segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Negros: uma questão que vai além do preconceito!

Por Adriana Caetano Olimpio*

Realizei este trabalho, apoiada em análises de pesquisadores, estudiosos e críticos sobre o preconceito no Brasil, os quais discutem o processo de discriminação e preconceito em suas variadas formas, retomado no governo Lula com a implantação do sistema de cotas para negros.
Foram utilizados os seguintes textos: “Sociedade, discriminação e educação” da autora Candau, (2003);  “Preto e branco: a importância da cor da pele” do autor Frenette, (2000)  e “Ações afirmativas: uma contribuição para o debate” do doutor Miguel Lopes.
Diante das colocações dos autores, procurei discorrer sobre os impasses, desafios e criticas citados que influenciam a trajetória do negro ao acesso a Universidade. Para uma melhor análise desses fenômenos, realizarei um dialogo entre os textos citados que fazem referência ao exercício do preconceito na sociedade brasileira.



Negros: uma questão que vai além do preconceito!

De acordo com Santos (1997), a escravidão  marcou o território, marcou os espíritos e marca ainda hoje as relações sociais no país.

            Em seu texto Sociedade, Discriminação e Educação, Candau, 2003,  afirma que “Na sociedade brasileira, exclusão, preconceito e discriminação caminham juntos”. E que estes fatores ao longo do tempo tem transformado diferença ‘racial’ em desigualdade. Sendo a desigualdade um dos fatores responsáveis pela atual situação dos negros e pardos deste país.
            A população negra e parda tem passado ao longo dos anos por vários tipos de preconceitos e discriminações – social, racial, etnia, classe, idade, e gênero – levando o exercício da discriminação a violência e a morte.
Através do exercício do preconceito é que uma determinada classe sobrepõe-se a outra, dominando-a, escravizando-a, tornando-a inferior, transformando seus membros em cidadãos de segunda classe. “O preconceito é, pois uma das armas mais potentes para o exercício da dominação, ...” (CANDAU, p.17, 2003).
“Os preconceitos são realidades historicamente construídas e dinâmicas; são reinventados e reinstalados no imaginário social continuamente. Os preconceitos atuam como filtros de nossa percepção, fortemente impregnados de emoções, colorindo nosso olhar, modulando o ouvir, modelando o tocar, fazendo com que tenhamos uma percepção simplificada e enviesada da realidade.” (CANDAU, p.17, 2003).
O preconceito não reconhece o racismo e, se o reconhece, o atribui aos outros e não o admite em si mesmo. O preconceito busca não problematizar as questões racistas com o intuito de não o estimular. O preconceito se instaura através de um silencio velado, que influencia a todos, inclusive as próprias vitimas da discriminação racial.
O preconceito no Brasil existe de forma velada, camuflada, dissimulada, encoberto, mostrando que se determinada classe não consegue se reerguer é porque seus membros não estão aptos, preparados, qualificados para uma possível ascensão econômico-social. Encobrem o fosso da exclusão social, da historicidade desse povo, da discriminação, da marginalização e prega uma falsa democracia racial.
O Brasil abriga em si o mito da democracia racial, cujo objetivo é manter o controle social. Este mito da democracia racial não reconhece as diferenças, elimina os estereótipos raciais e prega um racismo cordial, onde é possível o entrecruzamento entre as raças através da prática sexual. Um mito que na verdade, constitui-se como um disfarce do preconceito e que atua de forma bastante eficaz no controle social.
“Uma apologia da mestiçagem, possível a partir da construção da expressão democracia racial, configurou um ideário sobre as relações sociais e raciais mantidas entre os diferentes grupos presentes na sociedade brasileira. De acordo com esta leitura, o entrecruzamento de diferentes raças possibilitou a ascensão social do mestiço, no caso especialmente do mulato”. (CANDAU, p. 19, 2003). 
A democracia racial brasileira mantém, justifica e reforça as desigualdades sociais ao pretender mostrar que as três raças – branca, negra e indígena – são harmoniosas, não-preconceituosas. Esta ideologia tenta eliminar os conflitos existentes entre as ‘raças’ e assegurar para a classe dominante o seu continuo domínio, disfarçado, mascarado, com vergonha de ser preconceituosa.
Por outro lado, Frenette (2000) trata da estética como um dos fundamentos da construção da auto-estima do sujeito. É fato que a auto-estima tem como base a auto-imagem e que esta nos é dada pelas pessoas com as quais convivemos. FRENETTE, em seu artigo, remonta a origem dos Descobrimentos Marítimos para explicar o preconceito uma vez que o negro “Tornado peça fundamental de uma economia alicerçada no comércio e tráfico de escravos, foi vetada ao negro a possibilidade de ser considerado belo.”(p.59) Para tanto a Igreja reforçava este pensamento pregando que o negro não possuía alma, coisificando-o, enquanto a sociedade laica européia desmerecia a aparência, a cultura, crenças e manifestações artísticas do negro e vangloriava a elegância, beleza e superioridade da ‘raça’ branca para assim melhor dominá-los, domesticá-los.
