quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Adolescente: um sujeito em reedição

Introdução:

Como já visto em outros momentos, Freud não se refere à adolescência senão em um ou dois momentos de toda sua vasta obra, nos remetendo aos casos Dora e à Jovem Homossexual.

Tratando-se de um estudo psicanalítico, qualquer trabalho ganha consistência quando inserida no contexto clínico, e nesse sentido, estarei abordando um caso, cujo processo me remeteu à questão da reedição edípica. A idéia da adolescência como operação psíquica nos encaminha em direção a uma estrutura em que houve inscrição do Nome-do-Pai, a qual será reorganizada, mas então, de que reedição estaremos falando?

Neste trabalho tomarei a adolescência no viés da crise, onde o sujeito, enveredado pela promessa da realização da relação sexual se depara com a verdade que neste momento se revela como impossível. É na adolescência que ocorrerá a separação do pai enquanto fundador único da lei e entra em ação aí uma operação de subjetivação, lançando o sujeito ao laço social e possibilitando uma nova posição na mesma estrutura psíquica, mas é o laço fraterno que se apresenta como o instrumento operador no processo da reedição da estrutura edípica..
Caso:
R é um adolescente de 12 anos que vem encaminhando pela psiquiatria, com diagnóstico de depressão. Apresenta-se rebelde, intolerante e impaciente. Queixa-se da escola onde estuda: “Aquilo lá não é vida!”, e fala sobre desejo de auto-extermínio. Se auto-denomina “barraqueiro” e discorre sobre o pai que é abertamente contra homossexuais e que, quando R era criança, jogou o carro sobre um travesti para impressionar o menino. Desde então, o garoto assumiu um comportamento afeminado, com aparência acentuada pelo corte de cabelo, pele muito rosada e formas delicadas. R diz que se comporta assim para desagradar o pai. Os dois vivem em franco conflito e a mãe posiciona-se como intermediadora da relação. R sente-se atraído por meninas, mas não quer repetir a relação do pai com a mãe, por isso, pretende não casar e não ter filhos, valorizando o grupo de amigos. Tem um apego demasiado à avó já falecida e traz sonhos onde a perda da mesma se repete, causando-lhe angústia. Na relação terapêutica procura repetir a relação com a mãe, pedindo conselhos, e a agressividade contra o pai, faltando às sessões para que ele pague por algo que não usou.


Desenvolvimento teórico:

O adolescente escolhe atravessar ou não a adolescência. Ë nesse sentido que a psicanálise determina que  a única forma de concebermos o sujeito como responsável é quando  lhe atribuirmos a responsabilidade pela escolha de seu pathos, sua patologia. O sujeito faz essa escolha subjetiva sem se dar conta de suas conseqüências, se iludindo que não terá conseqüëncia nenhuma. Paga-se um preço, seja na entrada, na travessia ou na saída.

A entrada, é pela via régia da puberdade. Mudanças corporais, emergência da genitalidade, momento do despertar da pulsão pelo real biológico ou, em suas palavras, a puberdade é a época em que prevalece o primado das zonas genitais.

A Psicanálise referencia a adolescência a partir da sexualidade que, como propõe Freud, deve ser pensada em dois tempos não cronológicos, mas lógicos. Num primeiro tempo, que Freud chamou de pré-genital,  há a prevalência da corrente terna e se apoia na relação com os pais. No segunto tempo, aquele conectado à maturação da puberdade e aos aparelhos do gozo, em que há a prevalência da corrente sensual. Há na adolescência uma disjunção entre o terno e o sensual e o adolescente se depara com  o encontro com o real existente à referência fálica e com a impossibilidade da relação sexual, advindo daí o que chamamos de sexualidade traumática. Segundo a Psicanálise, a sexualidade é sempre traumática e todo sujeito terá de se haver com ela.

