segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A história da mulher e a sociedade contemporânea

A Mulher e o Laço Social *


Introdução:

Antes de iniciar nosso tema, gostaria de delimitá-lo, fazendo um recorte. Mulher é um termo abrangente que perpassa questões biológicas, psicológicas, sociológicas e de gênero. Estaremos abordando questões de gênero, pois, o gênero é no mais amplo termo, a forma pela qual a capacidade reprodutiva e as diferenças sexuais dos corpos humanos são trazidas para a prática social e tornadas parte do processo histórico. No gênero a prática social se dirige aos corpos, independente do exercício da sua sexualidade. O gênero feminino enfatiza uma estrutura ampla, englobando a economia e o estado, assim como a família e a sexualidade. Aborda as dicotomias de papéis indo além do que a biologia reprodutiva sugeriria.

Desenvolvimento:

Quando se aborda o tema da história da mulher percebe-se que está mesclada com a história da civilização. Se remontarmos à pré-história, ao Paleolítico superior ou Era Glacial, que vai aproximadamente de 30.000 a 8.000 a.c. veremos que a questão da primazia no tempo tem somente importância relativa, pois seria insignificante precisá-la. Mas é de inegável importância percorrer aquela época primitiva, retratada pela arte nas cavernas e pelos estudos antropológicos. Também utilizamos dos mitos, que repetem a tradição dos antepassados e pelas ações heróicas relatadas nas epopéias que expressavam uma concepção do homem e descreviam a civilização daquela época, retratando a ciência, a técnica e a religião.

Três autores trabalharam a questão das origens: Lévi-Strauss, buscando identificar o fundamento das relações de parentesco e de aliança que caracterizam e constituem a sociedade humana mais elementar, Monod, que analisa as condições de possibilidade de vida natural, tomando o “acaso e a necessidade” para localizar o nascimento da cultura, e Marx, que questiona o trabalho como uma atividade que transforma a relação homem-natureza por sua mediação, tornando-a, assim, suporte das relações sociais e impulso para o progresso histórico.

O ser humano sempre se organizou em grupos para sua sobrevivência. É notória a frase: “O homem não é uma ilha”, que refere a sua atuação na comunidade. O equilíbrio se dá mediante a preponderância do coletivo sobre o individual.

Como vivia a homem primitivo? Foi denominado da raça do Neandetal e Cro-magnon. Homo Faber e Homo Sapiens.Vivia em bandos, tinha como ocupação a caça e a pesca, sendo eminentemente coletor. Se apropriavam dos bens oferecidos pela natureza na sua forma original, habitando a caverna e pegando os objetos para utilizar como arma sem manipulá-los. A arte não estava presente, pois o que imperava era a força e a destreza e para isso, seus utensílios de pedra possuíam uma simetria, mas levavam-se em consideração estrita a sua funcionalidade. Somente quando o homem começa reproduzir as realidades naturais, criando imagens é que podemos conceber o nascimento da arte.  E o que temos retratado nas cavernas? Figuras rupestres, de animais estáticos e mais tarde, figuras de animais em movimentos e a primitiva figura humana: mulheres grávidas, denominadas pela arte paleolítica de “venus”. Estudos etnológicos recentes sugerem que as mulheres representavam divindades protetoras da caça e da pesca, assegurando aos homens o êxito. Estamos em plena era matriarcal, onde as mulheres eram enaltecidas por sua capacidade de geração e divinizadas. Na arte, essas mulheres são retratadas com enorme volume de seios, nádegas e abdômen. Eram veneradas como “deusas da fecundidade", associadas a fecundidade da terra.  O homem desconhecia sua participação na fecundidade dos filhos, não eram monogâmicos e atribuía às mulheres, poderes mágicos. Os filhos eram no sentindo estrito da palavra “filhos da mãe”. Surgia o culto à Grande Mãe.

