ESTRESSE NA INFÂNCIA: A SÍNDROME DO PEQUENO EXECUTIVO
Crianças e adolescentes com a
agenda mais carregada do que a dos pais, sem tempo para brincar, apáticos,
mal-humorados e introspectivos. Este perfil é cada vez mais freqüente e pode
caracterizar uma criança estressada, que acabou absorvendo as ansiedades e
expectativas de seus próprios pais. O mais grave no estresse infantil é que os
pais demoram a perceber o problema. “estas crianças só são levadas ao médico
especialista quando começam a atrapalhar a rotina e a relação familiar ou
quando tornam-se agressivas demais para serem notadas”, diz o Dr. Bernik. No entanto,
esta falta de atenção pode ter conseqüências bem mais graves do que as doenças
psiquiátricas ou físicas: o suicídio. No Brasil ainda não há estatísticas
gerais, mas no National Institute for Mental Health (NIMH - EUA) patrocionou
uma série de estudos no começo da década de 90 e constatou que, em 1991, o
suicídio infanto-juvenil já representava 0,3% das causas de morte nas crianças
e adolescentes entre 5 e 14 anos, e 14% de todas as mortes na faixa etária
entre 15 e 19 anos – a segunda causa geral de óbitos nessa idade. Na maioria
das vezes, o jovem age por impulso e, em quase todos os casos, as principais
causas são o medo de punição dos pais face ao mau rendimento escolar ou dos
castigos impostos pelos colégios.
O
ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
A descoberta e os estudos sobre o
estresse pós-traumático datam do final da Guerra do Vietnã, quando médicos
especialistas identificaram a síndrome nos soldados veteranos da guerra. Esta doença
ocorre com quadros agudos de angústia, graves e até mesmo invalidantes, sempre
quando a ex-vítima é exposta a situações similares àquelas traumatizantes a que
foi submetida no passado. Isso torna a desencadear todos os sintomas ansiosos severos
que o organismo sofreu no período estressante. São os chamados “flash-backs”. Hoje
percebemos o estresse pós-traumático no dia-a-dia; por exemplo, nas pessoas que
vivem quadros de desespero permanente frente ao crescimento da violência
urbana, com assaltos e assassinatos.
ESTRESSE: ALTA TENSÃO
O estresse ganha espaço na sociedade atual, atingindo um número cada
vez maior de pessoas.
A doença do terceiro milênio é
hoje um sério problema econômico e social no munto todo. Já foi, num passado
distante, aquilo que nunca deveria ter deixado de ser: apenas um processo
fisiológico natural do organismo humano, que o ajusta a situações inesperadas,
permitindo a absorção e adaptação normal do corpo a um impacto externo. Mas perto
do século 21, a relação entre o homem e o meio onde ele vive vem se tornando
cada vez mais difícil, atrapalhando esta adaptação que, na maioria das vezes,
agora foge da normalidade, causando distúrbios transitórios ou doenças graves
numa parcela gigantesca da população mundial. Estamos falando do estresse ou do
“resultado da criação de uma civilização que o próprio criador, no caso o
homem, já não consegue mais suportar”, como propôs o fisiologista Hans Selye,
autor da conceituação moderna do estresse.
