasia ao redor desta palavra”. Na maioria das vezes, o médico trata das doenças conseqüentes do estresse, não chega a tempo de evitá-las. “É lógico que um médico consciente tem meios para intervir no modo de vida do paciente e para estabelecer uma conduta de prevenção, que é o ideal”, diz Bernik. Para ajudar o médico, principalmente na anamnese psiquiátrica – fundamental assim como o histórico clinico – já existem em média 19 testes com cerca de 1500 perguntas que medem, obedecendo escalas já padronizadas, a agressividade do paciente e analisam seu relacionamento interpessoal e profissional, além das eventuais situações estressantes no ambiente familiar. Mas nada substitui o trabalho multidisciplinar, que envolve o diagnóstico e o tratamento do estresse, com médicos de diversas especialidades, psiquiátricas, psicólogos e pediatras, no caso das crianças.

Texto publicado na revista Skopia Médica, ano 15 – no. 4, 1998, p. 14 a 16.


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