Este preconceito atravessou o Atlântico e chegou ao Brasil em meados do século XVI, com a implantação da economia canavieira e do trabalho escravocrata.
A ‘raça’ negra tida como inferior, sem alma e feia foi transportada para várias partes do mundo e principalmente para o Brasil e, com “o aval da Igreja Católica foi condenada a chafurdar durante séculos nas senzalas (e agora nos morros das periferias),...” (p. 60).
Quando o Brasil foi descoberto e colonizado, o índio perdeu sua beleza, sua alma e sua bondade. Assim, aconteceu com o negro que foi trazido como mão de obra escrava, e que teria de perder também esses valores.
Tão logo aportaram no Brasil, depararam com a violência, não só física, mas principalmente subjetiva, que de forma hostil, ostensiva ou não, desvalorizou as características naturais negras, quais sejam, a cor da pele, a compleição dos traços físicos da boca, nariz, olhos, testa, nádegas, cabelos, degradando-os.
Este discurso de beleza é tão claro nos dias de hoje que para um cabelo ser considerado bom tem que ser liso, as traços do rosto bonito são os finos,  a pele quanto mais alva é sinônimo de descendência branca e de melhor poder econômico e posição social.
Este discurso tem nos afetado tanto que tentamos a todo custo nos parecermos com os brancos para assim sermos incluídos em um mundo que sempre nos deixou a margem do processo social, político, econômico e educacional, mas desde que não exijamos igualdade de tratamento e direitos.
No seu artigo, Uma nação submersa, Frenette (2002), aborda as explicações que são feitas pela sociedade brasileira para mascarar o racismo. O autor alega que “a sociedade brasileira está apenas retardando o reconhecimento de uma verdade inquestionável: a existência de muitos milhões de brasileiros brancos que detestam os negros, e que preferem ver um negro morto do que casado com algumas de suas filhas, ou fazendo parte, de qualquer outra maneira legitima, da brancura de suas famílias.”(p. 85).
O autor enumera seis pontos que são praticados por milhões de brasileiros de maneira sorrateiramente, dentre eles cita que “há milhões de brancos no Brasil que são racistas, e que gostam de ver um negro pelas costas”, “há outros milhões de brasileiros negros que sofrem o racismo dos milhões de brancos racistas”, “há milhões de não-racistas no Brasil, mas que nem por isso reconhecem ou se importam com a situação difícil dos negros brasileiros.” (p. 86-67).
No artigo Terra de um herói só, Frenette aborda a questão da representação histórica dos heróis negros, uma vez que a classe dominante os coloca de maneira distante, irreal e única não deixando na mentalidade do povo negro margem para lutar, para mudar, para o  reconhecimento de futuros e atuais heróis.
No Brasil o discurso inócuo de que todos são iguais perante a lei, fornece o pano de fundo para a contínua prática de arbitrariedades perante os negros.  “Somem-se a isso o baixo nível de escolaridade dos negros, suas péssimas condições de vida e um acordo tácito entre discriminador e discriminado, no qual o primeiro finge que não é racista e o segundo faz de conta que nada está acontecendo”. (p. 105)
No texto Ações afirmativas: uma contribuição para o debate, é levantado a questão  das cotas para negros na Universidade, preconceito, discriminação e racismo.
Se remontarmos ao longo da historia brasileira notaremos que sempre houve uma minoria privilegiada branca em relação aos demais. Essa minoria justifica sua ‘sorte’ no argumento de que o negro não tem escolaridade para angariar melhores trabalhos e conseqüentemente recebem menos.
Quando se compara o salário dos negros com o salário dos brancos, a diferença é muito grande. E a justificativa dada é que isso ocorre porque os negros tem um nível educacional menor.”(p.7). Hora se compararmos um branco sem escolaridade e um negro veremos que ao negro é dado o pior cargo na empresa e o menor salário.
            “Neste país, 84 milhões de brasileiros são tratados de forma inferior, têm os piores empregos e os piores salários, são barrados ao longo da vida inteira por barreiras fortes, poderosas e invisíveis a olho nu”. (p.7) E ao mesmo tempo é exigido que desempenhem e correspondam aos mesmos papéis oferecidos à elite branca.
Essa falsa oportunidade exige de pessoas cujos processos históricos são diferentes respostas iguais, imputando-as de terem direito a uma vida mais digna e honrosa.
Quando foram lançadoas as cotas para negros na universidade pelo governo Lula como tentativa de diminuir o colossal abismo existente entre as ‘raças’, vários questionamentos foram levantados. Dentre eles: “Quem é negro no Brasil?”, pode “vir a ocorrer situações de preconceito e discriminação dos estudantes afro-descendentes que entrarem pelo sistema de quotas.”, “é preciso colocar na Universidade um sujeito competente para ser um profissional competente para a sociedade. Quotas são antidemocráticas. São dois méritos diferentes, e quem não tem mérito não vai acompanhar o curso”.  