O papel da mulher nessa época era primordial para a vida do homem em sociedade, já que enquanto os homens saiam para a caça, elas ficavam reunidas, cuidando da prole, fazendo utensílios e adornos, promovendo a comunicação entre as “famílias”, tecendo as relações de parentesco e de aliança; utilizando a comunicação de palavras, (a comunicação era dispensável para o homem durante a caça que se fazia em absoluto silêncio ou através de comunicação gestual). A mulher efetiva, ainda a comunicação de consciência e de tradição cumulativa de conhecimentos, transmitindo às gerações os mitos e os tabus, fazendo cumprir as leis naturais que tinham a ver muito mais com animais que não se podiam caçar por estarem ligados ao totem, ou seja, animais divinizados. Eram as mulheres que faziam os ritos de purificação de quem transgredia a lei, transferindo o pecado de um para o “bode expiatório”, pois naquela época, o coletivo imperava. Assim, o pecado de um comprometia toda a comunidade. Ela promovia a produção e a circulação de bens entre os indivíduos e grupos, através da doação e da troca, tecendo relações sociais através de relações com a natureza.

A primeira questão que devemos propor é o por que da desaparição ou quebra de uma cultura que durante tantos milênios havia dado provas de um fecundo equilíbrio entre o homem e seu meio. Por que saímos da Sociedade Matriarcal e adentramos na Sociedade Patriarcal, que impera até nossos dias atuais?

Entre a crise da cultura dos caçadores e a aparição de culturas neolíticas médias, alguns milênios se passaram. O período de transição conhece-se com o nome de Mesolítico e durou uma média de 5mil anos, e o que a arte retrata é as danças e rituais, cenas de caça, cenas de combate guerreira, homens e mulheres não mais nus, mas com o dorso adornado por plumas e arcos.

Isso se deu, porque em torno de 8000 a.c, concluiu-se o último período glacial e iniciou-se uma substituição progressiva da cultura dos caçadores do Paleolítico pelas culturas dos agricultores e pecuaristas do Neolítico, das quais surgirão imediatamente as primeiras civilizações. O clima da terra passou por uma elevação progressiva da temperatura, supondo-se fácil subsistência pela fertilidade das zonas costeiras e abundância de moluscos marinhos. Os testemunhos arqueológicos revelam que o homem deixou de ser caçador para ser coletor, e nesse sentido, diminui o nomadismo. Inicia o cultivo do campo promovendo o aparecimento da agricultura e da pecuária, com a domesticação de alguns animais e o cultivo de cereais silvestres. Já não se abriga nas cavernas, mas constrói choças e palafitas. À mulher cabia a confecção de recipientes para conservar os produtos das colheitas. É dessa época que aparecem as sacerdotisas, mantenedoras dos santuários pagãos.  O homem coletor tornou-se sedentário, mas estava sujeito a migração de estações que esse tipo de vida comportava.

Com o sedentarismo, o homem passa a ter consciência de que seu destino não depende exclusivamente de forças sobrenaturais, mas da própria natureza. Tem então, consciência da sua participação na transformação do mundo a sua volta através da manipulação dos objetos e domínio da natureza, e consequentemente, percebe sua participação na maternidade e na paternidade. Sua proximidade constante da mulher  permite ao homem perceber que é pelo seu contato sexual com a mulher que ela gera filhos. É nesse momento que o homem sente-se como aquele capaz do “controle”.  A mulher passa a ser objeto de posse, propriedade, perdendo o seu “status” de Deusa. O falo é o que vem a ser venerado e a figura masculina toma relevância.  A mulher deixa de ser o centro das adorações e dá-se a virada para o sistema patriarcal. É de se supor que essa virada se deu com muita violência e conflito. O sedentarismo possibilitou ao homem explorar a natureza ao mesmo tempo em que desenvolveu suas faculdades intelectivas. O homem aprende a manipular os metais transformando-os em adornos e utensílios, agora, não mais de caça, mas de guerra. Era necessário proteger suas propriedades, sua prole, suas mulheres. A mulher, como qualquer propriedade passa a ser adornada com ostentação e luxo. O poder migra da mulher para o homem, porque é dele que sai o semem e é ele que o controla. A mulher recebe o semem, passivamente, pois ela não tem tradição guerreira. Talvez ai esteja instalado a origem da violência contra a mulher, colocando-a, à força, sujeita a submissão.

Por volta de 5000 a.c determinadas culturas neolíticas transformam-se em verdadeiras civilizações, operando-se nelas um conjunto de mudanças graduais – econômicas, sociais e políticas, das quais, o domínio da escrita , tomada com rasgo definitório, é mais conseqüência do que causa, marcando o transito da Pré-história para a História.

