domingo, 7 de novembro de 2010

O uso indevido de substâncias: esteróides anabolizantes e energéticos*

Pesquisas nos Estados Unidos, quantificando o uso indevido de esteróides anabilizantes, mostram os seguintes resultados: idade de início de consumo entre 15 e 18 anos em estudantes de ensino médio; a incidência é maior no sexo masculino; 2,5% dos estudantes pesquisados relataram ter usado esteróides anabolizantes nos últimos 30 dias; a maioria dos usuários são esportistas e a principal razão do uso entre esportistas visa a melhorar o desempenho e entre não esportistas a aparência.
Nos Estados Unidos, em 1994, mais de um milhão de jovens já tinham feito uso de esteróides anabolizantes e nos preocupa saber que o motivo do uso tem causa social destacando-se os efeitos benéficos do produto sem preocupação com os graves danos à saúde. No Brasil, apesar do problema estar se agravando, não localizamos estuos sobre incidência e prevalência do uso ilícito de esteróides anabolizantes. Entretanto, podemos afirmar que o usuário ou consumidor preferencial se encontra na faixa etária dos 18 a 34 anos de idade e em geral é do sexo masculino.
A tentação de ganhar músculos rapidamente leva cada vez mais jovens ao abuso dos esteróides sem orientação médica. Os efeitos colaterais, porém, podem ser devastadores. Depois das chamadas drogas ilícitas (maconha, cocaina, crack e tantas outras) e das lícitas (fumo, álcool, anorexígeros, sedativos) uma nova droga começa a preocupar autoridades e profissionais da saúde em todo o mundo: os esteróides anabolizantes. A mídia internacional sempre veicula escândalos envolvendo atletas, treinadores e esportistas em virtude do uso indevido de esteróides anabolizantes.
No Brasil, a preocupação não é tanta com os atletas, mas com aquele jovem adolescente, que no seu imediatismo, quer ganhar massa e músculos rapidamente, um corpo atlético a curto prazo, entregando-se aos anabolizantes, muitas vezes receitados por instrutores e professores de educação física, sem nenhum conhecimento da área que indicam e vendem essas drogas que podem ser compradas em fármácias, sem exigencia de receita médica, apesar da tarja vermelha “venda sob prescrição médica”.
Na linguagem dos jovens “bombar”significa ficar mais atraente para as garotas e mais forte e poderoso frente ao grupo de amigos/inimigos.
Pode ser constatado em várias academias da cidade o fato acima afirmado. Comentários tais como “bolo sem fermento não cresce” são escutados pelo jovem. O uso inicial dá um resultado que impressiona o jovem e ele, escutando elogios se deixa levar: “Quanto mais me diziam que eu estava bonito, mais eu queria crescer a todo custo e continuava a tomar o soro de cadáver” (soro de cadáver é o nome dado pelos usuários já que além do esteróide é usado também hormônio de crescimento que, antes, era extraído da hipófise de pessoas mortas).
Nos Estados Unidos, os médicos e pais já estao em alerta: há uma quantidade enorme de crianças de 10 anos usando esteróides anabolizantes para ficarem fortes, comprados no mercado negro já que desde 1990 são “medicamentos controlados”.  Uma pesquisa da Universidade de Massachusetts constatou que 38% das crianças de Boston estão usando esteróides.  “O resultado será uma geração inteira de sujietos robustos, nanicos e troncudos, incapazes de jogar vôlei ou basquete, embora aptos para o ultimate flighting”.  Tinha de acontecer, não é? As crianças passam o dia vendo na televisão aqueles comerciais de atletas, nos quais a imagem passeia minuciosamente pelos feixes de músculos em câmara lenta. Nesses comerciais, o atleta faz cestas impossíveis, dá saltos de um edifício ao outro e, quando chuta uma bola, o chute soa como uma explosão. explosão.  Pode  ser  um  comercial  de  tênis,  de  vitamina  ou  até  de xarope, tanto faz: a constante são os músculos, os braços e pernas que parecem troncos de aço. Nesses tempos excessivamente atléticos, vivemos todos na era da estética; não há jovem que não queira ficar daquele jeito, principalmente aquela “pessoa pequena que é infeliz em ser pequena”. Se aspirassem a isso apenas com alimentação controlada, adequada e sadia e ginástica, tudo bem.