Historicamente, no Brasil, a questão da igualdade remonta às leis e ações que visavam de certa forma, minimizar as desigualdades entre negros escravizados e senhores, desde o período colonial. Movimentos no seio da sociedade provocaram a instauração de leis que regulavam o tráfico negreiro, a Lei do Ventre Livre, Lei do Sexagenário e Lei Áurea. 
Em 1988, a Constituição Brasileira, promulga através de uma lei genérica e abstrata, uma condição igualitária para todos, sem qualquer distinção ou privilégio e, condena o racismo. É claro que não bastaria a simples inclusão da igualdade no rol dos direitos fundamentais para se assegurar e tornar acessíveis as oportunidades também aos menos favorecidos socialmente. Entenda-se como menos favorecidos, principalmente, aqueles indivíduos que, após a Lei Áurea, estavam destituídos de propriedades e  bens de consumo e, tendo ainda, dificuldade de acesso a saúde, educação e outras assistências.
Durante décadas discutiram-se quais seriam as melhores definições para solucionar as dificuldades de ingresso no mercado de trabalho, possibilidade de progressão de carreira, equalizar o desempenho educacional e facilitar a participação destes cidadãos na vida política. Porém, no campo prático, poucas ou nenhuma proposta se firmava. Todas as  ações propostas eram contrapostas com argumentações que apontavam conseqüências econômicas, sociais ou morais para a sociedade como um todo.
Em 1999, a deputada Nice Lobão apresenta o Projeto Lei nº 73/99 que trata sobre a reserva de vagas nas universidades publicas federais, para aqueles egressos de escolas públicas foi motivo de amplo debate na comunidade em geral.
Este projeto serviu como modelo para se pensar o início de implementação de políticas de ações afirmativas, também designadas “política de cotas”, “reserva de vagas” ou “ação compensatória” como  formas de estender oportunidades igualitárias a todos, pelo menos no que tange ao campo educacional e profissional.
Na Conferência da ONU contra o racismo em Durban, na África do Sul, em setembro de 2001, a delegação brasileira levou propostas de ações afirmativas para lidar com os efeitos do racismo no Brasil e reparar as conseqüências danosas impostas aos negros, desde a escravidão. Dentre estas propostas, constava essa da criação de cotas para negros nas universidades públicas.
Em 2004, através do Projeto de Lei 3627/2004, o Governo Federal incorpora o Projeto de Lei 73/99, da deputada Nice Lobão,  e define no art. 1° que

as instituições públicas federais de educação superior reservarão, em cada concurso de seleção para ingresso nos cursos de graduação, no mínimo, 50% de suas vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas  (PL 3627/04, 2004).

e no artigo 3º especifica sobre as cotas raciais em que as vagas de que trata o art. 1º serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados negros e indígenas, no mínimo igual à proporção de pretos, pardos e indígenas na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE. (PL 73/99).
Desde então, manifestos contrários e a favor da PL 73/99 têm sido discutidos na comunidade acadêmica, empresarial e outros segmentos da sociedade.
O que pode se observar diante das discussões travadas nos meios acadêmicos e na sociedade em geral é que o Brasil não é esse “pais da mistura racial” , mas de grupos que tem direitos ou não direitos, ainda que estejam todos tutelados pela proteção da mesma constituição.  Ora, se o Brasil fosse uma democracia igualitária essa discussão não estaria em pauta no Senado e em nenhum segmento da sociedade. Nesse sentido, imaginar que estar sob a ode da matriz francesa, dos lemas da liberdade, igualdade e fraternidade não nos exclui da possibilidade de tratarmos desigualmente os nossos iguais.


