quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Consumismo criou arsenal de drogas*

Por: José Antônio Baeta Zille e Eliana Olimpio

A cada pesquisa realizada constata-se o aumento do número de usuários de drogas em todo o mundo e em todas as camadas sociais e faixas etárias. Equivoca-se quem pensa que a droga é exclusiva de adolescentes marginais e de população de periferia e carente. Não adianta negar o fato de que a droga está fazendo parte de nossas vidas. Ela está muitas vezes às nossas portas, ou, até mesmo, já dentro de nossas casas. A situação é cada vez mais preocupante, principalmente em relação aos adolescentes.

A adolescência é uma fase peculiar da vida do ser humano, marcada por conflitos e transformações corporais, psíquicas e sociais. Na adolescência o mundo passa a ser percebido sob nova perspectiva.
O jovem, que não é mais criança, se vê frente a um grande número de oportunidade de explorar, experimentar e fazer o próprio julgamento. Essa etapa está diretamente ligada à construção da identidade do individuo, e nela são estabelecidos novos valores e uma nova imagem do Eu, associados à busca da autonomia e de uma vida produtiva.

Nesse processo, o jovem busca nas gerações anteriores os modelos de uma idéia convincente da imagem do mundo e que lhe sirvam de referenciais na construção da sua personalidade. Os conflitos surgem e, muitas vezes, quando esses modelos que lhe são apresentados, não o convence. É nesse momento que a posição ideológica do meio se torna essencial para a estruturação sólida de padrões que garantirão a formação e a consolidação da sua identidade.

Entretanto, deve-se levar em consideração que o adolescente de hoje encontra-se inserido em um mundo em processo de mudanças rápidas e contínuas que vão do tecnológico e da informação até os valores morais, éticos, econômicos, políticos, sociais e ecológicos. Essas mudanças levam-no a uma grande instabilidade e insegurança. Aliado a isso, são vistas as conseqüências da urbanização não planejada que gera problemas de moradia, saneamento básico, transporte, segurança, trabalho e lazer, facilitando a banalização da violência e da sexualidade. Somam-se, ainda, os efeitos da globalização que produz massificação de valores e constumes alheios a seu meio, com conseqüências no convívio familiar e social.

Estes aspectos, que chamaremos de crise contemporânea são agravados pelo consumismo desenfreado, imposto pela sociedade capitalista, que prioriza o Ter em detrimento do Ser, dando-lhe um novo significado. Hoje o Ter tomou a dimensão do Ser. Ser significa Ter e nesse universo a estética subjuga a ética; a infidelidade e promiscuidade são partes naturais de um jogo no relacionamento amoroso e é explícita na supremacia do descartável frente ao durável; do artificial frente ao natural; ao novo frente ao velho.

Consumir é incorporar pela boca. É um prazer oral, canibal. Será que consumimos apenas o que necessitamos para uma vida confortável e satisfatória ou o que a mídia nos incita deliberadamente a fim de aguçar o nosso desejo? Temos fome de comida ou de um hambúrguer de marca? Temos sede de líquido ou de uma bebida ‘energizada’? podemos lidar com algumas frustrações ou nossa vida tem que ser recheada de experiências mirabolantes?

O consumismo é uma grande boca a ser satisfeita e, nesse sentido, podemos dizer que qualquer produto que promete saciar nosso desejo desenfreado de prazer, status, efeitos ‘especiais’e poder pode ser chamado de droga. Esse arsenal faz parte de um rol de valores que a sociedade cultiva e que a família, a escola, a política e a religião aprovam ou ignoram, através de ações e conceitos que disseminam.

Em meio a essa confusão geral, o que se pode esperar dos jovens, justamente quando estão constituindo os próprios valores, o comportamento, a forma de ser? No momento em que lhes faltam possibilidades de diálogo, comunicação e inter-relação na família e nos diferentes ambientes em que transitam, impedindo o compartilhamento do afeto e experiências múltiplas e, ainda, se não encontram modelos coerentes com a construção de sua identidade ou os encontram tão frágeis que mal se sustentam? É compreensível que eles busquem a saciedade das suas faltas, dos seus desejos e do seu prazer em algo que pareça responder a tudo isso.

O adolescente encontra na droga esse instrumento fugaz de satisfação. Fugaz e ao mesmo tempo tão prazeroso que ele quer mais e mais e também lhe abre a possibilidade de suprir suas faltas e de consumir de novo, de novo e de novo...

Devemos ressaltar ainda que qualquer atitude relacionada às drogas demanda, antes de tudo, uma conscientização de toda a sociedade em relação à situação do mundo contemporâneo, às regras ‘fautianas’ do capital, aos interesses escusos do narcotráfico, às crises de valores e, ainda, em relação às nossas atitudes e aos nossos posicionamentos éticos e morais.

(*) Texto publicado no jornal da Fuliban, agosto/2003
Por Eliana Olimpio e José Antônio Baeta Zille.
José Antônio Baeta Zille  é Engenheiro,  mestre em Educação e é doutorando em Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Atualmente é professor de ensino superior e pós-graduação da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tecnologia Educacional. Atua principalmente nos seguintes temas: informática e educação, adolescência, construção de identidade, linguagem e comunicação, ensino de música, música barroca.

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