sábado, 11 de dezembro de 2010

A compulsão no acolhimento de usuários de álcool e outras drogas

Este artigo, escrito por Adelina Vieira Torres faz parte de capítulo do livro Álcool e Outras Drogas: Escolhas, impasses e saídas possíveis, com Oscar Cirino e Regina Medeiros como organizadores, e editado pela Autêntica, Belo Horizonte, 2006, p.49 a 51.
Trata de reflexão sobre atendimento de usuários no CMT (Centro Mineiro de Toxicomania), no que concerne à "urgência" do acolhimento.
Boa leitura!
A compulsão no acolhimento de usuários de álcool e outras drogas
Adelina Vieira Torres*

Este artigo pretende fazer uma reflexão sobre o acolhimento dos usuários do CMT (Centro Mineiro de Toxicomania) e sobre o encontro a “urgência médica” com a “urgência objetiva” nesse momento.
O termo acolhimento é utilizado nos vários serviços públicos de saúde mental de Belo Horizonte, inclusive onde se atende os toxicômanos.
Acolher é receber sem julgamento, buscando delimitar, em cada situação e com cada usuário, o que é possível, o que é necessário, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento. Acolher tem, portanto, o sentido de ‘inclinar-se’(klinikós), de receber o paciente com sua história, buscando produzir um desvio (clinamen) para produzir outra história, outra possibilidade de existência” (BENEVIDES, 2001, citado pelo MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
O acolhimento é uma estratégia para facilitar a abordagem, uma tentativa de motivação e de aderência em que qualquer proposta de cuidados é fundamental. No caso das toxicomanias, esse dispositivo deve levar em conta a posição do sujeito, uma vez que a ambivalência, a flutuação motivacional e o imediatismo fazem parte da apresentação costumeira.
A idéia é acolher, em qualquer momento do dia, enquanto o serviço estiver aberto, todos aqueles que chegam à porta pedindo ajuda para o sofrimento causado, especialmente pelo abuso de álcool e outras drogas. A maior dificuldade do acolhimento nessa clínica específica é criar laços entre o paciente e seu tratamento. A complexidade da toxicomania faz com que se articuem vários fatores em sua apresentação: urgência médica, urgência subjetiva, conflitos com a familia, com a polícia, com a lei. Além disso, a espera de uma vaga para tratamento é, muitas vezes, o motivo da desistência.
Sabe-se que a dependência das drogas é um transtorno em que predomina a heterogeneidade, já que afeta as pessoas de diferentes maneiras por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. Muitos consumidores de drogas não compartilham da expectativa e do desejo de abstinência dos profissionais de saúde e abandonam os serviços. Outros sequer procuram tais serviços, pois não se sentem acolhidos em suas diferenças. Assim, o nível de adesão ao tratamento ou a práticas preventivas e de promoção é baixo, por isso não contribuindo para a inserção social e familiar.
Os usuários de álcool e outras drogas têm como característica básica a compulsão, e essa compulsão é percebida também na busca de tratamento. Quando o sujeito busca fazer um corte no abuso das drogas, ele manifesta a necessidade de ser atendido imediatamente. Nesse sentido, para facilitar a adesão ao tratamento, o período de tempo entre a decisão de procurar ajuda e o acolhimento a essa demanda deve ser reduzida ao máximo.
Em geral, os usuários do CMT (Centro Mineiro de Toxicomania) chegam ao acolhimento apresentando tanto uma “urgência médica” quanto uma “urgência subjetiva”, ambas diferentes entre si. A “urgência médica” é concebida a partir de um corpo que sofre e não suporta mais o abuso do álcool e outras drogas. Nesse caso trata-se da dimensão do necessário, ou seja, de uma intervenção imediata no sofrimento corporal, não considerando, nesse momento, a questão do tempo que possibilitaria uma escolha pelo tratamento. Já a “urgência subjetiva” está associada à dimensão do tempo possível à elaboração simbólica em que as causas da toxicomania podem ser subjetivadas.
A compulsão, presente na maioria dos dependentes de drogas, aponta para o atendimento imediato na tentativa de dar uma resposta imediata. É preciso refletir como trabalhar com esse tempo entre o chamado e a resposta; como entrar uma resposta para cada um daqueles que chegam e como tornar possível a elaboração de uma demanda de tratamento.
Alguns usuários chegam apresentando apenas “urgência médica”, outros apresentam “urgência médica e subjetiva”. Sabe-se que a “urgência médica” não é suficiente para engajar o sujeito no tratamento. Nesses casos, surge uma questão: como escapar do tempo do relógio, do campo da necessidade obturante, para abrir espaço ao desejo e se situar no tempo do inconsciente?
A compulsão presente nesses casos é uma das causas de fracasso, e o que é colocado frequentemente em pauta, diz respeito a como introduzir o tempo nessa compulsão, pois sabe-se que um corte seria de fundamental importância para a demanda de tratamento.
A nomeação que se escuta frequentemente no acolhimento é: “sou toxicômano”, “sou alcoólico”. Trata-se de um significante fixo, colado; não há o deslizamento nem deslocamento. O sujeito não surge, e o que se nota e o que se vê é o gozo que aparece como excesso escapando à trama simbólica.
As respostas que se tenta dar a esse excesso de gozo, na tentativa de contê-lo e/ou produzir a troca do gozo pelo significante são: leito-crise, quando existe uma urgência médica; permanência-dia, quando existe a necessidade de um espaço onde são oferecidas oficinas de arte, de palabra, etc., com a possibilidade de transformar o gozo em criação; atendimentos em psicoterapia, individual ou grupal, quando a escuta da urgência psíquica é pertinente. São várias as estratégias propostas visando a possibilidade de introduzir um corte e fazer emergir uma demanda de tratamento.
Porém, existem alguns pacientes que retornam com frequência ao acolhimento porque não deram continuidade ao tratamento inicialmente proposto. Configura-se, assim, a repetição de um gozo desde a primeira entrada no serviço. Desse modo, forma-se um círculo vicioso: acolhimento, inicio de tratamento, abandono, retorno ao acolhimento. Nesses casos, percebe-se que a função da instituição é apenas de dar um alívio, contendo o gozo temporariamente. Portanto, a própria instituição pode acabar participando dessa repetição, contribuindo para fazer da toxicomania uma monotonia.
Esse processe se torna angustiante para os profissionais que atuam nessa clínica, pois muitas vezes ficam impossibilitados de intervir sobre o gozo, e isso reduz sua prática clínica ao acolhimento da compulsão e da contenção do gozo.
*Adelina Vieria Torres: psiquiatra e psicanalista. Residência de psiquiatria na França. E-mail: adelina.@terra.com.br
Referências:
BIALER, M. et. Al. La urgencia, el psicoanalista en la práctica hospitalaria – Grupo de Investigación y Assistencia sobre la Urgencia; Buenos Aires, Ricardo Vergara Ediciones, sd.
BRASIL MINISTERIO DA SAÚDE: A Política do Ministério da Saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. 2ª.ed. Ver. E ampl. Brasília, 2004.




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