Acontece que, agora, elas ouviram falar dos esteróides. Algumas causas apontadas para uso de esteróides anabolizantes incluem insatisfação com a aparência física e baixa auto-estima. A pressão social, o culto pelo corpo que a nossa sociedade tanto valoriza, a falsa aparência  saudável e a perspectiva de se tornar símbolo sexual constituem motivos para o uso/abuso destas drogas. Uma boa  aparência  física  leva  à  aceitação  pelo  grupo,  à  admiração  de todos e a novas oportunidades. Uma perseguição a estes itens faz com  que  o  jovem  caia  em  situações  de  risco  como  anorexia,  bulimia e o uso indevido de esteróides anabolizantes/energéticos.
Esteróides  são  uma  classe  de  componentes  que  todos  os  animais possuem. Classificamos os esteróides em androgênicos e corticóides; os usados indevidamente são, na maioria, esteróides androgênicos (esteróides que agem como testosterona). Os esteróides usados para tratamento de problemas inflamatórios são esteróides corticóides (prednisolona, cortisona, beclometasona, budesonide, dexametasona e vários outros) e não têm efeitos anabólicos. Os esteróides androgênicos, secretados pelos testículos, são  hormônios sexuais masculinos que incluem a testosterona,  a diidrotestosterona e a  androstenediona.  A  testosterona,  no  homem,  é  produzida  principalmente  nos  testículos  e  uma  pequena  quantidade  nas  glândulas adrenais. É proveniente do colesterol. A testosterona e seus metabólitos, como diidrotestosterona, agem em muitas partes do corpo, produzindo as características secundárias sexuais masculinas: calvície, pêlos no rosto e corpo, voz grossa, maior massa muscular, pele mais grossa e  maturidade dos genitais. Na puberdade, a testosterona produz acne, crescimento (comprimento e diâmetro) peniano e testicular,  fusão da epífise óssea, cessando o crescimento em altura. É efetivo na manutenção dos órgãos sexuais no adulto, exigindo uma pequena concentração para isso. A produção normal no homem adulto  é  de  cerca  de  4  a  9  mg  por  dia,  que  pode  ser  aumentada pelo estímulo do exercício pesado. As mulheres produzem somente 0,5 mg de testosterona/dia, daí a dificuldade em adquirir massa muscular. Os anabolizantes possuem vários usos clínicos, nos quais sua função  principal  é  a  reposição  da  testosterona  nos  casos  em  que, por  algum  motivo  patológico,  tenha  ocorrido  um  déficit.  Muitos  similares  da  testosterona  são  usados  em  tratamento  médico,  como nos casos de deficiência de testosterona, problemas testiculares, câncer  de  mama,  angioedema  hereditário,  anemia  aplástica,  endometriose grave e estímulo do crescimento em caso de puberdade masculina  tardia.    Além  desse  uso  médico,  eles  têm  a  propriedade  de aumentar os músculos e, por esse motivo, são muito procurados por atletas ou pessoas que querem melhorar o desempenho e a aparência  física.  O  uso  estético  não  é  médico,  portanto,  é  ilegal  e  ainda acarreta problemas à saúde.
Muitos outros similares foram desenvolvidos com efeitos mais anabólicos que a testosterona. Todos eles possuem, substancialmente, os mesmos efeitos da testosterona: retenção de sódio, potássio, água, cálcio, sulfato e fosfato, síntese de aumento muscular em resposta ao  exercício  e  possíveil  aumento  de  agressividade  e/ou  libido.  Eles agem  no  hipotálamo  e  na  pituitária  para  suprimir  a  produção  de GnRH, FSH e LH, causando uma diminuição na produção de testosterona natural nos testículos e também reduzindo ou cessando a produção de espermatozóides. Esse efeito não é sempre reversível, mesmo quando os andrógenos artificiais são suspensos. Cânceres da próstata são freqüentemente dependentes da testosterona (conseqüentemente, seu tratamento por castração) e eles podem progredir rapidamente na presença de alto nível de andrógenos. Uma porcentagem de testosterona é convertida em estrogênio e alguns andrógenos artificiais possuem também efeitos de estrogênios, causando aumento do tecido dos seios por debaixo dos mamilos (ginecomastia).
Isso  é  ocasionalmente  visto,  naturalmente,  em  garotos  púberes  e numa pequena porcentagem da população de homens adultos.
O  mecanismo  de  ação mecanismo  de  ação  dos  esteróides  anabolizantes  inclui  os efeitos: placebo, em nível psicológico; euforizante, diminuindo o cansaço; anticatabolizante, diminuindo a perda de massa muscular;  aumento da utilização e da síntese protéica.