No momento da maturação genital – da puberdade, há uma retomada, pelo sujeito da sexualidade infantil, mas esse encontro ou reencontro sexual, esse a posteriori, não se dá sem percalços, sem traumas. Com a chegada da puberdade introduzem-se as mudanças que levam a vida sexual infantil a sua configuração normal definitiva. Até esse momento, a pulsão sexual era predominantemente auto-erótica; agora, encontra o objeto sexual. Até ali, ela atuava partindo de pulsões e zonas erógenas distintas que, independendo umas das outras, buscavam um certo tipo de prazer como alvo sexual exclusivo. Agora, porém, surge um novo alvo sexual para cuja consecução todas as pulsões parciais se conjugam, enquanto as zonas erógenas subordinam-se ao primado da zona genital. (...). A normalidade da vida sexual só é assegurada pela exata convergência das duas correntes dirigidas ao objeto sexual e à meta sexual: a de ternura e a sensual. A primeira destas comporta em si o que resta da primitiva eflorescência infantil da sexualidade. É como a travessia de um túnel perfurado desde ambas as extremidades”. (FREUD, 1905/1969).

Ressaltando a tensão vivida pelo sujeito, FREUD nos lembra que:
“O novo alvo sexual do homem consiste na descarga dos produtos sexuais; o anterior — a obtenção do prazer — de modo algum lhe é estranho, mas antes, o mais alto grau de prazer se vincula a esse ato último do processo sexual. A pulsão sexual coloca-se agora a serviço da função reprodutora; torna-se altruísta, por assim dizer. Para que essa transformação tenha êxito, é preciso contar, em seu processo, com as disposições originárias e com todas as particularidades das pulsões”. (FREUD, 1905/1969). Esse momento da maturação, ou essa puberdade como maturação, foram vistas por FREUD como um momento em que há uma reativação do Édipo e uma reativação ainda mais significativa, pois se trata daquela do objeto enquanto interditado. Assim, segundo COTTET: “O desejo sexual reativa uma interdição, o que põe em evidência a impossível harmonia entre pulsão sexual e a corrente terna sobre o mesmo objeto”. (Sendo o momento da) “puberdade (...) efetivamente uma recapitulação de todas as antigas pulsões sobre um objeto novo (...). Pois, se a sexualidade pré-genital é o arsenal do qual a fantasia do adolescente se serve para um mise au point da relação sexual, ele só pode fazê-lo ao preço de uma reativação do antigo protótipo.”. (COTTET, 1996).

Em particular, e quando se trata de indivíduos saudáveis, cada um deles viveu a fundo, antes do período de latência, a experiência do Complexo de Édipo, isto é, das duas posições principais na relação triangular com ambos os progenitores (ou seus substitutos ) e também já existem formas organizadas de evitar a ansiedade ou de aceitar e tolerar os conflitos inerentes a essas circunstâncias essencialmente complexas. Ocorre também, como consequência das experiências da infância, determinadas características e tendências pessoais herdadas e adquiridas, fixações a tipos pré-genitais de experiência instintiva, resíduos de dependência e crueldade infantís e, além disso, todo o tipo de padrões patológicos vinculados com falhas de maturação nos níveis edípico e pré-edípico. Assim, o rapaz ou a moça, chegam a puberdade com todos os seus padrões pré-determinados, que correspondem a experiências da infância; e é muito o que permanece inconsciente e muito o que se desconhece porque ainda não foi experimentado".

Se as fantasias podem trazer para o sujeito marcas de antigos investimentos libidinais incestuosos, como nos lembra FREUD (1905/1969), elas também, paradoxalmente, podem servir-lhe de apoio para se defrontar com situações novas, mesmo que elas se apresentem na forma de devaneios imaginativos. As fantasias podem facultar aos sujeitos as condições para sua separação. Ou melhor, proporcionar-lhes meios para melhor equacionar essa difícil questão da alienação e da separação.
Lembremos que é na puberdade quando surge para os jovens um momento de indeterminação diante das escolhas amorosas. Momento da confirmação ou não das escolhas de objeto que haviam sido feitas prematuramente na primeira infância, mas que aqui haverão de ser confirmadas.

É a  economia do desejo, sob a influência da função fálica que determinará as diferentes estruturas. A relação edipiana é o centro da questão como lembrou Freud, mas acrescida da forma como o sujeito negocia sua relação com o falo, ou como diz Lacan, sua adesão à conjugação do desejo do desejo e do falo. De uma relação com o objeto impossível do desejo, passa-se a um novo jogo do ser ou ter, ou seja, o momento em que leva o sujeito de uma posição em que está identificado com o falo da mãe a uma outra posição em que renuncia a esta identificação, aceitando a castração simbólica. Da identificação com o suposto não tê-lo, passa ao suposto tê-lo. Esta operação se da no processo de simbolização, designado por Lacan da metáfora Nome-do-Pai.