Vamos agora dar um salto, do ano 1 da era de cristo para o século XIII, era medieval. A As  pólis estão funcionando em pleno vigor, o homem dominante, os burgos feudais. A escrita era de domínio masculino. À mulher era vedado a leitura e escrita. A religião dominante monoteísta, representado pela figura masculina.  A virgindade passa a ser obrigatório as mulheres solteiras. A fidelidade e a castidade passa a ser obrigatório às mulheres e utilizadas como forma de controle de paternidade. A virgindade da mulher é valorizado tanto quanto uma mercadoria e simbolizam pureza. A mulher não tem vez nem voz. A figura feminina na arte só é retratada através das santas e virgens mães de deus. Os mosteiros são reservados aos homens e às mulheres é destinado o cuidado exclusivo do lar.  A vida é violenta, perigosa. Os castelos medievais são encobertos por grandes muralhas e as grandes potencias disputam territórios. Continua, desde a entrada da era neolítica, com o sedentarismo e o domínio de propriedades a instituição do poder, do controle e da posse e tudo passa a ter valor de troca.

É nesse contexto, que a mulher totalmente reprimida, reclusa, sem voz adoece. Aparecem as bruxas e as histéricas. Durante toda a idade média e moderna, a mulher manteve-se adoecida.

Freud, no final do Século XVIII “escuta” a mulher, e percebe que seus sintomas representavam a forma como aquelas mulheres lidavam com suas emoções reprimidas.
Até o fim do século passado e início deste, geralmente as mulheres não eram alfabetizadas e nem tinham ocupação profissional, não podiam votar e entrar sozinhas em um café ou restaurante. Eram educadas para casar, quase sempre sendo escolhidas por seus parceiros e com a anuência de seu pai. Era esperado também que tivessem filhos. Aquelas mulheres, que por algum motivo tinham de se sustentar, dispunham de pouco espaço no mercado de trabalho: geralmente, ocupavam-se em casas de família, costuravam ou eram prostitutas. É importante enfatizar como o trabalho era disponibilizado às mulheres e como está sendo disponibilizado hoje através do mercado de trabalho e da economiaNão tinham quase nenhum direito a fazer qualquer escolha, a não ser cuidar do marido, de sua família e de sua casa. E fantasiar. É trabalhando com essas mulheres, que de repente achavam que não mais podiam andar, gritavam de terror ou riam parecendo loucas, que Freud descobre a presença da mente funcionando, delatando, no corpo e no comportamento, que suas emoções e desejos não estão expressos e satisfeitos. Durante o desenvolvimento de sua obra, Freud foi descobrindo e teorizando a respeito de como as pessoas se humanizam, lidam com suas emoções ao longo de sua existência e se desenvolvem emocionalmente, adentrando em uma cultura. Uma de suas importantes contribuições foi demonstrar a importância da sexualidade na vida humana. Sexualidade enquanto força vital presente no movimento que toda pessoa faz em direção ao crescimento e desenvolvimento durante sua existência, além de manifesta na busca do conhecimento e, assim, em cada cultura, oferecendo uma maneira de obter prazer e de conhecer e experienciar o mundo

É importante frisar que questões relativas ao gênero, no caso, a masculinidade e a feminilidade são formados a partir do momento em que a criança reconhece a diferença anatômica dos sexos. Mais do que a percepção desta diferença, o importante para nós, é que essa percepção adquire um significado emocional para a criança, através do sentido psíquico que esta consciência adquire. Reconhecer a diferença anatômica entre os sexos não significa que utilizará dessa anatomia da forma que é imposto pela cultura. A anatomia com que cada criança nasce é dada quando vem ao mundo, mas o modo como cada pessoa vê sua anatomia será construída através de suas experiências, ganhando um significado emocional específico para cada um. A maneira como cada indivíduo significa emocionalmente sua anatomia influenciará o curso de sua psicossexualidade, sua escolha de objeto amoroso, homo ou heterossexual e seu caráter.