Então  eles  são  seguros? Então  eles  são  seguros?  A  aprovação  e  uso  de  qualquer  droga é uma questão de decisão - se os benefícios terapêuticos de seu uso compensam  seus efeitos adversos. Em doses terapêuticas, esteróides causam poucos efeitos colaterais. O uso por razão estética ou frívola, sempre em doses elevadas, (uso abusivo), é que traz conseqüências graves.
Vamos citar alguns medicamentos esteróides  medicamentos esteróides de apresentação oral e injetável: esteróides nacionais: decanoato de nandrolona – um esteróide injetável com efeito de ganho de massa muscular e pequenos efeitos colaterais; derivados da testosterona tais como propionato, fenilpropionato, isocaproato e decanoato de testosterona (4 tipos de testosterona sintética) – muito bom para ganho de massa e força, mas muito carregado de efeitos colaterais; oxymetholona – esteróide oral que tem o maior poder de ganho de massa e força de todos os existentes no Brasil e exterior, mas, de longe, também o mais tóxico, podendo causar hepatites instantâneas, independentemente da dose; mesterolona – toxicidade mediana e pouco efeito em ganho de massa.
Esteróides importados: estazanol, oral e injetável – tóxico ao fígado;  emantato  de  metolona    pouco  efeito  em  ganho  de  massa, menos tóxico; oxandrolona – não tem muitos efeitos colaterais, sendo o preferido das mulheres. O seu efeito terapêutico é indicado para crianças com problemas de peso nos Estados Unidos, para aidéticos a fim de minimizar as perdas musculares causadas pela doença; trembolona    injetável,    muito  forte,  tóxica  e,  infelizmente,  muito  indicada  por  fisiculturistas  e  profissionais,  sendo  usada  por  iniciantes; éster da testosterona – causa bom aumento de massa muscular, mas com efeitos colaterais graves.
Efeitos colaterais Efeitos colaterais do uso abusivo de esteróides: tremores, acne grave, retenção de líquidos, dores nas juntas, aumento da pressão sangüínea,  alteração  do  metabolismo  do  colesterol    diminuindo  o HDL (a boa forma do colesterol) e aumentando o LDL com aumento do risco de doenças coronarianas, alterações nos testes de função  hepática,  icterícia  e  tumores  no  fígado,  policitemia,  exacerbação da apnéia do sono, estrias e maior tendência às lesões do aparelho  locomotor,  pois  as  articulações  não  estão  aptas  para  o  aumento de força muscular.  Além desses, aqueles que se injetam ainda correm  o  perigo  de  compartilhar  seringas  e  contaminar-se  com  o vírus da AIDS ou hepatite.
Outros  efeitos
No homem: diminuição ou atrofia do volume testicular, redução da contagem de espermatozóides, impotência, infertilidade, calvície, desenvolvimento de mamas, dificuldade ou dor para urinar, aumento da próstata e ginecomastia nem sempre reversível.
Na mulher: crescimento de pêlos com distribuição masculina, alterações  ou  ausência  de  ciclo  menstrual,  aumento  do  clitóris,  voz grossa e diminuição de seios (atrofia do tecido mamário).
No adolescente: maturação esquelética precoce com fechamento prematuro das epífises ósseas, baixa estatura e puberdade acelerada, levando a um crescimento raquítico.

O abuso de anabolizantes pode causar variação de humor, incluindo agressividade e raiva incontroláveis, levando a episódios violentos como suicídios e homicídios, principalmente conforme a freqüência e o volume usados. Usuários apresentam sintomas depressivos ao interromperem o uso e sintomas de síndrome de abstinência, o que pode contribuir para a dependência. Ainda podem experimentar um ciúme patológico, quadros maníacos e esquizofrenóides, extrema irritabilidade, ilusões, (podendo ter uma distorção de julgamento em relação a sentimentos de invencibilidade), distração, confusão mental e esquecimentos, além de alterações da libido e suas conseqüências.
Muitas  vezes,  o  uso  vem  acompanhado  de  outras  drogas  não-esteróides, como hormônio de crescimento, insulina, analgésicos fortes para dores musculares, diuréticos e medicamentos que evitam a ginecomastia.
Trabalhos mostram que há um consumo aumentado de outras drogas (álcool, tabaco, maconha, anfetaminas), principalmente em adolescentes. O abuso de álcool é o mais freqüente, seguido do uso do fumo e maconha. Em 1990, nos Estados Unidos, pensou-se na possibilidade da dependência física, pelas doses crescentes e pelo fato de os indivíduos nunca estarem satisfeitos com os músculos adquiridos.