Ele atinge cerca de 60% dos
executivos e seu aumento anual chega a 1%; atinge pessoas jovens – inclusive crianças
(veja no quadro) – em idade produtiva e geralmente ocupando cargos de
responsabilidade; é ainda mais significativo em países jovens como o Brasil,
porque invalida pessoas necessárias ao seu desenvolvimento. O estresse é um
matador silencioso. Direto no coração, ele pode causar ou agravar as doenças
coronárias: “uma ativação do sistema nervoso autônomo numa pessoa já com
problemas endoteliais coronários ou alteroscleróticos pode promover isquemia,
trombose, ruptura de placa ou arritmias letais pela alteração da transmissão
neuronal ao coração”, diz o Dr. Vladimir Bernik, médico psiquiatra e
ex-professor regente de psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas de Santos
(SP). No campo clínico, ele chama atenção para os distúrbios ditos
neurovegetativos, como as tensões musculares com cãibras, cefaléias, tremores, hipertensão
arterial e as dores urinárias sem sinais de infecção, que também são conseqüências
comuns do quadro de estresse. Afora outros detalhes que o laboratório clínico
fornece, como a hemoconcentração e o aumento plaquetário, a alteração do
cortisol e de hormônios hipofisários e sexuais e o aumento da glicemia e do
colesterol LDL, ou o colesterol ruim. “E
o pior de tudo isso é que não há nenhum plano social para estancar este mal”-
continua Bernik – “a competitividade, o acúmulo de funções e a cobrança por
resultados mais rápidos e eficientes só tendem a ascender, englobando grupos
antes poupados como as crianças e as mulheres”.
Os gastos relacionados direta ou
indiretamente com o estresse também crescem na mesma proporção. No Brasil ainda
não há estatísticas, mas só nos Estados Unidos eles somam cerca de 300 bilhões
de dólares anuais, o que significa 900 dólares pó pessoa que trabalha. Estima-se
que 75% de todo o tempo perdido por afastamento no trabalho deve-se a doenças
ou acidentes relacionados com o estresse; e em média 15 bilhões de dólares são gastos
anualmente só com as faltas, hospitalizações e com a morte prematura dos
executivos norte-americanos.
SINTOMAS
PSÍQUICOS
Se no corpo e no bolso os efeitos
do ACTH (hormônio do estresse) respingam impedosamente, na cabeça a coisa não é
diferente. O Dr. Bernik explica que o estresse é hoje a causa desencadeante da
maior parte das moléstias psiquiátricas, como a depressão, a ansiedade, as
dependências químicas e as alterações de impulso. “Para se ter uma idéia 25% da
população mundial sofre de ansiedade e 20% de depressão”, exemplifica ele. Tudo
resultado da somatória entre a predisposição genética e os fatores estressantes
da vida do paciente, principalmente aqueles referentes a mais ou menos um ano
antes da eclosão da doença.
Dentro da chave da ansiedade estão
o pânico, as fobias, os distúrbios obsessivos compulsivos (TOC) e o estresse
pós-traumático, sistematizado dentro das classificações das doenças mentais
depois da Guerra do Vietnã. A depressão, por sua vez, tem inúmeros sintomas
característicos, como a fadiga, os sentimentos de culpa e de inutilidade, a
perda de apetite e a insônia; e quem como demais, compra demais, bebe demais ou
faz sexo demais pode estar sofrendo alterações de impulso, ocasionadas pela
queda da serotonina no organismo.
Diagnosticar o risco de estresse
e perceber estes problemas a tempo tem sido o mais difícil. “O estresse ainda não
está bem posicionado no conceito dos médicos”- diz Bernik – “ainda existe muita
fantasia ao redor desta palavra”. Na maioria das vezes, o médico trata das
doenças conseqüentes do estresse, não chega a tempo de evitá-las. “É lógico que
um médico consciente tem meios para intervir no modo de vida do paciente e para
estabelecer uma conduta de prevenção, que é o ideal”, diz Bernik. Para ajudar o
médico, principalmente na anamnese psiquiátrica – fundamental assim como o
histórico clinico – já existem em média 19 testes com cerca de 1500 perguntas
que medem, obedecendo escalas já padronizadas, a agressividade do paciente e
analisam seu relacionamento interpessoal e profissional, além das eventuais
situações estressantes no ambiente familiar. Mas nada substitui o trabalho
multidisciplinar, que envolve o diagnóstico e o tratamento do estresse, com
médicos de diversas especialidades, psiquiátricas, psicólogos e pediatras, no caso
das crianças.
Texto publicado na revista Skopia
Médica, ano 15 – no. 4, 1998, p. 14 a 16.
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