Ao fazerem uma identificação de gênero, masculino ou feminino, e com isso tomarem consciência de pertencer a um sexo e não a outro, cria-se um limite intransponível entre homens e mulheres. Nunca se saberá, na realidade, como é ser de outro gênero. No máximo, podemos imaginar como seria. Do meu ponto de vista, seria impensável o feminino sem o masculino e vice e versa. Assim, o feminino está intrinsecamente ligado ao masculino enquanto maneira de experienciar as emoções. O feminino só tem sentido se estudado e vivenciado junto ao masculino. Enquanto identidade de gênero, a menina tem um percurso a ser feito até chegar a ser mulher. Porém, as diversas formas de operar sobre as experiências emocionais podem ser de diferentes qualidades: tanto de maneira qualitativamente feminina, isto é de aconchego, proteção e contenção, como masculina, intrusiva, ativa e competitiva. No início de sua obra, Freud falava da mulher como sendo uma pessoa que se percebia inferior ao homem, por não possuir o falo. Falo, não como pênis, órgão genital, mas sim representante de um valor e um poder que eram desejáveis e que, segundo ele, toda a humanidade busca, mas que, culturalmente é vedado à mulher.

Tão vedado, que com a revolução industrial, - século XVIII, a mulher é transportada, junto com o artesão do lar para as fabricas. O ofício que era ensinado pelo pai/mãe  para os filhos passa a ser atributo da escola, que passa a ter o papel de educar, preparando os jovens para serem trabalhadores nas industrias. O sistema capitalista é implantado e visa o lucro, em detrimento do humano. As condições de vida urbanas eram precárias, sem saneamento básico e com exploração da força do trabalho até suas ultimas conseqüências. Foi nesse contexto que em 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos, situada na cidade americana de Nova Iorque, fizeram uma grande greve. Ocuparam a fábrica e começaram a reinvidicar melhores condições de trabalho, tais como redução da carga diária de trabalho para dez horas (as fábricas exigiam 16 horas de trabalho diário), equiparação de salários com os homens (as mulheres chegavam a receber um terço do salário do homem para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho.
A manifestação foi reprimida com total violência. As mulheres foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Aproximadamente 130 tecelãs morreram carbonizadas, num ato totalmente desumano. Porém, somente em 1910, durante uma conferência na Dinamarca ficou decidido que o 8 de março passaria a ser o “Dia Internacional da Mulher”, em homenagem as mulheres que morreram na fábrica em 1857. Mas somente em 1975, através de um decreto, a data foi oficializada pela ONU.

Esta data pretende reunir debates e conferencias em torno da discussão do papel da mulher na sociedade atual. O esforço é para tentar diminuir e, quem sabe um dia terminar com o preconceito e a desvalorização da mulher. Mesmo com todos os avanços, elas ainda sofrem, em muitos locais, com salários baixos, violência masculina, jornada excessiva de trabalho (sem contar com a jornada dupla empresa/lar) e desvantagens na carreira profissional. Muito foi conquistado, mas muito ainda há para ser modificado nesta história, haja visto, que somente em 1932 foi dado à mulher brasileira o direito de votar.

Apenas nos últimos 100 anos a mulher lutou declaradamente e em conjunto, contra o preconceito de que era frágil e por isso não tinha direitos, tendo de ser resguardada de fazer escolhas ou ter opiniões próprias. É de se conceber que a atual estrutura da mulher está entrelaçada a esses últimos 8.000 anos de história, mas não foi sempre assim.

Se a feminilidade estaria ligada à passividade e a masculinidade à atividade, o homem e a mulher têm de ser pensados como penetrantes e envolventes; intelectuais e intuitivos; ativos e passivos em suas possibilidades de lidar com a experiência emocional.
Se o poder se instala a partir do momento que o homem reconhece a sua participação na reprodução humana, falo e útero deveria se integrar para a construção de uma sociedade igualitária, equilibrada e harmônica. Se durante tantos milênios permaneceu o mistério sobre a gestação de vida, o que diríamos do maior mistério que é impossível de ser conhecido sobre a existência humana, as origens do homem? Vida humana é uma dádiva. Saibamos respeitá-la, sejam homens ou mulheres.


(*) Resumo de palestra proferida por Eliana Olimpio para Epamig – Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, em comemoração ao dia da mulher, março/2006

Referências Bibliográficas:
Sinopse da Arte Universal, História Geral da Arte, ediciones DelPrado, Lisboa, 1995
Mendes, Paulo, As origens da Cultura,
Scott, Joan, Gênero: Uma categoria útil de análise histórica, educação e realidade, V15, São Paulo, 1990

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