Atletas, treinadores físicos e mesmo médicos relatam que os anabolizantes aumentam significativamente a massa muscular, força e resistência. Apesar dessas afirmações,  até  o  momento  não  existe ,  até  o  momento  não  existe nenhum  estudo  científico  que  comprove  que  essas  drogas  me- nenhum  estudo  científico  que  comprove  que  essas  drogas  melhoram  a  capacidade  cardiovascular,  agilidade,  destreza  ou lhoram  a  capacidade  cardiovascular,  agilidade,  destreza  ou desempenho  físico. desempenho  físico.
Devido a todos estes efeitos, o Comitê Olímpico Internacional colocou 20 esteróides anabolizantes e compostos relacionados a eles como drogas banidas, ficando o atleta que fizer uso deles sujeito a duras penas.
O que falar dos  suplementos suplementos tão consumidos e vendidos: aminoácidos, carboidratos, creatina, L-carnitina e outros?
Destacamos que os produtos à base de aminoácidos (menor unidade das proteínas)  Megamass e outros, não são  ergogênicos, só ajudando nos casos de dietas alimentares hipoprotéicas e inadequados, apesar da publicidade de aumentarem a massa muscular e o desempenho nas atividades físicas, o que não comprovam os especialistas. O excesso de aminoácidos pode levar à sobrecarga renal.
Quanto aos energéticos (carboidratos), apesar da promessa de evitar fadiga em pessoas que praticam atividade física de força prolongada, sabemos que o produto aumenta o nível de glicogênio evitando a queima de músculos quando o estoque de glicose acaba. Se consumido sem orientação, tem o efeito  de ganho de peso indesejável.  A  creatina  (combinação  de  aminoácidos)  mostra,  nas  propagandas,  que  melhora  a  resistência  durante  o  exercício  e  com  desempenho  melhor.  Entretanto,    divergências  entre  os  especialistas, apesar da maior parte acreditar, mediante alguns resultados de pesquisas, no efeito benéfico deste suplemento. Pode causar hipertensão arterial e câimbras. A dose recomendada por laboratórios é de  20  mg/dia,  enquanto  a  dose  segura  é  de  2  mg.  Quanto  à  L- Carnitina,  não    efeito  comprovado  no  desempenho  físico.  Alguns líquidos similares a refrigerantes contêm apenas mistura de açúcares simples e eletrólitos combinados e são vendidos como energéticos. Produtos à base de guaraná são excitantes que contêm cafeína.
O que está acontecendo com os adolescentes que insistem  em pular  da  infância  para  a  vida    adulta,  sem  passar  pela  adolescência? É verdade que nem sempre este período é vivido com tranqüilidade, mas é também uma etapa maravilhosa, em que um simples olhar ou um beijo acarreta uma emoção intensa, por mais que muitas namoradas esperem por esse menino quando adulto. Peter Pan era um garoto esperto, justamente porque não queria crescer e ficar adulto. Mas, com os esteróides, os jovens imprudentes de hoje querem ficar adultos sem crescer.
É importante que os profissionais da saúde que atendem os adolescentes estejam atentos ao fato e questionem durante a entrevista o uso destas substâncias. Pais, educadores e profissionais da saúde devem sempre questionar valores pré-concebidos de nossa sociedade, racionalizando o culto ao corpo e trabalhando o resgate da prudência,  bem  como  incentivar  as  outras  habilidades  positivas  internas que todos nós possuímos, principalmente os jovens, que as possuem e não têm consciência desta posse.
O núcleo científico do Comitê de Adolescência da SBP desencadeou  campanha  por  uma  circular  de  alerta  a  todos  os  setores  da Saúde, Educação e Esporte, encaminhando documento esclarecedor sobre os riscos do uso dos esteróides, principalmente a todas as academias  de  esportes  do  país  e  também  aos  políticos,  para  evitar  o uso indiscriminado de tais medicamentos.
Bibliografia 
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8.  Statuto  R.  Anabolizantes    o  preço  da  força.  Encarte  Saúde,  Revista Manchete,  nov.  1997.
* Paulo César Pinho Ribeiro -  Pediatra e clínico de adolescentes, Preceptor do Curso de Especialização em Adolescência da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Secretário
da Associação Brasileira de Adolescência, Referência Técnica em Adolescência da Secretaria Estadual da Saúde de Minas Gerais e Membro do Núcleo Científico
do Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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