 Dois fantasmas reaparecem na adolescência: nos rapazes, o temor de que seu pênis seja pequeno e, portanto, insuficiente; nas moças, simétrico nos motivos, complementar na forma, o temor da violentação. Através desse temor da desproporção que está subjacente a ambos, não são os fantasmas da antiga relação entre a criança e os adultos que reaparecem? Meninos podem ter inveja do pênis (do pai); meninas, temor, não da castração mas da violentação (pelo pai). Hoje, com o retorno das doenças venéreas, particularmente da AIDS, com o avanço dos novos métodos de anticoncepção e com o fim da Guerra Fria, novas questões se colocam despertando as ansiedades e fantasias dos adolescentes, dos seus pais e da sociedade. A velocidade das comunicações, a banalização da violência, a introdução do ciberespaço, do espaço virtual, da era das imagens, da fragmentação, da crítica a muitos dos paradigmas da modernidade, entre muitos outros aspectos, configurados sob a denominação, controversa , de condição pós-moderna ( " A lógica cultural do capitalismo tardio ", Jamelson ) estão a propor novas formas de pensar e de conduta. Desejo colocar a implicação de que, durante a adolescência, onde os sucessos e fracassos do bebê e da criança retornam para acomodar-se, alguns dos problemas mais atuais são próprios dos elementos positivos da educação moderna e das atitudes modernas em relação aos direitos do indivíduo.

 Laplanche, com sua teoria da sedução generalizada , colocou em evidência o papel necessariamente sedutor do adulto frente à criança. E, com sua teoria tradutiva do recalque , mostrou que a criança tenta traduzir as mensagens enigmáticas que lhe vêm do mundo adulto. Os restos não traduzidos vão constituir-se, precisamente, no recalcado.

As questões edípicas da adolescência , na ausência dos " laços de sangue ", incrementam fantasias incestuosas no grupo familiar e não apenas no jovem: é uma característica do Édipo Adolescente a reedição do Édipo da Infância, com a peculiaridade de que agora o incesto é possível . Necessitamos ter presente , também, seguindo C. Lévi-Strauss, que a cultura se instala a partir da interdição do incesto, propiciada pelos " laços elementares de parentesco " ( Lévi-Strauss, 1949).

Segundo Freud, a barreira do incesto, a interdição e a fantasia da castração são exigências para formação de toda sociedade humana, pois são, em suma,  uma única lei e que serve como base para todas as proibições. A barreira do incesto é o que possibilita a construção da linguagem permeando nossas relações e o conseqüente impedimento da promiscuidade. São condições para o amadurecimento e o desenvolvimento da pessoa humana. É imprecindível para o jovem se haver com suas limitações, para que possa superá-las criativamente, fazendo-se sujeito inserido na sociedade.
A  adolescência é o trabalho de elaboração da falta no Outro. Só há adolescência se de alguma forma o sujeito possa enfrentar essa falta. Em realidade, toda experiência traumática implica no encontro angustiante com a ausência da lei da castração. A descrição das estruturas clínicas por Lacan mostrou como a posição do sujeito frente à castração determina sua báscula entre sua estrutura psicopatológica e sua possibilidade de constituição como sujeito.
 
A metáfora paterna pode ser considerada a escrita lacaniana do complexo de Édipo e da castração. Ação simbólica, fundante de uma estrutura pela introdução do elemento de falta no universal, cujo efeito é inscrever o sujeito na lei e na filiação, marcado pela culpa, pela dívida e pelo desejo. Sujeito dividido nesta estrutura significante que sempre produz perda.

A saída da adolescência implica em escolhas cujo preço para o sujeito é pagar pelo desligamento dos pais, assumir o novo corpo que se apresenta, se haver com a sexualidade e com as próprias limitações do sujeito. Assim, não é possível pensar a adolescência sem referir-se à castração, aos lutos e às perdas, porque a adolescência em sí é a tentativa de elaborá-las de alguma forma.

 ------------
Texto apresentado em Jornada de Cartéis no Grep - Grupo de Estudos Psicanalíticos, em 2002.


Nenhum comentário:

Postar um comentário