Conclusão:

Há ainda, uma idéia muito difundida de que os negros são desfavorecidos por serem
“acomodados”. A condição social precária em que a grande maioria dessa população se encontra, no imaginário, principalmente da elite, não é associada a fatores históricos excludentes em que os mesmos foram submetidos até então. Alegam que a pobreza se estende a brancos e negros e desconsideram os dados estatísticos que demonstram que a concentração da pobreza tem sua faixa majoritária na população negra. De certa forma, é incutido na mentalidade das pessoas, e até mesmo dos negros, que a ascensão social do negro só é possível através do esporte e da arte, o que é outro jeito de discriminar
Acreditam que se os negros entrarem na universidade por meio de cotas serão excluídos mais tarde no mercado de trabalho, que os veriam como “ineficientes” por terem se beneficiado da graduação sem terem em si mesmos o mérito.
O que podemos perceber, contudo ao longo dos anos, é que essas argumentações, tinham, na realidade, o intuito de resistir a qualquer reforma do sistema que fosse diminuir os privilégios da classe dominante. Manifestos e movimentos são articulados para manter o “status quo”.
As políticas de ação afirmativa vêm implementar formas alternativas de minimizar questões sociais para grupos desfavorecidos. No campo educacional e profissional, essas ações se aplicam com cotas para negros para entrada em Universidades, reserva de mercado de trabalho para negros, entre outras.  Ações afirmativas não vão resolver o problema da desigualdade de oportunidades, mas pelo menos no campo educacional,  seus resultados podem ser avaliados objetivamente.

Referencias bibliográficas


BUONICORE, Augusto.  Pra que cotas? Revista Espaço Acadêmico, nº 67, Dez 2006.

CANDAU, Vera. Sociedade, discriminação e educação. In: CANDAU, Vera. (coord.) Somos tod@s iguais? Escola, discriminação e educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 13-31.

CARVALHO, Graziela Figueiredo de. Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade”. Disponível em: www.puc-rio.br. Acesso em: 10 agos. 07.

FRENETTE, Marco: Preto e Branco — A Importância da Cor da Pele. Publisher Brasil, São Paulo, 2000, págs. 22 e 23.



LOBÃO, Nice. Projeto de Lei 73/99 –Disponível em: http://www.carlosabicalil.com.br/1/relat%20PROJETO%20DE%20LEI%20N.%203627%20DE%202004.html. Acesso em: 10 agos. 07.


Manifesto em favor das Leis de Cotas e do Estatuto da Igualdade. Disponível em: http://alex.nasc.sites.uol.com.br/manifestopelascotas.htm Acesso em: 06 agos. 07.

A íntegra do manifesto contra diversos dispositivos do projeto de lei de cotas e do Estatuto da Igualdade Racial. Disponível em:  www.lpp-uerj.net/olped/documentos. Acesso em: 06 agos.07.




Trabalho realizado para a disciplina História da Educação do Mestrado em Educação da Universidade de Itaúna como requisito parcial para a obtenção de créditos, em janeiro de 2007.
Adriana Caetano Olímpio é mestre em Educação e professora de História.

2 comentários:

  1. Olá, Adriana. Quanta saudade daquele tempo do Mestrado, tempo sofrido e feliz. Feliz por encontrar pessoas que acreditam na humanidade e relatam o seu amor entre palavras e luz. Obrigada por continuar trilhando entre os espinhos esparramando pétalas de amor
    Roberta Machado.

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  2. Roberta, sou irmã da Adriana. Passei o seu recado para ela, que leu e ficou muito feliz. Acho que ela vai te telefonar. Te desejou muitas felicidades.
    Bem, da minha parte, espero que eu possa compartilhar sempre textos interessantes dela e de outras pessoas. Um abraço carinhoso.
    Eliana

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