quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Adolescência Prolongada: uma escolha do sujeito

Deparamos hoje, na sociedade brasileira, com jovens acima de 25 anos, morando com os pais, dependendo deles financeiramente, sem um projeto de vida profissional definido e com relações afetivas pouco maduras. É o que chamamos de adolescência prolongada, pois esses jovens mantêm características muito próprias da adolescência.

É imprescindível tratar esse tema, sob ponto de vista teórico psicanalítico, mas levando-se principalmente em consideração os aspectos bio-psiquico e social,  para que a articulação entre psicanálise e adolescência se enriqueça.

O adolescente escolhe atravessar ou não a adolescência. Ë nesse sentido que a psicanálise determina que  a única forma de concebermos o sujeito como responsável é quando  lhe atribuirmos a responsabilidade pela escolha de seu pathos, sua patologia. O sujeito faz essa escolha subjetiva sem se dar conta de suas conseqüências, se iludindo que não terá conseqüëncia nenhuma. Paga-se um preço, seja na entrada, na travessia ou na saída.

A saída da adolescência implica em escolhas cujo preço para o sujeito é pagar pelo desligamento dos pais, assumir o novo corpo que se apresenta, se haver com a sexualidade e com as próprias limitações do sujeito. Assim, não é possível pensar a adolescência sem referir-se à castração, aos lutos e às perdas, porque a adolescência em si é a tentativa de elaborá-las de alguma forma. E, para a psicanálise, essa elaboração se dá  no um a um, tomando cada sujeito em sua singularidade, em sua própria história.

Porém, pensando na adolescência como um todo, sabemos que é próprio da adolescência, os  ritos iniciáticos que marcam o corpo do sujeito, construindo uma história na pele, seja pela perfuração dos  pearcings , seja pelas tatuagens; inscrições que tentam dar conta da angústia das perdas, da castração. Inscrições que tentam construir no corpo um novo corpo, um novo formato, reforçado pela indústria do consumo, dos cosméticos e das cirurgias plásticas. Vemos jovens, cujas marcas abrangem toda a sua pele, agora, não mais nos lugares discretos, como antebraços, mas por todo o corpo visível, constituindo uma verdadeira vestimenta de metais ou afrescos. Mudanças corporais que vão seguindo os modelos Barbies e criam uma geração de bulímicas e anoréxicas, e para os modelos Falcons, uma geração de anabolizados e ‘sarados’ ambulantes.

Há ainda, na adolescência, as identificações com o outro, onde há o fenômeno do fortalecimento dos grupos, dos bandos, que permeiam o modo de vestir, se comportar, se comunicar e estão presentes nas atividades de lazer, de esportes, nos jogos, nas salas de bate papo da Internet,  muitas vezes colocados à serviço  da construção, ora da destruição. Na construção, quando partem desde a criação de estilos, novas linguagens, novo modo de viver; e na destruição, quando levam à depredação dos objetos e aos espancamentos dos grupos rivais. É como os jovens que incendiaram o índio pela intolerância da diferença. Tentativas, essas, de desbancar a cultura social vigente e com isso destituir os próprios pais.  Logo, tentativa de esconder a castração, a falta de um significante no Outro.

E no que concerne ao amor, vemos o fenômeno do ficar, da relação sem compromisso, da promiscuidade pela promiscuidade,  com o intuito de velar a impossibilidade da relação sexual. O jovem que encontra dificuldade na passagem da adolescência, depara-se com uma impossibilidade diante da relação sexual,  há um impasse da assunção do desejo, um fracasso da fantasia. É necessário que haja uma fantasia antes do ato em si.  Conforme Lacan, antes mesmo que um rapaz faça amor com uma moça, é preciso que ele deseje, é necessário ele fantasiar. Isso se dá se ele conseguiu separar-se dos pais, atravessando a fantasia edípica para a constituição do seu próprio núcleo afetivo-sexual.




Para a saída da adolescência, Freud, dá também, relevância ao desligamento da autoridade dos pais:

“Em cada uma das etapas do curso do desenvolvimento por que todos os indivíduos são obrigados a passar, um certo número deles fica retido, de modo que há pessoas que nunca superam a autoridade dos pais e não retiram deles sua ternura, ou só o fazem de uma maneira muito incompleta (...) Com isso se aprende que o amor sexual e o que parece ser um amor não-sexual pelos pais alimentam-se das mesmas fontes, ou seja, o segundo corresponde apenas a uma fixação infantil da libido”. (FREUD, 1905/1969).

Segundo Freud, a barreira do incesto, a interdição e a fantasia da castração são exigências para formação de toda sociedade humana, pois são, em suma,  uma única lei e que serve como base para todas as proibições. A barreira do incesto é o que possibilita a construção da linguagem permeando nossas relações e o conseqüente impedimento da promiscuidade. São condições para o amadurecimento e o desenvolvimento da pessoa humana. É imprecindível para o jovem se haver com suas limitações, para que possa superá-las criativamente, fazendo-se sujeito inserido na sociedade.

“O despertar da fantasia se articula, pois, à separação, desligamento dos pais. As fantasias servem de apoio para o sujeito adolescente se defrontar com situações novas, mesmo que elas se apresentem na forma de devaneios imaginativos. As fantasias podem facultar aos sujeitos as condições para sua separação. Ou melhor, proporcionar-lhes meios para melhor equacionar essa difícil questão da alienação e da separação” (PIMENTA,2004).

O jovem, necessita ainda, se auto-sustentar. Ë no texto Mal-estar da Civilização (FREUD, 1930), que dá-se ênfase ao trabalho, à produção como forma de auto-superar-se e integrar à sociedade, retornando para a sociedade o que ela investiu no sujeito. Deparamos hoje, com jovens cuja profissão é estudar. Não mais estudar para produzir, mas estudar para acumular conhecimentos, sem nenhum comprometimento de retornar esse saber para o social. Diante do desemprego, da falta de oportunidades no mercado de trabalho, o jovem se acomoda à sustentação de um adulto que atravessou bem a sua própria adolescência, e permanece na condição de imaturidade, prolongando a sua.

Assim, a saída da adolescência para a vida adulta se faz, não apenas pela maturação fisiológica, mas principalmente, pela escolha de objeto, escolha essa que permeia os lutos próprios da castração. Escolha que passa pela auto-aceitação e auto-superação, pela integração social com postura crítica, mas consciente, pela produção e, no plano afetivo sexual,  pelo estabelecimento de relacões afetivas maduras.

A autora é Psicóloga, Especialista em adolescência, Presidente da Ama – Associação Mineira de Adolescência, Analista em formação pelo Grep – Grupo de Estudos Psicanalíticos, exercendo atividades em Belo Horizonte.

Referências Bibliográficas:
ALBERTI, Sonia. Esse sujeito adolescente. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos, 1999
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas, Vol. VII, RJ, Imago, 2ª ed., 1989.
LUZZATTO, S. - Jovens rebeldes e revolucionários: 1789-1917. In: História dos Jovens 2 - A Época Contemporânea, Org.: Giovannni Levi, Jean Claude Schimitt - São Paulo: Companhia das Letras: 195-258: 1996.
PIMENTA, Jorge A. - Adolescente - Um sujeito em questão – texto internet,  2004

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